As línguas originais da Bíblia

domingo, 2 de agosto de 2009



O ANTIGO TESTAMENTO HEBRAICO


O hebraico pertence ao grupo ocidental das línguas semíticas (a palavra semítica é derivada de Sem, um dos filhos de Noé), sendo muito próximo do ugarítico antigo (o termo ugarítico provém de Ugarit, capital de um pequeno reino ao norte da costa Síria, atual Ras Shamra). Poderíamos associá-lo também ao fenício e ao moabita.


No Antigo Testamento, o hebraico é conhecido como a língua de Canaã (Is 19:18), ou Judaica (2Rs 18:26; Is 36:11 e Nm 13:24). O termo hebraico ocorreu primeiramente em Ben-Sira, no ano 130 AC, aproximadamente.


A raiz das línguas semíticas tem uma característica própria. É composta de três consoantes que agem como uma espécie de estrutura para as alterações das vogais. A inserção de um padrão vocálico estabelece um significado específico. Em kohen, por exemplo, em k-h-n encontramos a estrutura consonantal, e em o - e o padrão vocálico. A presença das vogais o - e especifica seu valor participial (ou seja, da natureza do particípio, uma forma nominal dos verbos). Assim, o termo kohen nos dá idéia de alguém que ministra, neste caso, um sacerdote. O hebraico logo começou a dispensar as terminações de caso, porém, alguns remanescentes ainda permaneceram. Seu sistema verbal apresentou uma esquematização.


A representação hebraica é proveniente do semítico do norte, ou fenício. É composta de vinte e duas consoantes e escrita da direita para a esquerda, podendo ser utilizada também para representar números. Contém vários sons não encontrados nas línguas indo-européias. Exemplos: consoantes enfáticas (t. k (q), e s) e o ayin gutural () que posteriormente foi transliterado em grego por gamma, como aconteceu na cidade de Gomorra (Gn 18:20). A forma de escrita conhecida Como Assíria (provavelmente ao invés de Siríaca), ou Quadrático, passou a ser utilizada antes de 200 AC. A tradição judaica de que fora Esdras quem a trouxe do exílio não tem base. Os sinais vocálicos não eram grafados, mas, como conseqüência de certas alterações fonéticas, alguns deles com w e y, surgiram. Tais letras então passaram a ser utilizadas em outros casos para representar vogais longas. Um sistema completo de vocalização, conhecido como Nestoriano, foi utilizado pelos escribas judeus provavelmente em 600 d.C. Três sistemas diferentes foram desenvolvidos: na Babilônia e Palestina os sinais eram colocados acima das consoantes (supralinear).


O sistema comumente encontrado em nossas Bíblias hebraicas é conhecido como Tiberíades. Os sinais vocálicos (com exceção do o) foram colocados abaixo das consoantes (infralinear). Essa vocalização representa um importante estágio sincrônico em hebraico e é o produto de uma tradição altamente segura e confiável. Podemos constatar isso ao percebermos o cuidado na distinção originariamente obtida entre certas vogais presentes em verbos adjetivais e substantivais, nos quais as modificações de sua estrutura consonantal revelam suas formas primitivas. Há também um número de sinais de pontuação e de entonação extra-alfabéticos. Para o hebraico Bíblico, a pronúncia mais adotada é a sefardita (judeu-hispânico). Os escribas cuidadosamente evitaram alterar o texto consonantal. Onde julgavam haver um erro de transcrição ou onde uma palavra deveria ser melhor utilizada eles colocavam o que achavam ser correto ou preferível na margem, e as vogais dessa palavra seriam acrescentadas à palavra no texto (sobre o qual um pequeno círculo era freqüentemente colocado). As consoantes no texto passaram a ser conhecidas como ketiv (escrito), e as observações da margem. Os qeri (que deve ser lido).


O hebraico não tem artigo indefinido. O artigo definido (ha) é prefixado ao nome. Seu uso difere em muitos detalhes do artigo definido em português. Por exemplo, os pronomes demonstrativos e os adjetivos o aceitam quando utilizados atribuitivamente.


