terça-feira, 12 de agosto de 2008
Parte 5
3)A autonomia
Uma vez que compreendemos a autoridade que cada igreja local tem para resolver todos os problemas que surgem no seu meio, a compreensão da autonomia da mesma é um passo simples e lógico. Sendo que o Senhor está no meio do Seu povo reunido ao Seu Nome, aquela assembléia possui a mais alta autoridade. Ela não precisa da autorização de mais ninguém; a autoridade está nela, pois o Senhor está ali. Conseqüentemente, ela é independente de qualquer autoridade humana. Torna-se, então, uma igreja local e autônoma.
E o Novo Testamento confirma que é assim.
O silêncio das Escrituras é um argumento negativo, mas é um argumento válido e irrefutável. Em todo o Novo Testamento não encontramos nenhuma organização de igrejas, nem tão pouco uma sugestão de ser necessário afiliar as igrejas locais a uma organização regional, nacional ou internacional. Não há nenhuma palavra sobre uma autoridade central que exercesse controle, mesmo parcial, sobre as igrejas de um país ou região. E não pode haver mesmo, pois já observamos que o Senhor Jesus Cristo está presente na igreja local, e que cúpula poderia sobrepor-se à autoridade dEle?
Mas não precisamos limitar-nos a este argumento negativo. Os exemplos que Deus deixou registrados na sua Palavra são suficientes para provar que cada igreja local tem que ser autônoma.
A igreja em Damasco recebeu Saulo de Tarso logo que ele se converteu ao Senhor, mas quando ele chegou a Jerusalém, a igreja naquela cidade não o recebeu porque não criam que fosse discípulo. Quando, porém, Barnabé chegou e contou o que havia acontecido, Saulo foi recebido. O mero fato de ser recebido em Damasco não lhe deu o direito de participar em Jerusalém. Tornar-se membro de uma igreja local não significa ser membro duma organização maior.
Em Atos dos Apóstolos vemos como o trabalho do Senhor expandiu-se no primeiro século. Quando o Evangelho chegou a Antioquia, almas foram salvas e uma igreja foi formada, sem nenhuma autorização de Jerusalém. Quando a notícia dos acontecimentos em Antioquia chegou a Jerusalém, a igreja enviou Barnabé, não para formar uma igreja em Antioquia, mas apenas como gesto de comunhão, pois este servo do Senhor nada fez em Antioquia senão exortá-los a permanecer no Senhor. Ele alegrou-se, vendo o que o Senhor havia feito, e foi buscar Saulo para ajudar no ensino naquela igreja. Leia Atos 11:19-26.
É linda a simplicidade de tudo isto, mas soa tão estranho aos ouvidos de quem está acostumado com a organização humana! Porém, até hoje, em qualquer localidade onde há pessoas salvas, elas têm o direito e o dever de reunir-se ao Nome do Senhor Jesus Cristo, mantendo um testemunho para o seu Senhor e Salvador. Não precisam de nenhuma autorização humana nem precisam esperar o “reconhecimento” de algum sínodo ou cúpula. O Senhor é Quem autoriza. É o Seu Nome que atrai.
Tal igreja, porém, tem que permanecer nesta autonomia. Se ela chegar a filiar-se a um movimento ou organização, ela terá abandonado a posição inicial e terá perdido a garantia da presença do Senhor no seu meio. Terá se tornado apenas uma filial de uma denominação e não uma igreja de Deus. Já temos visto como a igreja em Corinto foi exortada a agir quando um caso de imoralidade surgiu no seu meio. A igreja em Tessalônica também foi exortada a exercer a disciplina, admoestando os desordeiros (I Tessalonicenses 5:14). Tessalônica, porém, não podia julgar a imoralidade que havia em Corinto, nem tão pouco poderia a igreja em Corinto intervir nos problemas existentes em Tessalônica. Cada igreja era individualmente responsável por si, diante do Senhor.
As sete cartas escritas às sete igrejas na Ásia (Apocalipse 2 e 3) ensinam a mesma verdade. A igreja em Éfeso provou aqueles que se declaravam apóstolos e os achou mentirosos; não suportou homens maus. Sem autorização de ninguém de fora, aquela igreja julgou estes casos. E foi assim em cada caso mencionado nestes dois capítulos. Cada igreja foi exortada a resolver os seus próprios problemas; cada igreja foi tida como responsável pelos erros no seu meio e nenhuma foi autorizada a julgar o pecado de outra, nem foi responsabilizada pelas falhas das outras.
