Bem-Aventurados são os Mansos

domingo, 16 de agosto de 2009


Leitura:


"E Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em palavras e obras" (Atos 7.22).

"Sendo o menino já grande, ela o trouxe à filha de Faraó, da qual passou ele a ser filho. Esta lhe chamou Moisés e disse: Porque das águas o tirei" (Êxodo 2.10).

'Estando Moisés no caminho, numa estalagem, encontrou-o o Senhor e o quis matar" (Êxodo 4. 24).


Quando prestarmos atenção na diferença existente entre a sabedoria de Deus e a sabedoria do homem, veremos como Deus julga e rejeita a sabedoria do homem tanto na vida quanto na obra para que sejamos aceitáveis aos Seus olhos.

Antes de prosseguir, porém, precisamos, em primeiro lugar, conhecer os três aspectos da carne que mais resistem a Deus, pois eles precisam ser trabalhados para conseguirmos fazer a boa obra do Senhor. Quais são estes aspectos? Primeiro, a sabedoria da carne; segundo, a força da carne; terceiro, a vanglória da carne. Se eles ainda não foram crucificados, não conseguiremos fazer boas obras, porquanto permanecem em relação adversa à obra de Deus. Na verdade, destroem a obra divina. Seguem sempre a mesma ordem: sabedoria, força e, enfim, vanglória. Essa é a ordem natural, e estes aspectos estão estritamente ligados entre si.


A Tática Operacional de Deus: Trabalhar com o Homem em Primeiro Lugar


Moisés foi o primeiro servo escolhido por Deus, a primeira pessoa chamada por Deus para servir. Embora Abraão, Isaque e Jacó tenham vivido antes do tempo de Moisés, eles não foram, estritamente falando, servos de Deus, pois não estavam comprometidos com Deus por meio de um acordo escrito. Assim como Paulo pode ser considerado o primeiro servo escolhido por Deus nos tempos do Novo Testamento, Moisés pode ser reconhecido como o primeiro servo escolhido no período do Antigo Testamento. Como Deus operou em Moisés? De que maneira Moisés agradou a Deus? Antes de tratar com os filhos de Israel, Deus teve de tratar com Moisés. Antes de poder tratar com Faraó e com os egípcios, Deus precisou tratar com Moisés.

Certa vez, um servo do Senhor escreveu o seguinte: quando um homem pensa em fazer alguma coisa, ele sempre pensa na maneira de fazê-la. Porém, quando Deus pretende fazer algo, Ele normalmente tenta, antes de tudo, encontrar o homem. Se Deus não encontrar a pessoa certa, Ele não terá como fazer o que pretende. Hoje, na Igreja, dispomos de todas as maneiras, organizações e de todos os lugares, mas será que temos homens? Pois Deus não enfatiza a maneira, mas o homem. Como são diferentes as idéias de Deus e as dos homens! As pessoas presumem que um bom método trará um resultado satisfatório. Todavia, não conseguem pensar na pessoa que executa o método e, por conseguinte, são incapazes de obter o bom fruto esperado.

Obviamente, a questão não é se Deus pode ou não encontrar pessoas com grandes talentos nos dias de hoje. O que Deus não consegue encontrar são pessoas utilizáveis. Três meses depois de ter nascido, Moisés foi colocado nas águas. Mais tarde, foi retirado pela filha de Faraó que o adotou. Por isso, deu-lhe o nome de "Moisés", que significa "tirado das águas". Moisés foi o primeiro a ser retirado das águas. Posteriormente, a multidão dos filhos de Israel seguiria o mesmo percurso ao ser retirada (na experiência do mar Vermelho). No deserto, Deus tratou com Moisés primeiro e, depois, no mesmo deserto, tratou com os filhos de Israel após terem sido tirados do Egito por Moisés. Se nós não somos libertados, não podemos esperar que as outras pessoas sejam libertadas. Se nós não temos visão, como podemos esperar que os outros vejam a maneira como Deus age? Se nós não caminharmos, ninguém mais será capaz de seguir. Hoje, Deus deseja trabalhar conosco em primeiro lugar. Depois que Ele tiver ganho alguns de nós, poderemos, então, ganhar outras pessoas.