Os nomes em hebraico servem para distinguir gênero e número. O gênero é gramatical: quer sejam coisas animadas ou inanimadas. O feminino tem normalmente a terminação (-a). Certos nomes femininos não têm, entretanto, terminação, mas seu gênero é indicado pela concordância nominal ou verbal. O hebraico também possui uma terminação específica para o dual, utilizada principalmente para os membros do corpo que ocorrem em pares. Existem duas classes principais de verbos: aqueles com cognatos substantivos e aqueles com cognatos adjetivos. Em termos gerais, o verbo substantival é dinâmico, enquanto o adjetival é estático. O verbo indica primariamente o tipo de ação e especifica dois aspectos principais: a ação completa (perfectiva) e a incompleta (imperfectiva). Para a ação perfectiva, o elemento pronominal é sufixado; para a imperfectiva, prefixado. A terceira pessoa do singular é fundamental para a identificação de ambas. O hebraico tem um número significativo de formas verbais para categorias específicas de ação, tais como: iterativa, causativa, intensiva etc. Existe uma classe de verbos irregulares, nos quais as alterações são devidas ao aspecto fonético de um pequeno número de consoantes ou de semivogais.


Os nomes são formados de muitas formas: por uma variedade de mutações vocálicas e pela presença ou ausência de certas consoantes. Quando as consoantes são utilizadas, elas são normalmente prefixadas. As consoantes mais utilizadas são o m e o t. O uso freqüente é feito tanto para o singular quanto para o plural, como resultado de que a terminação feminina é utilizada como uma espécie de terminação singular. Exemplo: se‘ar cabelo, saªrá. Formas sem desinências são comuns: tso’n, rebanho; tso’n ovedot, ovelha perdida, aqui ot indica o elemento que está faltando. O nome que precede um genitivo (caso de declinação em certas línguas) tem suas vogais reduzidas ao mínimo, e omite o artigo definido. O conjunto é tratado virtualmente como um composto inseparável.


Os pronomes possessivos aparecem sufixados ao nome. Geralmente, os adjetivos têm uma forma particular de significado, o que limita o número de padrões vocálicos em seu uso. Eles podem ser utilizados predicativamente quando não têm a presença do artigo e precedem um nome, ou atribuitivamente quando acompanham um nome e recebem o artigo definido, se o nome o permitir. O adjetivo pode também receber o artigo definido e ser utilizado independentemente, tendo o valor de um substantivo. A comparação é feita por meio da preposição min, que significa desde, de que, no português, o equivalente é mais... do que. O grau máximo de uma quantidade não é freqüentemente usado. Exemplo: o bom, que seria o melhor. O superlativo é expresso por uma frase no singular acompanhada por uma forma plural. Exemplo: O Cântico dos Cânticos, ou seja, o melhor dos cânticos.


O uso de numerais demonstra algumas particularidades. Um e dois concordam em gênero com o seu nome, mas de três a dez, não. Isto pode indicar uma introdução posterior ao gênero gramatical.


A sentença nominal, ou desprovida de verbo, em que o predicado consiste em um nome, um pronome ou adjetivo é freqüentemente usado. Normalmente suprimimos, na tradução, o verbo ser em alguns tempos. Exemplo: O servo de Abrão (sou) eu. Em sentenças com verbo finito a ordem das palavras geralmente segue a seqüência: verbo-sujeito-objeto. Muitas vezes o objeto direto determinado vem precedido pela partícula et. Se o objeto for um pronome, ele pode estar ligado à partícula acusativa, ou associado como uma forma enclítica ao verbo. Uma preposição e um sufixo pronominal que exerçam a função de objeto indireto normalmente precede o sujeito. Se houver urna extensão adverbial, ela normalmente seguirá o objeto.


