Os Sacrifícios que não são de Cheiro Suave

quinta-feira, 14 de maio de 2009




Os Sacrifícios pelo Pecado


Tendo considerado as ofertas de "cheiro suave", chegamos agora aos "sacrifícios pelo pecado". Estes eram divididos em duas classes, a saber, sacrifícios pelo pecado e expiação do pecado. Na primeira havia três categorias; primeiro, o sacrifício pelo "sacerdote ungido" e por "toda a congregação". Estes dois tinham os mesmos ritos e cerimônias (comparem-se os versículos 3 a 12 com os versículos 13a 23). Era o mesmo, quer tivesse sido o representante da assembléia ou a própria assembléia que tivesse pecado. Em qualquer dos casos três coisas estavam envolvidas: a habitação de Deus na assembléia, a adoração da assembléia e a consciência individual. Ora, visto que as três coisas dependiam do sangue, verificamos que, na primeira categoria do sacrifício pelo pecado, três coisas eram feitas com o sangue. Era aspergido "sete vezes perante o Senhor, diante do véu do santuário". Isto assegurava as relações de Jeová com o povo e a Sua habitação no meio deles.



O Sangue da Vítima


Depois lemos: "Também porá o sacerdote daquele sangue sobre as pontas do altar do incenso aromático, perante o Senhor, altar que está na tenda da congregação". Isto assegurava a adoração da assembléia. Pondo o sangue sobre "o altar de ouro", a verdadeira base de adoração era mantida; de forma que a chama do incenso e a sua fragrância podiam subir continuamente. Finalmente, "todo o resto do sangue do novilho derramará à base do altar do holocausto, que está à porta da tenda da congregação". Aqui temos o que satisfaz plenamente as exigências da consciência de cada indivíduo; pois o altar de cobre era o lugar de acesso individual. Era onde Deus encontrava o pecador.

Nas outras duas categorias, "um príncipe" ou "qualquer outra pessoa do povo da terra", era apenas uma questão de consciência individual; e, portanto uma única coisa era feita com o sangue. Era todo derramado "à base do altar do holocausto" (compare-se verso 7 com os versos 25,30). Existe em tudo isto uma precisão divina que requer toda a atenção do leitor, se deseja compreender os pormenores maravilhosos deste símbolo (').

O efeito do pecado individual não podia prolongar-se para além dos limites da consciência do indivíduo. O pecado de "um príncipe" ou de "qualquer outra pessoa do povo", não podia, em sua influência, atingir "o altar do incenso" — o lugar da adoração sacerdotal. Não podia tão-pouco chegar ao "véu do santuário" — o limite sagrado da habitação de Deus no meio do Seu povo. É bom ponderar isto. Nunca devemos levantar uma questão de pecado pessoal ou falta no lugar de culto sacerdotal ou na assembléia. Deve ser tratada no lugar de aproximação pessoal. Muitos erram sobre este ponto. Vêm à assembléia ou lugar público de culto com a sua consciência manchada, e desta forma arrastam toda a assembléia e contaminam o seu culto. Deveria examinar-se rigorosamente este mal e haver cuidadosa vigilância contra ele. Precisamos andar com maior vigilância para que a nossa consciência possa estar sempre na luz. E quando falhamos como, infelizmente, acontece em tantas coisas, devemos tratar com Deus sobre a nossa falta em oculto, para que a nossa verdadeira adoração e a posição da assembléia possam ser mantidas sempre plenamente com clareza diante da alma.


(1) Entre a oferta por "um príncipe" e a oferta por "qualquer outra pessoa" há esta diferença: na primeira era um "macho sem mancha"; na última "uma fêmea sem mancha". O pecado de um príncipe exercia necessariamente maior influência do que o de uma pessoa comum; e, portanto, era necessária uma aplicação mais poderosa do valor do sangue. Em capítulo 5:13 encontramos casos que requerem uma aplicação ainda mais inferior à da oferta de expiação pelo pecado — casos de juramento e de contato com formas de impureza, em que "a décima parte de um efa de flor de farinha" era admitido como oferta de expiação pelo pecado (Veja-se capítulo 5:11-13). Que contraste entre o aspecto de expiação apresentado por um bode de um príncipe e a mão-cheia de flor de farinha de um pobre homem! E, todavia, no último, tão certo como no primeiro, lemos, "e ser-lhe-á perdoado".