No princípio da era da graça, Deus tomou algumas poucas pessoas pelas quais foi capaz de alcançar todo o mundo romano com o Evangelho em três décadas. Muitas novas assembléias foram levantadas. Deus apoderou-se, sobretudo, de Paulo, que pregou o Evangelho até os confins do mundo romano. Muitos creram na Palavra. Se fôssemos, hoje, como Paulo foi no primeiro século, o Evangelho já teria sido pregado em todas as nações. Não teríamos necessidade de recorrer a vários meios de levantar, multiplicar ou arrecadar dinheiro a fim de levar as pessoas a conhecer a verdade. Se tão-somente fôssemos ganhos por Deus, tudo daria certo. Ele pode usar você? O resultado da obra que você realiza provém do fato de você ser usado por Deus ou de você usar certos meios?

A fim de libertar os filhos de Israel, Deus precisou, primeiro, apoderar-se de Moisés. Sem ele, Deus não poderia ter salvo os israelitas. Se Ele não tivesse conseguido um homem, não teria nenhum método. Se o primeiro homem não tivesse sido tirado das águas, os muitos que viriam depois não teriam sido tirados também. Se Deus não tivesse salvo Moisés primeiro, Ele não poderia ter salvo a nação de Israel. O mesmo princípio se aplica a nós hoje. Se Deus não usar você, Ele não terá outra maneira. Se o Espírito Santo não tiver a oportunidade de enchê-lo, Ele não poderá operar através de você a fim de trazer a salvação aos outros. Você simplesmente não terá poder de fazer a obra, pois o poder e a vida de Deus não têm como fluir. Apenas por intermédio de você, as riquezas divinas podem ser manifestadas. A fim de ser uma pessoa que Deus pode usar, você deve fazer duas coisas: confiar e obedecer.

Deus fez uma aliança com Abraão, Isaque e Jacó e, nessa aliança, prometeu libertar seus descendentes. Ele viu como os filhos de Israel eram maltratados pelos egípcios e ouviu o clamor do povo. Assim, Deus pretendeu salvá-los de acordo com a aliança que havia feito com eles. Entretanto, percebam, por favor, que, para salvar o povo, Deus precisava encontrar, primeiro, um canal que servisse de ligação entre Ele e o povo que salvaria. Em primeiro lugar, Deus teria de conseguir este canal e, então, poderia operar. Moisés foi o canal usado por Deus, e ele não O decepcionou. Deus foi capaz de usá-lo com poder. Atualmente, muitos crentes têm decepcionado o Senhor, pois Ele não consegue usá-los. Deus está à procura do homem do qual Ele precisa e o qual possa usar.


Deus Precisa do Homem Que Conhece a Cruz


A qualificação para fazer a obra de Deus não se encontra no estudo teológico, na fé sólida, no entusiasmo e no amor pelas almas, mas no fato de a pessoa estar totalmente tomada por Deus. Ele precisa de homens e mulheres que tenham sido, eles mesmos, crucificados a fim de pregar aos outros a cruz de Seu Filho.

Paulo declarou: "Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e Este crucificado" (1 Co 2.2). O apóstolo sabia apenas isso e nada mais. Não vamos inferir, de maneira incorreta, que Paulo estava enfatizando a pregação. O que ele realmente ressaltava era o conhecimento. Quer estivesse em casa ou no exterior, quer estivesse sozinho ou com outras pessoas, quer estivesse convencendo indivíduos ou pregando em público, Paulo conhecia a cruz e passou a vida inteira à sombra da cruz. Na época em que vivemos, Deus precisa muito mais de pessoas que conheçam a cruz do que de pessoas que preguem sobre a cruz.

Quando Paulo estava fazendo a obra entre os coríntios, ele disse que nada conhecia a não ser Jesus Cristo, e Este crucificado. Era assim que o apóstolo pregava sobre a cruz: "Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e Este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração de Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no poder de Deus" (1 Co 2.1-5).

Por favor, lembre-se de que, se você não fizer a obra com o poder de Deus, tudo o que realizar será em vão. Ao pregar o Evangelho, Paulo não usou palavras persuasivas de sabedoria, mas o poder de Deus. Sua atitude era a de considerar-se em fraqueza, temor e grande tremor (1 Co 2.3). Deus deve fazer com que você abra mão da própria sabedoria, inteligência e habilidade antes de poder usá-lo. Hoje em dia, Ele está procurando pessoas que não confiem em si mesmas e não sejam voluntariosas. Se o Senhor encontrar tais pessoas, Ele as usará de acordo com a medida em que não confiam nas próprias capacidades. Contudo, muitas pessoas acham que, por ter a fé ortodoxa e entender a Bíblia, estão capacitadas para servir a Deus. Porém, gostaria de declarar que o Espírito Santo só pode agir por meio daqueles que estão completamente entregues nas mãos de Deus. Apenas estes indivíduos podem ser canais para o fluir do poder da vida divina.