O aspecto mais significativo do estilo hebraico é o seu caráter sindético ou coordenativo, ou seja, o predomínio da conjunção coordenativa "e" e o uso escasso das conjunções subordinativas. Comparado com o português o estilo hebraico poderia ser menos abstrato, mas isso se deve ao caso de que os nossos termos para idéias abstratas não são totalmente naturais. Nas situações em que os judeus teriam originalmente uma associação concreta, nós teríamos dificuldade para assimilá-la. O hebraico, por exemplo, utiliza termos para atitudes físicas ao descrever estados psicológicos ou órgãos do corpo para estabelecer associações com atitudes psicológicas. É muito difícil para alguém familiarizado com a índole indo-européia dissociar sua idéia do significado básico; isto acontece quando uma obra está repleta de significados básicos.


As coisas e as atividades da vida diária caracterizam as associações na língua hebraica. Assim, a língua hebraica tem um valor universal que não apresenta dificuldade de tradução. O hebraico utiliza figuras de retórica comuns, parábolas (II Sm 12), símiles, metáforas. Exemplos: estrela ou leão para herói, rocha para refúgio, luz para vida e para revelação Divina, e trevas para sofrimento e ignorância.


O hebraico, em termos lingüísticos gerais, utiliza amplamente expressões antropomórficas, ou seja, a transferência ou adaptação de termos para partes do corpo humano e atividades humanas para o mundo inanimado e outras condições às quais elas não estão estritamente atribuídas. Essas expressões têm sua origem na metáfora e surgem por causa da extensão de significado, o que não deixa de ser um desvio aparentemente essencial presente na estrutura das línguas em geral. E isso ocorre freqüentemente em outras línguas semíticas. O acadiano se refere à quilha de um navio como a espinha dorsal, onde as costelas estão unidas. O hebraico fala a respeito da cabeça de um monte, a face da terra, o lábio (litoral) do mar, a boca da caverna, o curso da água (um verbo muitas vezes é utilizado com um significado de andar). Essas e muitas outras expressões têm obviamente se tornadas metáforas fossilizadas. Quando tais expressões são atribuídas às atividades ou atributos de Deus, seriam inadequadas do ponto de vista lingüístico interpretá-las em sentido literal ou valer-se delas para criar teorias associadas à matéria de fé, uma vez que elas refletem associações presentes na comunicação.


Expressões elípticas, nas quais os conteúdos semânticos de uma frase repleta precisam ser subentendidos, são bastante comuns. A omissão pode ser uma forma verbal, como na elipse comum de um verbo finito após o famoso infinitivo absoluto, ou do objeto de um verbo como a omissão da voz após bradai (Is 40:2). Embora uma das referências mais antigas à mudança semântica ocorra no Antigo Testamento (I Sm 9:9), há, porém, pouca evidência de alteração no hebraico no decorrer dos séculos. Na natureza do caso, não seria fácil detectar palavras provenientes de línguas cognatas. Exemplo: hekal, do acádico ekallu, palácio, que, por sua vez, é proveniente do sumeriano egal, uma grande casa; argaman, púrpura, proveniente do itita. As diferenças mais acentuadas entre o hebraico e as outras línguas cognatas, devidas amplamente à ação de alteração semântica, tornam extremamente perigoso tentar uma abordagem etimológica para estabelecer o significado de muitas palavras hebraicas de pouca ocorrência.


O estilo literário marcante de muitas partes do Antigo Testamento poderia indicar a existência antiga de modelos literários ou de um grande estilo. Muito do que se tem escrito acerca das divergências no estilo hebraico é, na ausência de critérios adequados, desprovidos de valor.


É claro que a influência do hebraico sobre o Novo Testamento não é tão extensiva quanto muitos eruditos têm sustentado. Todavia, ele tem deixado sua contribuição no vocabulário e sintaxe. Existem muitas palavras derivadas e provenientes de tradução. Exemplo: hilasterion, para a cobertura da arca, que no dia da expiação era aspergida com sangue, e a expressão como Bendita és tu entre (lit. em) as mulheres, onde o grego segue o hebraico no uso da preposição.


A influência do hebraico sobre a literatura européia é incalculável, embora isso se deva à influência da Vulgata. Entre muitas palavras provenientes do hebraico, merecem destaque as seguintes: sábado, Satã, siclo, jubileu, aleluia, aloé, mirra, amém etc. O uso de coração como sede das emoções, da vontade e da alma para pessoas é devido à influência das associações do hebraico.