Até o símbolo empregado pelo Senhor neste contexto é significativo. Ele falou de sete castiçais de ouro. No tabernáculo, feito por Moisés, havia um candelabro com sete lâmpadas; eram sete lâmpadas em uma só peça (Êxodo 25:31-40). Para representar as sete igrejas, porém, Deus não usou a figura de um candelabro, mas sim, de sete castiçais. Cada castiçal era separado e independente dos demais; símbolo expressivo da autonomia da igreja local.
O Novo Testamento mostra, também, que havia entre as igrejas locais bastante comunhão. A sua autonomia nunca foi exercida em prejuízo das demais igrejas, e devemos procurar manter a comunhão entre igrejas com o mesmo zelo com que defendemos a autonomia das mesmas.
Em Atos 15, vemos um exemplo desta comunhão. Surgiu um problema na igreja em Antioquia (15:1). Em conseqüência disto, Paulo, Barnabé e mais alguns irmãos de Antioquia subiram a Jerusalém com respeito a esta questão. Foram, não porque Jerusalém tinha alguma autoridade sobre Antioquia, mas porque o problema tinha vindo de lá. Era um problema mútuo e o que temos neste capítulo mostra-nos duas igrejas com um problema mútuo, reunindo-se como partes iguais para, juntas, resolverem o caso. Não é uma negação da autonomia de Jerusalém e de Antioquia, mas sim, um exemplo lindo de cooperação entre elas.
Em Atos 11 vemos como as igrejas, no tempo apostólico, mantinham comunhão também em coisas materiais. Havendo necessidades na Judéia, os irmãos de Antioquia resolveram enviar-lhes socorro. Mesmo nesta comunhão, vemos a autonomia, pois Antioquia agiu espontaneamente. Veja os versículos 27 a 30 e compare com II Coríntios capítulos 8 e 9.
Havia também comunhão no ensino. A igreja em Colossos recebeu uma carta do apóstolo Paulo, na qual ele pediu que eles passassem a mesma à igreja em Laodicéia e que eles também lessem a carta que os de Laodicéia haviam recebido. Veja Colossenses 4:16 e compare com Apocalipse capítulos 2 e 3, onde as sete cartas foram dirigidas a todas as sete igrejas.
Esta comunhão também se expressa através de cartas de recomendação. Vemos exemplos e ensino sobre isto em Atos 18:27, Romanos 16:1 e II Coríntios 3:1.
A autonomia de cada igreja local tem que ser defendida e respeitada, mas isto tem que ser feito num espírito cristão, procurando promover a máxima cooperação entre estas mesmas igrejas.
A história da federação eclesiástica
Ninguém nega o fato que as igrejas locais, em tempos apostólicos, eram autônomas. Uma leitura do Novo Testamento é suficiente para provar isto. Este fato é também comprovado pelos historiadores eclesiásticos, como podemos observar nas palavras de R. H. Nichols, no seu livro “A História da Igreja Cristã”, onde lemos: “As igrejas primitivas eram independentes, com governo próprio, decidindo todos os seus negócios e problemas”. No mesmo livro ele ainda diz: “Nenhuma organização de caráter geral exercia controle sobre as inúmeras igrejas espalhadas por toda parte”. Outro historiador, H. H. Muirhead, no seu livro “O Cristianismo através dos Séculos” diz: “É fora de dúvida que as igrejas do Novo Testamento eram autônomas e dirigiam os seus próprios negócios internos e externos, dando conta de seus atos somente a Cristo, que era o seu Cabeça”. O célebre brasileiro Rui Barbosa diz na introdução que ele escreveu para a tradução portuguesa do livro de Janus, “O Papa e o Concílio”: “Durante a primeira época da igreja, debalde a crítica histórica procura na organização dela as leis e os elementos que hoje lhe servem de base. A unidade não resultava então, senão de acordo espontâneo das almas”.
Mas tudo isto durou pouco.