Assim como Moisés foi o primeiro a ser tratado por Deus, você e eu também devemos ser tratados por Ele. Se Deus não tivesse trabalhado com Moisés, Ele não teria como trabalhar com os filhos de Israel. Se Deus não tivesse lidado com Moisés, Ele não poderia ter lidado com Faraó e com os egípcios. Se Ele não puder tratar conosco, não terá como tratar com as pessoas do mundo e com os espíritos malignos. Será que já fomos verdadeiramente tomados por Deus? Se sim, Ele será capaz de lidar com Satanás e com as pessoas mundanas.

"E estando prontos para punir toda desobediência, uma vez completa a vossa submissão" (2 Co 10.6). Paulo precisava falar aos crentes de Corinto desta maneira, pois sabia muito bem que não conseguiria lidar com aqueles que estavam em rebelião contra Deus se a maioria dos cristãos não fosse tratada antes. Ele teve de esperar que os cristãos de Corinto obedecessem, e, apenas quando submeteram-se, conseguiu lidar com os rebeldes. Se os cristãos não tivessem sido tratados antes, Paulo não teria como tratar com os poucos remanescentes.


Deus Trabalha com Moisés


A partir de Atos 7.22, podemos compreender a educação que Moisés recebeu nos primeiros anos de vida: "E Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em palavras e obras". Ele aprendeu toda a sabedoria do Egito e tornou-se eloqüente e mais capaz. Mesmo assim, o aprendizado, a habilidade e o brilhantismo com as palavras e obras não o qualificaram para ser usado por Deus. Ao contrário, tais complementos passaram a ser os motivos pelos quais Deus não poderia usá-lo.

Ah! Como os homens buscam sabedoria e poder! Porém, Deus procura os loucos e os fracos. A Primeira Epístola aos Coríntios fala a respeito da sabedoria e do poder de Cristo. Além disso, declara que Deus escolhe o louco e o fraco. Os gregos buscam sabedoria, e os judeus, milagres que demonstrem poder. Todavia, Deus coloca de lado a sabedoria e o poder dos homens, pois, onde há sabedoria humana, há poder carnal. A sabedoria e o poder humanos só podem ser eficazes nas relações humanas. Se tais homens forem usados na obra de Deus, eles a destruirão.

Deus usará tão-somente o poder e a força do Espírito Santo a fim de realizar Sua obra. Esta força e este poder são manifestados pelos fracos e loucos. A menos que sejamos levados por Deus, de forma prática, a abrir mão da sabedoria e do poder que temos e passarmos a ser fracos e loucos diante Dele, Ele não nos poderá usar.


Como Deus Tratou com a Sabedoria e o Poder Carnais de Moisés


Todos nós já estamos familiarizados com Moisés. Ele tinha eloqüência, sabedoria, poder e conhecimento. Ele sentia que poderia fazer alguma coisa com esses talentos. Quando viu um inimigo oprimindo seus irmãos, matou um egípcio com sua força física. Depois, no dia seguinte, descobriu que dois israelitas discutiam. Tentou reconciliá-los e, sem dúvida, pensou que se tratasse de uma tarefa fácil. Para surpresa de Moisés, ele foi rejeitado pelos mesmos, que chegaram a mencionar o assassinato do egípcio ocorrido no dia anterior. Com medo, Moisés rumou para a terra de Midiã.

O que isso tudo significa? Moisés conhecia apenas o próprio poder e a própria sabedoria, mas precisava reconhecer sua loucura e fraqueza. Deus queria mostrar-lhe que, ao confiar em si mesmo, ele não poderia fazer certas coisas. Moisés sinceramente desejava ajudar Deus a salvar os filhos de Israel, mas Deus não tinha necessidade da ajuda humana. As pessoas que tentam ajudar o Senhor com a sabedoria e o poder carnais nunca serão por Ele aprovadas. Muitas são rejeitadas por Deus por serem sábias e poderosas demais — e não por serem desprovidas de sabedoria e poder. Por isso, Deus não pode usá-las. Ele as coloca de lado e as deixa acalmar. Ele esperará até que o fogo natural seja extinto diante Dele antes de usá-las.