O ANTIGO TESTAMENTO ARAMAÍCO


O aramaico é uma língua cognata do hebraico. Ele é utilizado em Dn 2:4-7:28; Ed 4:8-6; 18; 7:12-26, Jr 10:11 e em duas palavras em Gn 31:47. Também é a língua dos Targuns (traduções aramaicas de partes do Antigo Testamento).


A referência em II Reis 18:26 demonstra que realmente no tempo de Senaqueribe (705-681 AC) o aramaico era uma língua diplomática. No império Persa (550-450 AC) era a língua oficial. S. R. Driver afirmava que o aramaico de Daniel era o dialeto aramaico ocidental, sendo, portanto. tardio. Quando ele afirmou isso, não havia material relevante disponível. R. D. Wilson posteriormente, valendo-se de um material mais recente e relevante, esclareceu que a distinção entre o aramaico ocidental e o aramaico oriental não existia nos períodos pré-cristãos. Isso tem, desde então, sido amplamente confirmado por H. H. Schaeder.


A escrita é a mesma do hebraico e tem as mesmas características fonológicas. Os padrões vocálicos são mais atenuados e, em determinados casos, preserva mais sua forma primitiva. A alteração consonantal entre as duas línguas não apresenta uma regra rígida. Exemplo: o Heb z = Aram d, o Heb s = Aram t etc.


O artigo definido é -a e sufixado ao seu nome. A relação genitiva pode ser expressa como em hebraico. O nome que precede o genitivo é reduzido, se possível, e o conjunto é considerado inseparável. O relacionamento é freqüentemente expresso por di, originalmente um pronome demonstrativo, assim hezwa di lelya significa visão da noite.


Como no hebraico, o nome tem singular, dual e plural. Existem dois gêneros: masculino e feminino. O feminino tem a terminação –a, mas muitos nomes femininos não apresentam indicação. Pronomes possessivos são sufixados ao nome.


O verbo apresenta dois aspectos temporais: O perfectivo (ação completa) com elementos pronominais sufixados, e o imperfectivo (ação incompleta) com elementos pronominais prefixados. O particípio ativo é amplamente utilizado para expressar presente ou futuro. Existem aproximadamente oito formas verbais ou conjugações: forma primária com modificações para ativa, passiva e reflexiva; intensiva e causativa, caracterizadas por prefixos. Os verbos ser e estar (hawa) são utilizados extensivamente como auxiliares.


Uma sentença sem verbo é comum. Em sentenças verbais, tanto pode vir o verbo como o sujeito em primeiro lugar.


O NOVO TESTAMENTO GREGO


A língua utilizada para preservar os documentos do Novo Testamento foi o grego comum (koiné), amplamente difundida no oriente próximo e terras mediterrâneas nos períodos romanos. Espalhou-se por um vasto território devido às conquistas e propósitos de expressão cultural de Alexandre, o Grande, cujas colônias se encarregavam de difundir essa língua. Ela exerceu influência no vocabulário do Copta, do Judeu Aramaico, do Hebraico Rabínico e do Siríaco. Representando seu aspecto morfológico e sintático, é a combinação do Ático, do Jônico e dos dialetos do nordeste da Grécia, que no curso da história política grega, antes e depois das conquistas de Alexandre, o Grande, fundiram-se, dando origem, assim, a uma língua plenamente unificada com ligeiros traços de diferenciação dialetal.


É ancestral direta do Grego Bizantino e do Moderno, que têm recentemente sido utilizados para o esclarecimento de seu desenvolvimento e de suas formas normativas. Vários escritores do período românico esforçavam-se para atingir o ideal Ático, e então o dialeto fluente era obscurecido em suas obras (Dionisio de Halicarnasso, Crisóstomo, Luciano); e ainda aqueles que escreviam no koiné foram inevitavelmente influenciados por seus estilos literários (Polílio, Diodoro Sículos, Plutarco, Josefo). Para a língua do homem comum, podemos nos voltar às inscrições e aos papiros, sendo estes muito comuns no Egito e aqueles amplamente encontrados em uma vasta extensão geográfica. O Novo Testamento, juntamente com o Discursos de Epíteto, formam o principal monumento literário da língua do homem comum, como tipificado nas referências acima.