As igrejas, como as vemos no Novo Testamento, eram governadas por uma pluralidade de anciãos (presbíteros ou bispos), cuja autoridade não se estendia além da sua igreja local. Porém, logo depois da era apostólica, a história registra a tendência de passar a liderança destas igrejas para um só homem. Este seria um presbítero entre os outros presbíteros, mas, aos poucos, foi-se destacando como líder do presbitério e, no segundo século, já era comum ouvir-se falar em “o Bispo” da igreja local.
Nisto vemos um erro duplo. Em primeiro lugar, a liderança que o Espírito Santo havia depositado nas mãos de uma pluralidade de bispos foi usurpada por um só e, em segundo lugar, este “usurpador” arrogava a si o título de“ O Bispo”.
Alias, este espírito já existia nos tempos dos apóstolos e o Novo Testamento nos fornece comentários sobre isto. Paulo avisa os efésios de que no meio deles (isto é, dos presbíteros da igreja em Éfeso) se levantariam homens falando coisas pervertidas para atraírem os discípulos após si. A carta àquela mesma igreja (Apocalipse 2:1-7) mostra que tais homens de fato apareceram, mas até àquele ponto a igreja soube rejeitá-los. Na terceira carta de João, lemos de Diótrefes, que gostava de preeminência e expulsava da igreja todos os que não reconheciam a sua autoridade. Era o começo do sistema clerical.
As razões deste afastamento do sistema original são fáceis de compreender. Alguns achavam que era necessário ter um líder em cada igreja local para evitar confusão e organizar melhor o trabalho da igreja. Era, na realidade a decisão de confiar na liderança de um homem e rejeitar a liderança do Espírito Santo. Compare com a nação de Israel nos dias de Samuel (I Samuel capítulo 8). Veja especialmente o versículo 7.
Nem todas as igrejas, porém, adotavam esta novidade. Enquanto em muitos lugares “o Bispo” passou a ser reconhecido como “o responsável” pela igreja local, muitas igrejas permaneceram fiéis ao modelo original. Com o desenrolar dos acontecimentos, formou-se uma brecha cada vez maior entre as igrejas dos “Bispos” e as que mantinham o padrão neotestamentário.
Durante o segundo século, estes “Bispos” começaram a reunir-se ocasionalmente para estudar problemas de interesse comum, embora, inicialmente, não atribuíssem nenhuma autoridade a estas reuniões. Neste tempo, Cipriano, conhecido como “Bispo de Cartago”, falou em termos enfáticos e explícitos da independência de cada igreja local. Com a suposta conversão do Imperador Constantino, porém, as coisas pioraram muito. As conferências dos “Bispos” tornaram-se mais freqüentes e começaram a produzir resoluções autoritárias. Finalmente, este Imperador convocou uma destas conferências em Arles. Uma das condições da mesma era que todos os participantes teriam, obrigatoriamente, de acatar as decisões. Assim nasceu uma organização que Deus não planejou e que a Bíblia não autorizou. As “igrejas” que se filiaram a esta organização deixaram de ser igrejas de Deus porque deixaram a base bíblica de igrejas locais, tornando-se “filiais” de uma organização religiosa com sede em Roma.
O historiador Edwin Hatch, no seu livro “The Organization of Early Christian Churches”, diz que “não há provas de que a confederação jamais fosse completa, no sentido de abranger todas as comunidades às quais, por comum consentimento, o nome 'cristã' fosse … aplicável … Mas algumas igrejas permaneceram independentes. Não eram subordinadas a nenhuma outra igreja; seus bispos não tinham superior: estavam na posição que Cipriano havia, em tempos anteriores, declarado ser a verdadeira posição de todos os bispos; sua responsabilidade era somente a Deus.”
Aquela organização religiosa então tornou-se a primeira entre muitas. Hoje vemos organizações antigas como a Igreja Apostólica Romana e a Igreja Ortodoxa; vemos outras, não tão antigas, como a Presbiteriana, a Metodista, a Batista e ainda outras, de origem mais recente, como as Pentecostais e uma multiplicidade de seitas que apareceram nestes últimos anos.
O panorama religioso apresenta atualmente uma cena das mais confusas e muitos, de tão acostumados que estão com esta situação, acham que tem que ser assim. Pensam que é necessário uma variedade de seitas para satisfazer os gostos variados do povo; pensam que cada um tem o direito de escolher aquela que lhe servir melhor.