Moisés era uma pessoa que tentava ajudar Deus com o poder e a sabedoria humanos. Deus o fez parar e recusou-se a usá-lo enquanto a sabedoria sentimental e almática jorrasse poder carnal com facilidade. Os atributos carnais não têm lugar na obra de Deus. Durante os 40 anos no deserto, Moisés não foi apenas provado, mas também ensinado por Deus. Ele aprendeu a ver como tudo o que possuía era inútil. Ele não seria usado até então.

O mesmo ocorre conosco. Atualmente, Deus também nos coloca no deserto com a intenção de provar-nos e ensinar-nos. Quando Ele o põe de lado, é possível que você não compreenda Sua vontade e, então, torna-se rebelde. Vez após vez, Ele o coloca no deserto, num meio ambiente que não lhe é propício, para que você se submeta sob Sua mão poderosa. Isso significa provar se você fará ou não a vontade divina, pois sua própria vontade precisa ser trabalhada. Trata-se de uma crise que você deve enfrentar. A rejeição que Moisés recebeu da parte dos filhos de Israel veio de Deus. O fato de Faraó procurar matar Moisés também veio de Deus. Da mesma forma, a passagem pelo deserto veio de Deus. Depois de ter estabelecido várias comunicações com Deus no deserto por 40 anos, Moisés, enfim, foi ensinado por Deus e percebeu, afinal, sua completa inutilidade. Então, não mais sonhava em salvar os israelitas com as próprias habilidades e não mais se considerava um homem grande e poderoso. Moisés deixou de considerar-se o padrão de alguém que vivia no reino espiritual e, por fim, soube que não conseguiria fazer. Foi a esse ponto que Deus desejou que ele chegasse durante todo o tempo.


Admitiu Não Ter Poder


Mais tarde, no monte Horebe, Deus mandou Moisés libertar os filhos de Israel. Se a libertação tivesse ocorrido 40 anos antes, Moisés, sem dúvida, não teria tido a oportunidade de ser usado. Porém, mesmo sem a ordenança do Senhor, ele teria ido por vontade própria. Naquela época, ele sabia tão-somente o que conseguia fazer e não tinha noção do que não podia fazer. Entretanto, Moisés estava diferente agora; sabia realmente o tipo de pessoa que era. Enfim, percebeu que seu poder e sua sabedoria nada poderiam fazer. Então, Moisés disse a Deus: "Quem sou eu para ir a Faraó e tirar do Egito os filhos de Israel?" (Êx 3.11). Como ele estava muito diferente do que era antes! Anteriormente, ele pensava ser o único no mundo; agora, porém, confessava: "Quem sou eu?".

Além de ter deixado de ser arrogante, Moisés não colocava mais sua confiança em si mesmo, mas se considerava um "joão-ninguém". Deus também nos fará chegar a esse ponto, que é um isolamento espiritual, santo e abençoado. Se não enxergarmos, em nosso coração, que nada somos, ainda não poderemos ser pessoas usadas por Deus.

Moisés confessou que, por si próprio, não poderia tirar os filhos de Israel do Egito, pois havia passado a considerar-se insignificante e incapaz. Ele reconheceu, enfim, sua inaptidão. Aquele que ainda não reconheceu sua fragilidade não serve para fazer a obra de Deus. Moisés percebeu que a obra era grande demais e enxergou sua pequenez. Finalmente, ele havia aprendido a lição. Não mais ousava usar a sabedoria natural e o poder da carne, reconhecia sua fraqueza e incapacidade e Julgava-se o menor de todos, pois perguntou a Deus: "Quem sou eu?" — e deixou que Ele o julgasse. Moisés precisou ser levado a esse ponto para que Deus pudesse usá-lo.


Reconheceu a Falta de Eloqüência


Todavia, Deus tinha de encorajar Moisés. Todo o atrevimento, o poder, e toda a sabedoria anteriores haviam morrido e, agora, deveriam ser recebidos novamente das mãos de Deus. Isso significa ressurreição. O longo período de 40 anos foi como se o grupo de Aarão tivesse de passar a noite diante da Arca do

Senhor (cf. Nm 17.1-8). Depois da noite, entretanto, tudo o que havia morrido seria ressuscitado.