O leitor há de notar que o capítulo 5:1-13 forma uma parte do capítulo 4. Ambos estão compreendidos sob o mesmo título, e apresentam a doutrina da oferta de expiação do pecado, em todas as suas aplicações, desde um bode a uma mão-cheia de flor de farinha. Cada classe de oferta é anunciada pelas palavras. "Falou mais o Senhor a Moisés". Assim, por exemplo, com as ofertas de "cheiro suave" (Capítulos 1-3) são introduzidas pelas palavras: "E chamou o Senhor a Moisés". Estas palavras não são repetidas até ao capítulo 4:1, onde introduzem o sacrifício de expiação do pecado. Ocorrem outra vez no capítulo 5:14, onde é introduzida a Oferta de transgressão por pecados cometidos "nas coisas sagradas do Senhor"; e outra vez em capítulo 6:1, onde introduzem a oferta de transgressão por pecados cometidos contra o Senhor no tocante ao seu próximo.

É uma classificação bela e simples, e pode auxiliar o leitor a compreender as diversas classes de ofertas. Quanto às diversas categorias em cada classe, "um bode", "um carneiro", "uma fêmea", "uma pomba", "uma mão-cheia de flor de farinha", parece serem outras tantas aplicações diversas da mesma grande verdade.



O Pecado por Erro (ou Ignorância)


Havendo assim dito o bastante quanto às três categorias de sacrifício pelo pecado, vamos proceder ao exame, pormenorizado dos princípios desenvolvidos na primeira classe. Fazendo-o, pode­remos formar, até certo ponto, uma idéia exata dos princípios de todos. Desejo, contudo, ao entrar na comparação imediata atrás referida, chamar a atenção do leitor para um ponto notável que é revelado no segundo verso deste capítulo. "Quando uma alma pecar por erro". Isto apresenta uma verdade de profunda bem-aventurança, em relação com a expiação do Senhor Jesus Cristo. Ao contemplar­mos essa expiação, vemos infinitamente mais do que a simples satisfação das exigências da consciência, ainda que essa consciência tivesse atingido o ponto mais alto de polida sensibilidade. Temos o privilégio de ver nela o que satisfaz plenamente todas as exigências da santidade divina, a justiça divina e a majestade divina.

A santidade da habitação de Deus e o fundamento da Sua união com o Seu povo nunca poderiam ser regulamentadas pelo padrão da consciência do homem, por muito elevado que esse padrão pudesse ser. Há muitas coisas que a consciência do homem omitiria — muitas coisas que poderiam escapar à percepção do homem —, muitas coisas que o seu coração poderia considerar lícitas, mas que Deus não podia tolerar; e que, como conseqüência, haviam de interferir com a aproximação do homem de Deus e impedi-lo de render adoração e prejudicar as suas relações. Pelo que, se a expiação de Cristo fizesse apenas provisão para os pecados que estão ao alcance da compreensão do homem, nós estaríamos muito aquém do verdadeiro fundamento da paz. Precisamos compreender que o pecado foi expiado segundo a avaliação que Deus fez dele — que as exigências do Seu trono foram perfeitamente cumpridas —, o pecado, tal qual é visto à luz da Sua inflexível santidade, foi divinamente julgado. É isto que dá paz segura à alma. Fez-se perfeita expiação tanto pelos pecados de ignorância do crente como pelos seus pecados conhecidos. O sacrifício de Cristo é o fundamento das suas relações e comunhão com Deus, segundo a apreciação divina das suas exigências.