Às vezes, fazem a sua escolha influenciados pela tradição: “Sempre fomos desta seita e nela ficaremos”; às vezes, escolhem por conveniência: “Esta é mais perto”; ou por gosto: “eu gosto deste sistema”, e aceitam a existência desta “Babel” como se fosse uma situação normal.
Se pudéssemos, porém, remover o entulho dos séculos e voltar àquela situação original que vemos na Bíblia, descobriríamos que nenhuma organização tem a aprovação de Deus, e conseqüentemente, o cristão não pode pertencer a denominação nenhuma! Se seguíssemos a Bíblia, procuraríamos reunir-nos com os demais cristãos, simplesmente como cristãos, sem qualquer outro qualificativo, reunindo-nos no Nome do Senhor Jesus, formando assim uma igreja local e autônoma. Ficaríamos separados das denominações que os homens, muitas vezes bem intencionados, fizeram, sabendo que é tão errado dizer hoje: “Eu sou cristão de tal denominação” quanto era errado dizer: “Eu sou de Paulo” (I Coríntios 1:12). Nenhuma denominação foi plantada por Deus. Ele plantou, e ainda planta, igrejas locais e autônomas e cada denominação é divisória, pois separa os verdadeiros filhos de Deus e, conseqüentemente, é contrária ao Seu propósito. Veja João 17:11, 21, 22, 23, Filipenses 1:27 e 2:3.
Diante destes fatos, o caminho do cristão é claro. Ele não pode ser membro de nenhuma denominação, nem tão pouco cooperar com ela, pois, como servo do Senhor, não pode apoiar nem associar-se com aquilo que o Senhor não aprova.
Ele deve reunir-se com outros cristãos, simplesmente como cristãos, em Nome do Senhor Jesus, formando assim uma igreja local e autônoma, separada de todas as denominações. Que sejamos atraídos à Pessoa do Senhor Jesus Cristo de tal forma que possamos responder prontamente à voz do Espírito, que diz:
“Saiamos, pois, a Ele fora do arraial, levando o Seu vitupério” (Hebreus 13:13).
R. E. Watterson
Fonte: Site, Editora Sã Doutrina
3)A autonomia
Uma vez que compreendemos a autoridade que cada igreja local tem para resolver todos os problemas que surgem no seu meio, a compreensão da autonomia da mesma é um passo simples e lógico. Sendo que o Senhor está no meio do Seu povo reunido ao Seu Nome, aquela assembléia possui a mais alta autoridade. Ela não precisa da autorização de mais ninguém; a autoridade está nela, pois o Senhor está ali. Conseqüentemente, ela é independente de qualquer autoridade humana. Torna-se, então, uma igreja local e autônoma.
E o Novo Testamento confirma que é assim.
O silêncio das Escrituras é um argumento negativo, mas é um argumento válido e irrefutável. Em todo o Novo Testamento não encontramos nenhuma organização de igrejas, nem tão pouco uma sugestão de ser necessário afiliar as igrejas locais a uma organização regional, nacional ou internacional. Não há nenhuma palavra sobre uma autoridade central que exercesse controle, mesmo parcial, sobre as igrejas de um país ou região. E não pode haver mesmo, pois já observamos que o Senhor Jesus Cristo está presente na igreja local, e que cúpula poderia sobrepor-se à autoridade dEle?
Mas não precisamos limitar-nos a este argumento negativo. Os exemplos que Deus deixou registrados na sua Palavra são suficientes para provar que cada igreja local tem que ser autônoma.
A igreja em Damasco recebeu Saulo de Tarso logo que ele se converteu ao Senhor, mas quando ele chegou a Jerusalém, a igreja naquela cidade não o recebeu porque não criam que fosse discípulo. Quando, porém, Barnabé chegou e contou o que havia acontecido, Saulo foi recebido. O mero fato de ser recebido em Damasco não lhe deu o direito de participar em Jerusalém. Tornar-se membro de uma igreja local não significa ser membro duma organização maior.