Na obra de Deus, tudo deve passar pela morte e ser ressuscitado antes de poder ser usado. Quando observamos um jovem que demonstra conhecimento, imaginação e habilidade, a maioria de nós é levada a pensar que este jovem poderia ser realmente usado nas mãos de Deus caso fosse salvo. Contudo, permita-me dizer que, embora possua conhecimento, coragem e talento, ele não é nada nas mãos de Deus, pois, para Deus, tanto a sabedoria quanto a tolice carnais são imprestáveis. O sábio deve deixar a sua sabedoria morrer, e o tolo tem de fazer o mesmo com sua tolice. Apenas o que emerge na esfera da ressurreição pode ser usado por Deus. Tudo o que pertence ao domínio natural deve morrer, e, então, receberemos, de Deus, o novo e o ressuscitado. Este é um grande princípio pertinente à obra de Deus: tudo o que ainda não foi levantado dos mortos não é utilizável. Depois de 40 longos anos, Moisés, finalmente, compreendeu que todo o talento, o poder e toda a sabedoria anteriores eram completamente imprestáveis. Ele havia passado pela morte, e, por isso, Deus poderia conceder-lhe coragem e capacidade ressuscitada.

Em Êxodo 3.12, descobrimos que Deus prometera estar com Moisés. No versículo 13, porém, Moisés perguntou mais coisas: "Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome?, que lhes direi?" Observamos que ele não mais ousava julgar-se sábio embora tivesse a capacidade de instruir as pessoas.

Nesse tempo, Moisés havia sido tratado por Deus - ainda que não supusesse ou imaginasse. Ele não ousava agir com presunção, e, por isso, perguntou a Deus desse modo. Ele havia aprendido a lição, que não era diferente da que o próprio Senhor Jesus apresentara: "Porque Eu não tenho falado por Mim mesmo, mas o Pai, que Me enviou, Esse Me tem prescrito o que dizer e o que anunciar. E sei que o Seu mandamento é a vida eterna. As cousas, pois, que Eu falo, como o Pai Mo tem dito, assim falo" (Jo 12.49, 50).

Moisés havia percebido que até mesmo as palavras que falava deveriam ser governadas por Deus. Quão freqüentemente falta as nossas palavras a restrição de Deus! As pessoas eloqüentes, sobretudo, precisam da moderação do Senhor, pois imaginam que podem falar. Todavia, aqueles que já foram trabalhados por Deus sabem como aprender a falar e não ousam confiar em si mesmos. Assim, ainda que Deus tivesse dito Seu nome a Moisés, Moisés estava com medo de ir — ele temia que os filhos de Israel não acreditassem em suas palavras (Êx 4.1).

Anteriormente, ele havia ousado a arriscar-se sozinho, matando um egípcio, e a advertir dois israelitas contenciosos. Porém, quando Deus o mandou ir, Moisés tremeu e atemorizou-se. Sua coragem natural tinha desaparecido totalmente, e sua autoconfiança havia sumido por completo. Ele não acreditava mais em si mesmo e passou a ser humilde — mas sua humildade quase se transformou em timidez. Contudo, a verdadeira humildade e a falta de confiança em si mesmo são manifestações espirituais. Moisés havia, enfim, aprendido a lição e tinha consciência de que não poderia fazer nada entre os filhos de Israel sozinho. Portanto, Deus o encorajou pela terceira vez e concedeu-lhe o poder de operar milagres de transformar uma vara em uma serpente, de tornar água em sangue e de ferir a própria mão com lepra. Por meio desses sinais, o povo acreditaria nele.

No entanto, apesar disso tudo, Moisés disse pela quarta vez: "Ah! SENHOR! EU nunca fui eloqüente, nem outrora, nem depois que falaste a Teu servo; pois sou pesado de boca e pesado de língua" (Êx 4.10). Estas palavras são completamente opostas ao conteúdo do que está registrado em Atos 7.22, que diz como "Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em palavras e obras". Moisés estava tentando justificar-se, dizendo que não poderia falar em virtude de não ser eloqüente. Por conseguinte, Deus fez de Arão a boca de Moisés.

Posteriormente, se continuarmos a ler as Escrituras, não encontraremos o relato de que Arão falou ao povo por Moisés, mas, sim, que Moisés falou ao povo. Por quê? Pois, durante os muitos anos precedentes, Moisés havia aprendido que, para Deus, nada valiam a eloqüência, o poder e a sabedoria naturais. Se o Espírito Santo não mover as pessoas e lhes der eloqüência, sabedoria e poder, a habilidade natural será absolutamente inútil para a obra de Deus. O poder espiritual, porém, é necessário.

Depois de ter-se relacionado muito com o Senhor, você sabe como não usar a eloqüência natural? Você preferiria não pronunciar muitas palavras persuasivas que soam pouco inteligentes. Você já recebeu a obra da cruz e morreu para seu próprio discurso? Sem dúvida, nosso discurso revelará que tipo de pessoa somos. Deus almeja constatar que a excelência do que falamos produza apenas frutos espirituais. Se ao falar não formos vencidos por Deus, traremos um grande prejuízo para Sua obra.