Um conhecimento claro deste fato é de incalculável valor. A não ser que se lance mão deste aspecto da expiação, não pode haver paz firme, nem poderá haver compreensão moral da extensão e pleni­tude da obra de Cristo ou da verdadeira natureza do parentesco baseado nela. Deus sabia o que era necessário para que o homem pudesse estar na Sua presença sem o mais simples temor; e fez para isso ampla provisão na cruz. A comunhão entre Deus e o homem era inteiramente impossível se o pecado não tivesse sido liquidado segun­do os pensamentos de Deus sobre ele; porque, embora a consciência do homem estivesse satisfeita, a pergunta levantar-se-ia sempre, Deus ficou satisfeito? Se esta pergunta não pudesse ser respondida afirma­tivamente, a comunhão nunca poderia subsistir ('). O pensamento de que nos pormenores da vida se manifestavam coisas que a santidade divina não podia tolerar intrometer-se-ia continuamente com o coração. Decerto, podíamos fazer essas coisas "por ignorância"; porém isto não podia alterar o assunto perante Deus, visto que tudo é do Seu conhecimento. Por isso, haveria constante receio, dúvida e temor. Todas estas coisas são divinamente atendidas pelo fato de que o pecado foi expiado, não segundo a nossa "ignorância", mas conforme o conhecimento de Deus. Esta certeza dá grande descanso ao coração e à consciência. Todas as exigências de Deus foram satisfeitas pela Sua própria obra. Ele Próprio fez a provisão; e, portanto, quanto mais requintada se torna a consciência do crente, sob a ação combinada da Palavra e do Espírito de Deus — quanto mais ele cresce no conhecimento divinamente adaptado a que tudo moralmente convém ao santuário —, tanto mais sensível ele se torna a tudo que é incompatível com a presença divina, e mais vigorosa, clara e profunda será a sua compreensão do valor infinito daquele sacrifício pelo pecado que não só ultrapassa os limites da consciência humana, mas satisfaz também, em perfeição absoluta, todas as exigências da santidade divina.

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(1) Desejo lembrar que o ponto saliente no texto é simplesmente expiação. O leitor cristão sabe muito bem, sem dúvida, que a possessão da "natureza divina" é essencial à comunhão com Deus. Eu preciso não só de um direito para me acercar de Deus, mas de uma natureza para gozar d'Ele. A alma que "crê no Filho unigênito de Deus" tem tanto um como outro (veja-se Jo 1:12-13; 3:36; 5:24; 20:31; 1 Jo 5:11-13).



A Exigência da Santidade Divina ante a Ignorância do Crente


Nada pode demonstrar claramente a incapacidade do homem para tratar do pecado como o fato de existir aquilo que é descrito como "pecado de ignorância". Como poderia ele tratar daquilo que não conhecei Como poderia ele dispor daquilo que nunca entrou nos limites da sua consciência? Era impossível. A ignorância em que o homem está acerca do pecado é prova da sua absoluta incapacidade para o tirar. Se não o conhece, que pode fazer acerca dele? Nada. É tão impotente como ignorante. Nem isto é tudo. O fato de haver "pecado de ignorância" demonstra claramente a incerteza que deve acompanhar toda a solução da questão do pecado, a qual não pode aplicar-se a noções mais elevadas do que aquelas que podem resultar da consciência humana mais delicada. Nunca poderá haver paz duradoura sobre este fundamento. Existirá sempre a compreensão dolorosa de que há qualquer coisa que está mal.

Se o coração não é conduzido a um estado de repouso permanen­te pelo testemunho da Escritura de que os direitos inflexíveis da justiça divina foram satisfeitos, haverá, necessariamente, uma sensação de mal-estar, e uma tal sensação representa um obstáculo à nossa adoração, à nossa comunhão e ao nosso testemunho. Se eu me sentir inquieto a respeito da solução da questão do pecado, não posso adorar; não posso gozar de comunhão com Deus nem com o Seu povo; nem tão-pouco posso ser uma testemunha inteligente ou apta de Cristo. O coração tem de estar tranqüilo, perante Deus, quanto à perfeita remissão do pecado, antes de podermos "adorar em espírito e verdade". Se houver culpa sobre a consciência, deve haver terror no coração; e, seguramente, um coração cheio de terror não pode ser um coração feliz e adorador. É somente de um coração cheio desse doce e santo repouso que proporcionou o sangue de Cristo que pode subir adoração verdadeira e aceitável ao Pai.