Em Atos dos Apóstolos vemos como o trabalho do Senhor expandiu-se no primeiro século. Quando o Evangelho chegou a Antioquia, almas foram salvas e uma igreja foi formada, sem nenhuma autorização de Jerusalém. Quando a notícia dos acontecimentos em Antioquia chegou a Jerusalém, a igreja enviou Barnabé, não para formar uma igreja em Antioquia, mas apenas como gesto de comunhão, pois este servo do Senhor nada fez em Antioquia senão exortá-los a permanecer no Senhor. Ele alegrou-se, vendo o que o Senhor havia feito, e foi buscar Saulo para ajudar no ensino naquela igreja. Leia Atos 11:19-26.
É linda a simplicidade de tudo isto, mas soa tão estranho aos ouvidos de quem está acostumado com a organização humana! Porém, até hoje, em qualquer localidade onde há pessoas salvas, elas têm o direito e o dever de reunir-se ao Nome do Senhor Jesus Cristo, mantendo um testemunho para o seu Senhor e Salvador. Não precisam de nenhuma autorização humana nem precisam esperar o “reconhecimento” de algum sínodo ou cúpula. O Senhor é Quem autoriza. É o Seu Nome que atrai.
Tal igreja, porém, tem que permanecer nesta autonomia. Se ela chegar a filiar-se a um movimento ou organização, ela terá abandonado a posição inicial e terá perdido a garantia da presença do Senhor no seu meio. Terá se tornado apenas uma filial de uma denominação e não uma igreja de Deus. Já temos visto como a igreja em Corinto foi exortada a agir quando um caso de imoralidade surgiu no seu meio. A igreja em Tessalônica também foi exortada a exercer a disciplina, admoestando os desordeiros (I Tessalonicenses 5:14). Tessalônica, porém, não podia julgar a imoralidade que havia em Corinto, nem tão pouco poderia a igreja em Corinto intervir nos problemas existentes em Tessalônica. Cada igreja era individualmente responsável por si, diante do Senhor.
As sete cartas escritas às sete igrejas na Ásia (Apocalipse 2 e 3) ensinam a mesma verdade. A igreja em Éfeso provou aqueles que se declaravam apóstolos e os achou mentirosos; não suportou homens maus. Sem autorização de ninguém de fora, aquela igreja julgou estes casos. E foi assim em cada caso mencionado nestes dois capítulos. Cada igreja foi exortada a resolver os seus próprios problemas; cada igreja foi tida como responsável pelos erros no seu meio e nenhuma foi autorizada a julgar o pecado de outra, nem foi responsabilizada pelas falhas das outras.
Até o símbolo empregado pelo Senhor neste contexto é significativo. Ele falou de sete castiçais de ouro. No tabernáculo, feito por Moisés, havia um candelabro com sete lâmpadas; eram sete lâmpadas em uma só peça (Êxodo 25:31-40). Para representar as sete igrejas, porém, Deus não usou a figura de um candelabro, mas sim, de sete castiçais. Cada castiçal era separado e independente dos demais; símbolo expressivo da autonomia da igreja local.
O Novo Testamento mostra, também, que havia entre as igrejas locais bastante comunhão. A sua autonomia nunca foi exercida em prejuízo das demais igrejas, e devemos procurar manter a comunhão entre igrejas com o mesmo zelo com que defendemos a autonomia das mesmas.
Em Atos 15, vemos um exemplo desta comunhão. Surgiu um problema na igreja em Antioquia (15:1). Em conseqüência disto, Paulo, Barnabé e mais alguns irmãos de Antioquia subiram a Jerusalém com respeito a esta questão. Foram, não porque Jerusalém tinha alguma autoridade sobre Antioquia, mas porque o problema tinha vindo de lá. Era um problema mútuo e o que temos neste capítulo mostra-nos duas igrejas com um problema mútuo, reunindo-se como partes iguais para, juntas, resolverem o caso. Não é uma negação da autonomia de Jerusalém e de Antioquia, mas sim, um exemplo lindo de cooperação entre elas.
Em Atos 11 vemos como as igrejas, no tempo apostólico, mantinham comunhão também em coisas materiais. Havendo necessidades na Judéia, os irmãos de Antioquia resolveram enviar-lhes socorro. Mesmo nesta comunhão, vemos a autonomia, pois Antioquia agiu espontaneamente. Veja os versículos 27 a 30 e compare com II Coríntios capítulos 8 e 9.