Vemos que Moisés justificou-se de duas maneiras: primeiro, disse que nunca havia sido eloqüente, mas pesado de boca; segundo, mesmo depois de Deus ter falado com ele, disse que continuava sendo pesado de língua. Assim, Moisés mostrou-se completamente inútil diante de Deus e reconheceu que nenhum de seus atributos poderia ser sustentado perante Ele.

Moisés realmente havia aprendido uma lição muito profunda, pois, durante aqueles 40 anos, libertou-se de tudo o que pertencia a seu ego e à vida natural.


Retrocesso Excessivo por Não Conhecer o Poder da Ressurreição


O fato de alguém reconhecer apenas sua própria inutilidade ainda é insuficiente. O importante é conhecer o poder de Deus, e conhecê-lo é a verdadeira ressurreição. Deus queria que Moisés soubesse que fora Ele que havia feito a boca do homem. Assim sendo, Deus tentou encorajá-lo. "Ah! SENHOR! Envia aquele que hás de enviar, menos a mim" (Êx 4.13). Moisés justificou-se mais uma vez. Quando Deus ouviu-o desculpar-se, irritou-se com ele. Por quê? Porque, embora o fato de chegarmos a despir-nos da autoconfiança seja muito relevante e altamente aceitável para Deus, se permanecermos parados e recusarmos ir adiante, confiando Nele, nós O desagradaremos profundamente.

Precisamos ter cuidado para não balançar de um extremo para o outro. Se Deus prometeu-nos eloqüência, estaremos pecando contra Ele se não avançarmos. Devemos ter humildade, mas não recuar. Devemos ser cuidadosos, mas não tímidos. Precisamos tomar cuidado para não deixar de confiar em Deus e para não confiar em nós mesmos. Deus nos faz passar pela morte com o intuito de erguer-nos. A morte não é o fim, mas a ressurreição é o objetivo. Seremos inúteis se permanecermos na morte e não ressuscitarmos.

Moisés quis esconder-se e teve preguiça. Ele chegou a antecipar que seria melhor Deus não o enviar. Certamente, é bom para alguém reconhecer sua própria fraqueza, mas não crer que Deus é capaz de fortalecê-lo é um elemento prejudicial nesse autoconhecimento. Tanto o julgamento excessivo da fraqueza de alguém quanto a estimativa excessiva do poder de alguém podem fazer com que deixemos de confiar em Deus. Muitos recuos não constituem humildade espiritual, mas refletem medo e preguiça que se originam quando a pessoa olha para dentro de si mesma. Devemos confiar no poder tremendo de Deus e sermos fortes.

E muitíssimo importante, na obra espiritual, que haja uma transação clara a respeito do comissionamento feito por Deus. O Senhor Jesus não veio para este mundo por conta própria, mas a Bíblia diz que Ele foi enviado — o Pai enviou Seu Filho para o mundo. Hoje em dia, a obra de Deus é prejudicada por muitas pessoas que se oferecem como voluntárias e não são enviadas por Ele. Deus não aprova as pessoas que trabalham na obra sem terem sido enviadas nem se agrada das obras presunçosas dos homens. O pecado da soberba é igual ao pecado da rebelião. Deixar de agir é pecado, e agir sem ter sido ordenado também o é. Moisés não foi, porque não quis. Na verdade, ele nem sequer desejava ir. Porém, Deus o havia mandado ir.

Se não podemos não trabalhar para Deus, não seremos usados por Ele para salvar pecadores; mas se podemos não trabalhar para Deus, seremos usados por Ele para salvar pessoas. Isso não significa que o Senhor salvará as almas sem usar os homens para pregarem o Evangelho. Entretanto, se determinada obra não é da vontade de Deus, devemos estar dispostos a não fazê-la. Não devemos agir com presunção e soberba. Sem a ordenança divina, é melhor permanecermos parados do que seguir em frente. Pessoas que agem assim serão enviadas por Ele com a finalidade de salvar as almas.

Atualmente, a Igreja sofre grandes perdas, e estas perdas não se devem à oposição externa ou à incredulidade interna, mas aos muitos que confessam ter grande fé e agem com soberba sem ter sido enviados por Deus.