O mesmo princípio é verdadeiro a respeito da nossa comunhão com o povo de Deus, e o nosso serviço e testemunho entre os homens. Tudo deve descansar sobre o fundamento de paz estabelecida; e esta paz descansa sobre o fundamento de uma consciência perfeitamente purificada; e esta consciência purificada descansa sobre o fundamento da perfeita remissão de todos os nossos pecados, quer sejam pecados do nosso conhecimento ou pecados de ignorância.



Comparação do Holocausto com o Sacrifício pelo Pecado


Vamos prosseguir agora com a comparação entre o sacrifício pelo pecado e o holocausto, em cujo confronto encontraremos dois aspectos de Cristo muito diferentes. Porém, embora os aspectos sejam diferentes, é um só e o mesmo Cristo; e, por isso, em ambos os casos, o sacrifício era "sem mancha". Isto é fácil de compreender. Não importa sob que aspecto contemplarmos o Senhor Jesus Cristo, Ele é sempre o mesmo Ser perfeito, imaculado e santo. É verdade que, em Sua abundante graça, teve de curvar-Se para tomar sobre Si o pecado do Seu povo; mas foi como um Cristo perfeito, puro, que o fez; e seria nada menos do que perversidade diabólica alguém valer-se da profundidade da Sua humilhação para manchar a glória pessoal d'Aquele que assim se humilhou. A excelência intrínseca, a pureza inalterável e a glória divina do nosso bendito

Senhor aparecem no sacrifício pelo pecado tão claramente como no holocausto. Seja em que relação for que Ele se apresente, em qualquer ocupação ou obra que execute, ou posição que ocupe, a Sua glória pessoal brilha em todo o esplendor divino.

Esta verdade de um só e mesmo Cristo, quer seja no Holocausto ou no sacrifício pelo pecado vê-se não apenas no fato que, em ambos os casos, a oferta era "sem mancha", como também na "lei da expiação do pecado", na qual lemos: "Esta é a lei da expiação do pecado no lugar onde se degola o holocausto, se degolará a oferta pela expiação do pecado perante o Senhor; coisa santíssima é" (Lv 6:25). Os dois tipos indicam um e mesmo grande Antítipo, embora o apresentem sob aspectos diferentes da Sua obra. No holocausto vemos Cristo correspondendo aos afetos divinos; na expiação do pecado vêmo-Lo satisfazendo as profundidades da necessidade humana. Aquele apresenta-O como Aquele que cum­pre a vontade de Deus; este como Aquele que levou o pecado do homem. No primeiro aprendemos qual é o elevado preço do sacri­fício; no último o que é a aversão do pecado. Isto basta quanto às duas ofertas, em geral. Um exame minucioso dos pormenores não fará mais que confirmar a mente na verdade desta asserção.

Quando consideramos, em primeiro lugar, o holocausto, nota­mos que era uma oferta voluntária. "... a oferecerá de sua própria vontade perante o Senhor" ('). Ora, o vocábulo "própria" não é mencionado na expiação pelo pecado. E precisamente o que pode­ríamos esperar. A omissão está de perfeito acordo com o alvo específico do Espírito Santo no holocausto, que é apresentá-lo como uma oferta voluntária. Era a comida e bebida de Cristo fazer a vontade de Deus, qualquer que pudesse ser essa vontade. Nunca pensou em inquirir quais eram os ingredientes do cálice que Seu Pai ia pôr em Suas mãos. Bastava-Lhe saber que o Pai o havia preparado. Assim acontecia com o Senhor Jesus simbolizado no holocausto.

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(1) Alguns podem encontrar dificuldade no fato de a palavra "própria" se referir ao adorador e não ao sacrifício; mas isto não pode de modo algum afetar a doutrina exposta no texto, que é fundada no fato de que uma palavra empregada no holocausto é omitida na oferta de expiação pelo pecado. O contraste subsiste, quer pensemos no ofertante ou na oferta.