Havia também comunhão no ensino. A igreja em Colossos recebeu uma carta do apóstolo Paulo, na qual ele pediu que eles passassem a mesma à igreja em Laodicéia e que eles também lessem a carta que os de Laodicéia haviam recebido. Veja Colossenses 4:16 e compare com Apocalipse capítulos 2 e 3, onde as sete cartas foram dirigidas a todas as sete igrejas.
Esta comunhão também se expressa através de cartas de recomendação. Vemos exemplos e ensino sobre isto em Atos 18:27, Romanos 16:1 e II Coríntios 3:1.
A autonomia de cada igreja local tem que ser defendida e respeitada, mas isto tem que ser feito num espírito cristão, procurando promover a máxima cooperação entre estas mesmas igrejas.
A história da federação eclesiástica
Ninguém nega o fato que as igrejas locais, em tempos apostólicos, eram autônomas. Uma leitura do Novo Testamento é suficiente para provar isto. Este fato é também comprovado pelos historiadores eclesiásticos, como podemos observar nas palavras de R. H. Nichols, no seu livro “A História da Igreja Cristã”, onde lemos: “As igrejas primitivas eram independentes, com governo próprio, decidindo todos os seus negócios e problemas”. No mesmo livro ele ainda diz: “Nenhuma organização de caráter geral exercia controle sobre as inúmeras igrejas espalhadas por toda parte”. Outro historiador, H. H. Muirhead, no seu livro “O Cristianismo através dos Séculos” diz: “É fora de dúvida que as igrejas do Novo Testamento eram autônomas e dirigiam os seus próprios negócios internos e externos, dando conta de seus atos somente a Cristo, que era o seu Cabeça”. O célebre brasileiro Rui Barbosa diz na introdução que ele escreveu para a tradução portuguesa do livro de Janus, “O Papa e o Concílio”: “Durante a primeira época da igreja, debalde a crítica histórica procura na organização dela as leis e os elementos que hoje lhe servem de base. A unidade não resultava então, senão de acordo espontâneo das almas”.
Mas tudo isto durou pouco.
As igrejas, como as vemos no Novo Testamento, eram governadas por uma pluralidade de anciãos (presbíteros ou bispos), cuja autoridade não se estendia além da sua igreja local. Porém, logo depois da era apostólica, a história registra a tendência de passar a liderança destas igrejas para um só homem. Este seria um presbítero entre os outros presbíteros, mas, aos poucos, foi-se destacando como líder do presbitério e, no segundo século, já era comum ouvir-se falar em “o Bispo” da igreja local.
Nisto vemos um erro duplo. Em primeiro lugar, a liderança que o Espírito Santo havia depositado nas mãos de uma pluralidade de bispos foi usurpada por um só e, em segundo lugar, este “usurpador” arrogava a si o título de“ O Bispo”.
Alias, este espírito já existia nos tempos dos apóstolos e o Novo Testamento nos fornece comentários sobre isto. Paulo avisa os efésios de que no meio deles (isto é, dos presbíteros da igreja em Éfeso) se levantariam homens falando coisas pervertidas para atraírem os discípulos após si. A carta àquela mesma igreja (Apocalipse 2:1-7) mostra que tais homens de fato apareceram, mas até àquele ponto a igreja soube rejeitá-los. Na terceira carta de João, lemos de Diótrefes, que gostava de preeminência e expulsava da igreja todos os que não reconheciam a sua autoridade. Era o começo do sistema clerical.
As razões deste afastamento do sistema original são fáceis de compreender. Alguns achavam que era necessário ter um líder em cada igreja local para evitar confusão e organizar melhor o trabalho da igreja. Era, na realidade a decisão de confiar na liderança de um homem e rejeitar a liderança do Espírito Santo. Compare com a nação de Israel nos dias de Samuel (I Samuel capítulo 8). Veja especialmente o versículo 7.
Nem todas as igrejas, porém, adotavam esta novidade. Enquanto em muitos lugares “o Bispo” passou a ser reconhecido como “o responsável” pela igreja local, muitas igrejas permaneceram fiéis ao modelo original. Com o desenrolar dos acontecimentos, formou-se uma brecha cada vez maior entre as igrejas dos “Bispos” e as que mantinham o padrão neotestamentário.