Portanto, as obras que realizam não têm valor espiritual. Fazer alguma coisa sem ter sido enviado é semelhante a construir uma casa sobre a areia ou uma casa banhada a ouro, isto é, a casa pode permanecer em pé ou brilhar por algum tempo, mas será destruída no juízo de Cristo. Apenas as obras que seguem à risca as ordenanças de Deus são úteis.


Foi Circuncidado


Moisés, então, não disse mais nada. No entanto, ele precisava demonstrar que havia negado completamente tudo o que era carnal e natural, fazendo com que tais características morressem, antes de poder ir e salvar os filhos de Israel. Por conseguinte, lemos que "estando Moisés no caminho, numa estalagem, encontrou-o o SENHOR e o quis matar" (Êx 4.24). Por que Deus desejaria matá-lo? Porque Moisés não estava sob o sinal da aliança — ele e seus filhos não haviam sido circuncidados, o que os fazia iguais aos gentios. Logo, ele começou a fazer a obra de Deus, mas ainda era semelhante a um gentio incircunciso. Deus não poderia deixá-lo ir e libertar os filhos de Israel. Portanto, pensou em matar Moisés a fim de mostrar-lhe que Sua obra divina não poderia ser feita por uma pessoa incircuncisa. Logo, a circuncisão foi realizada, e, depois de feita, Moisés recebeu a permissão para ir e salvar os israelitas[i]. Mais tarde, quando os filhos de Israel situaram-se na primeira parada em Canaã, receberam também o ritual da circuncisão.

Qual é o significado da circuncisão? "Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo" (Cl 2.11).

Esse versículo nos diz claramente que a circuncisão não tem outro significado a não ser despojar o corpo da carne. O que é a carne? São todas as coisas das quais somos dotados quando nascemos: "O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito" (Jo 3.6). Tudo o que temos antes de sermos regenerados é a carne. O que temos após nascermos de novo é espiritual. A eloqüência, o poder, a sabedoria, a inteligência e as boas obras naturais são todas da carne. O que devemos fazer? Pela cruz de Cristo, devemos dar fim a todos esses talentos naturais. Devemos negar a eloqüência natural, ou o poder natural, ou a sabedoria natural. Essa atitude é a circuncisão mencionada no segundo capítulo de Colossenses.

A obra de Deus só pode ser realizada pelas pessoas que morreram com o Senhor. Na ótica de Deus, para a carne não há lugar, apenas a morte. Todas as pessoas que seguem a carne são marcadas com a morte por Ele. A obra divina requer a morte do homem natural.


O Princípio da Cruz


Você já morreu? Você já abriu mão das habilidades naturais? Se ainda não o fez, não está qualificado para realizar a obra de Deus. Nos dias de hoje, muitos estão trabalhando, mas não estão fazendo a obra de Deus, pois não é Deus quem está operando, mas, sim, os homens[ii]. Não se trata do agir da nova criação, mas é a velha criação quem está operando. Por isso, o Espírito Santo não se move de forma alguma. Trabalhar pelo poder do Espírito Santo é trabalhar de espírito para espírito — ou seja, com seu espírito você alcança o espírito de outras pessoas.

Por que Paulo se recusou a pregar a palavra da cruz com a sabedoria natural? A fim de que a palavra da cruz não se tornasse ineficaz, pois a cruz é um fato. Se você prega com conhecimento carnal, consegue apenas difundir a razão, mas não é capaz de propagar o poder e a vida, porquanto prega sobre a cruz sem ter o Espírito da cruz bem como a vida da cruz. Você não prega segundo o princípio da cruz e, portanto, só consegue enxergar a razão (ou lógica) pela qual a cruz deve ser propagada, mas não vê seu poder. Por isso, a cruz deve tornar-se um tipo de princípio para nós em primeiro lugar.

Precisamos investigar: o que nos qualifica a pregar sobre a cruz? Será que pregamos por estarmos profundamente familiarizados com as doutrinas bíblicas, por sermos capazes de apresentá-las com eloqüência ou pelo fato de pregar ser nossa profissão? Seria muito patético este último caso. Muitos se tornam líderes na Igreja, mas não em virtude da experiência espiritual, da vida e do poder do Espírito Santo — na verdade, muitas das pessoas que escutam as pregações têm uma vida espiritual melhor, experiências mais profundas e mais compreensão das coisas espirituais do que os que pregam. Em alguns lugares, vejo, com freqüência, jovens pregadores ensinando a pessoas mais velhas que possuem pouco conhecimento. Entretanto, a verdade é que estas pessoas mais idosas superam, de longe, estes jovens pregadores em experiência espiritual, fé e oração. Todavia, apenas devido ao fato de esses jovens terem um pouco mais de conhecimento e eloqüência, arriscam-se a ensinar assuntos espirituais aos mais velhos.