Somente após a descoberta de muitos papiros em Oxyrhyncus e em outros lugares pôde ser estabelecida uma ligação entre o Novo Testamento e o grego da vida diária. Após o exame deste vínculo, não podemos mais falar do grego Bíblico como um dialeto separado, mas simplesmente como o koiné, exemplificado em uma ampla exposição homogênea para o interesse teológico, mas representando um escopo lingüístico completamente vasto desde o Apocalipse até certos períodos altamente complexos da epístola aos Hebreus.


O koiné é caracterizado pela perda ou atenuação de muitas sutilezas do período clássico e por um enfraquecimento geral das partículas, conjunções e o Aktionsart das conjugações verbais. Muitos exemplos dessa tendência à simplificação naturalmente variam no Novo Testamento, e muito mais ainda no amplo material disponível no grego profano. O dual desapareceu totalmente. O modo optativo raramente é utilizado e não segue as normas do ático clássico. A distinção entre o perfeito e o aoristo às vezes não é observada, uma característica refletida freqüentemente nas variantes textuais.


Certas partículas, tais como, te, hos e ge são utilizadas como meros suplementos dispensáveis. Distinções entre preposições diferentes, exemplo: eis e en, hypo e apó são atenuadas, assim como o uso da mesma preposição (epi) com casos diferentes. No vocabulário, os verbos compostos substituem o simples, os temáticos substituem os não-temáticos, então surgem retroformações; enquanto no nome há uma nítida inclinação para se usar o diminutivo sem que haja a implicação da idéia de diminutivo. Do mesmo modo, o uso de determinadas conjunções, tais como: hina e me tem sido amplamente estendido. O padrão das cláusulas condicionais (tanto com ei ou com um relativo) perdeu suas nuances claramente definidas. Isto não implica que a língua estava em sua forma totalmente enfraquecida e desprovida de suas potencialidades e sutilezas, pois ainda era um instrumento claro e preciso de expressão. Isso deve ser reconhecido, na medida em que o desconhecimento desse fato pode comprometer o processo exegético.


Durante o período dos escritos do Novo Testamento, sob o domínio romano, o koiné expunha-se à influência do latim. Entretanto, esta influência manifesta-se principalmente no vocabulário e pode ser encontrada em duas formas: em palavras transliteradas (ex.: kenturion) e em frases traduzidas literalmente (ex.: to hikanon poiein = satisfacere). Alguns têm afirmado que a língua original do evangelho de Marcos tenha sido o latim, como algumas inscrições siríacas e um plausível caso afirmam. A tese, porém, não tem aceitação, uma vez que muito de sua evidência não apresenta paralelos em papiros nem no grego moderno. É de fato um axioma inalterável da erudição contemporânea neste campo que o que acontece em grego moderno seja o desenvolvimento de uma locução helenística natural, e sua utilização no Novo Testamento não possa ser o resultado de uma língua estrangeira sobre o grego do Novo Testamento. Latinismos ocorrem também em Mateus, Lucas e João.


HEBRAÍSMO NO NOVO TESTAMENTO


Não há variação significativa de dialetos no koiné, conforme os relatos. Alguns frigianismos e egipcianismos são casos isolados. Encontramos, porém, semitismos no grego do Novo Testamento, ou seja, locuções anômalas que revelam uma latente influência do hebraico ou do aramaico. Estamos lidando, nessa esfera, com um problema extremamente sutil, pois é necessário discernirmos adequadamente o âmbito dessa influência. Muito do que parecia interessante para os estudiosos antigos hoje não é, uma vez que as descobertas dos papiros atestavam que o grego do Novo Testamento apresentava semelhanças com o grego comum. Entretanto, algumas características ainda o diferenciam, e o debate ainda persiste.