Porém, na oferta de expiação do pecado temos uma linha de verdade completamente diferente. Este símbolo apresenta Cristo aos nossos pensamentos, não como Aquele que realiza voluntariamente a von­tade de Deus, mas como Aquele que levou sobre Si essa coisa terrível chamada "pecado", e o Sofredor de todas as suas conseqüências aterradoras, das quais a mais aterradora, para Si, consistiu em que Deus ocultasse d'Ele o Seu rosto. Por isso, a palavra "própria" não estaria de acordo com o objetivo do Espírito na oferta de expiação pelo pecado. Esta expressão estaria tão deslocada neste símbolo como está divinamente em seu lugar no holocausto. O seu emprego e a sua omissão são igualmente divinos; e mostram tanto uma como a outra a precisão perfeita e divina dos tipos de Levítico.

Ora, o ponto de contraste que temos estado a considerar explica, ou, antes, harmoniza duas expressões empregadas por nosso Senhor. Em uma ocasião diz:"... não beberei eu o cálice que o Pai me deu?-" E, todavia, diz também: "Meu Pai, se é possível passe de mim este cálice."

A primeira destas expressões era o perfeito cumprimento das palavras com que havia começado a Sua carreira, a saber: "Eis aqui venho para fazer, ó Deus, a tua vontade"; e é, além disso, a elocução de Cristo como o holocausto. A última, por outro lado, é a exclamação de Cristo quando contemplava o lugar que estava prestar a ocupar como sacrifício pelo pecado. O que esse lugar era e o que estava envolvido n'ele, tomando-o, é o que veremos no prosseguimento do nosso estudo; é contudo interessante e instrutivo encontrar toda a doutrina dos dois sacrifícios encerrada, com efeito, no fato de uma simples palavra ser introduzida num e omitida no outro. Se encontramos no holocausto a prontidão com que Cristo Se ofereceu a Si mesmo para o cumprimento da vontade de Deus, na expiação do pecado vemos com que profunda abnegação tomou todas as conseqüências do pecado do homem e como chegou à distância longínqua da posição do homem no que se referia a Deus. Deleitava-se em fazer a vontade de Deus; estremecia ante a idéia de perder, por um momento, a luz do Seu bendito rosto.

Nenhum sacrifício podia tê-lo simbolizado debaixo destes dois aspectos. Precisávamos de uma figura que no-Lo apresentasse como Aquele que se comprazia em fazer a vontade de Deus; e necessitá­vamos de uma figura que no-Lo mostrasse como Aquele cuja natureza santa retrocedia ante as conseqüências do pecado impu­tado. Bendito seja Deus, temos tanto uma como a outra. O holocausto mostra-nos uma, a oferta de expiação dá-nos a outra. Pelo que quanto mais aprofundamos o afeto do coração de Cristo a Deus, mais compreendemos o Seu horror ao pecado; e vice-versa. Cada um destes símbolos põe em relevo o outro; e o emprego da palavra "própria" em um e não no outro fixa a importância especial de cada um.

Mas, pode perguntar-se, não era da vontade de Deus que Cristo Se oferecesse em sacrifício de expiação pelo pecado? E, se assim é, como podia hesitar em cumprir essa vontade? Seguramente o conselho de Deus tinha determinado que Cristo sofresse. Além disso, era o prazer de Cristo fazer a vontade de Deus. Porém, como devemos compreender a expressão, "Se é possível passe de mim este cálice"? Não é a exclamação de Cristo1? E não existe nela um símbolo especial d'Aquele que a proferiu? Certamente. Haveria uma lacuna grave entre os símbolos da economia Moisaica se não houvesse um para refletir o Senhor Jesus na atitude exata em que esta expressão O apresenta.

Contudo, o holocausto não O apresenta assim. Não há uma só circunstância em relação com essa oferta que corresponda a uma tal linguagem. Só a oferta de expiação do pecado oferece a figura apropriada ao Senhor Jesus como Aquele que exalou esses acentos de intensa agonia, porque só nela encontramos as circunstâncias que evocaram tais acentos das profundezas da Sua alma imaculada.