Devemos saber se Deus já trabalhou conosco ou não. Será que meu talento natural já foi trabalhado? Deus é poderoso em mim? Sem a experiência mais profunda, eu estarei apenas dizendo às pessoas, com minha própria habilidade, que elas devem caminhar de determinada maneira embora eu mesmo desconheça totalmente essa maneira. Quantos, hoje em dia, são cegos a guiar cegos! Muitos pregadores só sabem de que forma propagar o conhecimento, mas não são capazes de suprir a vida divina e o Espírito Santo!

Sendo assim, o problema está no princípio. Um grão de trigo permanece solitário a menos que morra. Se a inteligência e as habilidades naturais que possui não morreram ainda, você não serve para ser usado por Deus, pois, nos assuntos espirituais, não são necessários sabedoria, inteligência ou entendimento, mas interesse em ter experiência e poder espiritual.

Se, após uma pessoa ser salva, ela experimentar profundamente as realidades espirituais, não precisará que outras pessoas a reavivem. Muitos viajam pelo mundo e ministram reuniões com o poder da sabedoria carnal. Será que eles não percebem o quanto Deus precisa reavivá-los? Se Deus não os reavivar, todas as obras que fizerem terão sido em vão, e as outras pessoas também não receberão nada. Por isso, Deus deve fazer-nos parar.

Eu preferiria deixar de pregar a ter de continuar apenas com minha própria força. O que será do futuro se as pregações baseadas na sabedoria carnal forem realizadas por 30 anos? O que acontecerá, com certeza, no trono de julgamento de Cristo? Deus preferiria que tivéssemos recebido a luz do julgamento anteriormente a fim de que confessássemos nossos erros e parássemos de cometê-los.

Que Deus nos ilumine para que percebamos como é errado fazer a obra com o conhecimento e a habilidade naturais e, assim, reconheçamos que tudo o que provém da velha criação adâmica precisa morrer. Rejeitaremos tudo isso da mesma forma como o fizemos no momento da nossa salvação. Neguemos, realmente, tudo o que pertence à velha criação e recebamos a nova vida que pertence à nova criação de Cristo. Perguntemos a nós mesmos, com seriedade, como nosso futuro e nosso caminho são determinados. Será que ambos são decididos pelo poder e pela vontade de Deus ou por nossa própria vida?

Algumas pessoas são revivificadas após cada reunião de reavivamento que freqüentam. Porém, depois que o culto termina, seu avivamento também acaba. Esse tipo de reavivamento é como injetar um estimulante, cuja dosagem deve ser aumentada a partir da segunda vez para que possa continuar a fazer efeito. A partir da primeira ocasião em que foram revivificadas por meio do entusiasmo e da emoção externas, essas pessoas exigirão cada vez mais eloqüência e incentivo a fim de serem reavivadas — caso contrário, não o serão.

Que Deus realmente obtenha alguma coisa de nós para Seu nome. Se Ele não conseguir nada, não será glorificado. Tudo termina em vaidade. Que sejamos trabalhados por Deus a fim de que sejamos apenas Dele e que ofereçamo-Lhe o que Ele merece ter. Que nos entreguemos, com singeleza de coração, nas mãos divinas e esperemos pela direção Dele. Se Deus já estivesse dirigindo sua vida, você precisaria negar completamente a sabedoria e o poder carnal e receber o novo poder divino. Examine se seu caminho está sendo verdadeiramente guiado por Deus.

Queremos ver o Senhor glorificado e desejamos que Sua vontade seja cumprida. Esperamos que Ele — e não nós mesmos — tenha posse. Nunca dirigiremos nossa vida e nosso trabalho com a sabedoria carnal, mas perguntaremos se estamos cumprindo a vontade de Deus. Temos cumprido Sua vontade? Não desejemos realizar nossa própria vontade, mas queiramos que a vontade de Deus se cumpra em nós.




[i] No registro de Êxodo 4.25, podemos ver que somente o filho precisou ser circuncidado naquela ocasião. Moisés, provavelmente, foi circuncidado no oitavo dia de vida por seus parentes no Egito.

[ii] O autor detalha esse assunto em seu livro A Obra de Deus, publicado por esta editora. (N.E.)



Watchman Nee

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“Todo-Poderoso , aquele que era , que é, e que há de vir.”
“Ora, vem, Senhor Jesus!”

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