Os hebraísmos têm sua origem principalmente na Septuaginta, a principal tradução do Antigo Testamento usado no período de formação do Novo Testamento grego. Sua influência sobre os escritores do Novo Testamento varia. Analisar essas variações também seria uma tarefa extremamente difícil, exceto no caso de fraseologia ou citação explícita. Isto devido à sua ocorrência na própria Septuaginta, que em algumas partes estão escritos em koiné idiomático, outras em razoável koiné literário; ao passo que o Pentateuco e outras passagens, devido a razões de reverência, aderem estritamente ao texto hebraico, ainda quando isto implique certa distorção das regras gramaticais do grego. Frases hebraicas são traduzidas literalmente, exemplo: pasa sarx, toda carne e, akrobystia, incircuncisão, enopion tou kyriou, diante do Senhor. Pronomes são amplamente utilizados, seguindo o uso hebraico. Várias características verbais do hebraico, especialmente o infinitivo absoluto, são traduzidas da forma mais literal para o grego, exemplo: neste caso pelo particípio pleonástico ou por um nome cognato no caso dativo. Várias formas preposicionais perifrásticas são empregadas para imitar o hebraico, exemplo: en meso, dia cheiros. Em alguns casos, isso representa simplesmente uma tendência também observada no grego popular daquele contexto em que se deu a elaboração da Septuaginta.


A CÉLEBRE QUESTÃO ARAMAÍCA


Ela é mais delicada do que os hebraísmos, isso devido a muitos fatores. Primeiro, tem havido um debate considerável sobre o dialeto da língua aramaica que era utilizada, na qual os ditos de Jesus teriam sido preservados. No desfecho, o Targum Palestinense, as partes aramaicas do Talmude de Jerusalém, e as fontes aramaico-samaratinas seriam provavelmente o guia mais adequado, juntamente com o aramaico Bíblico e o siríaco palestinense cristão, como ferramentas auxiliares. Segundo, enquanto para os hebraísmos temos uma tradução do hebraico e do aramaico para o grego, não há nenhuma literatura significativa do aramaico comparável ao Antigo Testamento original. Terceiro, o número de características provenientes supostamente do aramaico (exemplo: assíndeto, parataxe e o uso extensivo de hina) são encontrados também no koiné, onde também há simplicidade de construção. Em virtude dessas dificuldades, devemos ser cautelosos. As hipóteses mais ambiciosas que afirmam que todos os evangelhos e partes de Atos sejam traduções do aramaico não têm ampla aceitação. A hipótese mais razoável para explicar o grego do Novo Testamento talvez seja o bilingüismo.


Assim, o Novo Testamento grego, apesar dos semitismos, na gramática, na sintaxe e no estilo, permanece essencialmente grego. Semanticamente, entretanto, devemos reconhecer que sua terminologia foi profundamente moldada pelo uso da Septuaginta. Esta compreensão tem auxiliado muito os exegetas e hermeneutas na esfera teológica. Nomes como C. H. Dodd, em seus livros The Bible and Greeks and Interpretation of the fourth Gospel, e Kittel, em seu Dicionário Teológico, são uma prova de que é necessário evitarmos os preconceitos para concluirmos adequadamente.


Em resumo, podemos dizer que o grego do Novo Testamento pode ser reconhecido como uma língua compreendida pelo povo, apresentando variações de estilo, devido a propósitos estilísticos, porém com ímpeto e vigor, com a finalidade de expressar nesses documentos uma mensagem que estabeleceria determinadas conexões com as Escrituras do Antigo Testamento - uma mensagem do Deus vivo.


Autor: Vicente de Paula (Vicente de Paula dos Santos é consultor do ICP e acadêmico das línguas originais Bíblicas, com formação pela FFLCH – USP)


Fonte: Revista Defesa da Fé – ano 6, n.º 41 / dezembro/2001 - pags. 44 a 51, Instituto Cristão de Pesquisa (ICP).



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“Todo-Poderoso , aquele que era , que é, e que há de vir.”
“Ora, vem, Senhor Jesus!”

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