Durante o segundo século, estes “Bispos” começaram a reunir-se ocasionalmente para estudar problemas de interesse comum, embora, inicialmente, não atribuíssem nenhuma autoridade a estas reuniões. Neste tempo, Cipriano, conhecido como “Bispo de Cartago”, falou em termos enfáticos e explícitos da independência de cada igreja local. Com a suposta conversão do Imperador Constantino, porém, as coisas pioraram muito. As conferências dos “Bispos” tornaram-se mais freqüentes e começaram a produzir resoluções autoritárias. Finalmente, este Imperador convocou uma destas conferências em Arles. Uma das condições da mesma era que todos os participantes teriam, obrigatoriamente, de acatar as decisões. Assim nasceu uma organização que Deus não planejou e que a Bíblia não autorizou. As “igrejas” que se filiaram a esta organização deixaram de ser igrejas de Deus porque deixaram a base bíblica de igrejas locais, tornando-se “filiais” de uma organização religiosa com sede em Roma.
O historiador Edwin Hatch, no seu livro “The Organization of Early Christian Churches”, diz que “não há provas de que a confederação jamais fosse completa, no sentido de abranger todas as comunidades às quais, por comum consentimento, o nome 'cristã' fosse … aplicável … Mas algumas igrejas permaneceram independentes. Não eram subordinadas a nenhuma outra igreja; seus bispos não tinham superior: estavam na posição que Cipriano havia, em tempos anteriores, declarado ser a verdadeira posição de todos os bispos; sua responsabilidade era somente a Deus.”
Aquela organização religiosa então tornou-se a primeira entre muitas. Hoje vemos organizações antigas como a Igreja Apostólica Romana e a Igreja Ortodoxa; vemos outras, não tão antigas, como a Presbiteriana, a Metodista, a Batista e ainda outras, de origem mais recente, como as Pentecostais e uma multiplicidade de seitas que apareceram nestes últimos anos.
O panorama religioso apresenta atualmente uma cena das mais confusas e muitos, de tão acostumados que estão com esta situação, acham que tem que ser assim. Pensam que é necessário uma variedade de seitas para satisfazer os gostos variados do povo; pensam que cada um tem o direito de escolher aquela que lhe servir melhor.
Às vezes, fazem a sua escolha influenciados pela tradição: “Sempre fomos desta seita e nela ficaremos”; às vezes, escolhem por conveniência: “Esta é mais perto”; ou por gosto: “eu gosto deste sistema”, e aceitam a existência desta “Babel” como se fosse uma situação normal.
Se pudéssemos, porém, remover o entulho dos séculos e voltar àquela situação original que vemos na Bíblia, descobriríamos que nenhuma organização tem a aprovação de Deus, e conseqüentemente, o cristão não pode pertencer a denominação nenhuma! Se seguíssemos a Bíblia, procuraríamos reunir-nos com os demais cristãos, simplesmente como cristãos, sem qualquer outro qualificativo, reunindo-nos no Nome do Senhor Jesus, formando assim uma igreja local e autônoma. Ficaríamos separados das denominações que os homens, muitas vezes bem intencionados, fizeram, sabendo que é tão errado dizer hoje: “Eu sou cristão de tal denominação” quanto era errado dizer: “Eu sou de Paulo” (I Coríntios 1:12). Nenhuma denominação foi plantada por Deus. Ele plantou, e ainda planta, igrejas locais e autônomas e cada denominação é divisória, pois separa os verdadeiros filhos de Deus e, conseqüentemente, é contrária ao Seu propósito. Veja João 17:11, 21, 22, 23, Filipenses 1:27 e 2:3.
Diante destes fatos, o caminho do cristão é claro. Ele não pode ser membro de nenhuma denominação, nem tão pouco cooperar com ela, pois, como servo do Senhor, não pode apoiar nem associar-se com aquilo que o Senhor não aprova.
Ele deve reunir-se com outros cristãos, simplesmente como cristãos, em Nome do Senhor Jesus, formando assim uma igreja local e autônoma, separada de todas as denominações. Que sejamos atraídos à Pessoa do Senhor Jesus Cristo de tal forma que possamos responder prontamente à voz do Espírito, que diz:
“Saiamos, pois, a Ele fora do arraial, levando o Seu vitupério” (Hebreus 13:13).
R. E. Watterson
Fonte: Site, Editora Sã Doutrina
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