A sombra terrível da cruz, com a sua ignomínia, a sua maldição e a sua exclusão da luz da face de Deus passava pelo Seu espírito e Ele não podia sequer contemplá-la sem exclamar: "Se é possível passe de mim este cálice". Porém, apenas havia pronunciado estas palavras, quando a Sua profunda submissão se mostra nestas pala­vras: "faça-se a tua vontade". Que "cálice" amargoso deve ter sido para arrancar de um coração perfeitamente submisso as palavras "passe de mim"! Que perfeita submissão deve ter havido para, em presença do cálice amargoso, o coração ter exclamado "faça-se a tua vontade"!



A Imposição das Mãos: Identificação com a Vítima


Vamos considerar agora o ato típico da imposição das mãos. Este ato era comum tanto ao holocausto como à oferta de expiação do pecado; porém, no caso do primeiro identificava o oferente com a oferta sem mancha; no caso do segundo implicava a transferência do pecado do ofertante para a cabeça da oferenda. Era assim no tipo; e, quando consideramos o Antítipo, aprendemos uma lição da natureza mais consoladora e edificante — uma verdade que, se fosse mais bem compreendida e plenamente realizada, proporcionaria uma paz muito mais constante do que aquela que geralmente se goza.

Qual é, pois, a doutrina exposta no ato da imposição das mãos? É esta: Cristo foi feito pecado por nós para que nós fôssemos feitos justiça de Deus (2 Co 5:21). Ele tomou a nossa posição com todas as suas conseqüências para que nós pudéssemos ter a Sua com todas as suas conseqüências. Foi tratado como pecado sobre a cruz para que nós pudéssemos ser tratados como justiça na presença da santidade infinita. Foi retirado da presença de Deus porque tinha pecado sobre Si, por imputação, para que nós pudéssemos ser recebidos na casa de Deus e em Seu seio, porque, por imputação, temos uma perfeita justiça. Teve de suportar a invisibilidade do semblante de Deus para que nós pudéssemos gozar da luz desse semblante. Teve de passar três horas de trevas para que nós pudés­semos andar na luz eterna. Foi desamparado por Deus por um tempo, para que nós pudéssemos gozar a Sua presença para sempre. Tudo que nos era imposto, como pecadores arruinados, foi posto sobre Si para que tudo que Lhe era devido, como Realizador da redenção, pudesse ser nosso. Tudo foi contra Si quando foi pendu­rado no madeiro de maldição para que nada pudesse haver contra nós. Identificou-se conosco, na realidade da morte e do juízo, para que nós pudéssemos ser identificados consigo, na realidade da vida e justiça. Bebeu o cálice da ira — o cálice do terror— para que nós pudéssemos beber o cálice da salvação — o cálice do favor infinito. Foi tratado conforme os nossos méritos para que nós pudéssemos ser tratados segundo os Seus.

Tal é a maravilhosa verdade ilustrada pelo ato cerimonial da imposição das mãos. Depois de o adorador ter posto a sua mão sobre a cabeça do holocausto, já não se tratava da questão do que ele era ou do que merecia e tornava-se inteiramente uma questão do que a oferta era segundo o juízo do Senhor. Se a oferta era sem mancha, o oferente era-o também; se a oferta era aceite também o era o oferente. Estavam perfeitamente identificados. O ato de impor as mãos constituía-os em um aos olhos de Deus. Ele via o oferente por meio da oferta. Era assim no caso do holocausto.

Mas na oferta de expiação do pecado, quando o oferente tinha posto a sua mão sobre a cabeça da oferta, tornava-se uma questão de saber o que o oferente era e o que ele merecia. A oferta era tratada segundo os méritos do ofertante. Eram perfeitamente identifica­dos. O ato de impor as mãos constituía-os em um, no parecer de Deus. O pecado do ofertante era tratado na oferta de expiação do pecado; a pessoa do oferente era aceite no holocausto. Isto fazia uma grande diferença. Por isso, embora o ato de impor as mãos fosse comum às duas figuras, e, além disso, fosse expressivo, em ambos os casos de identificação, todavia as conseqüências eram tão dife­rentes quanto o podiam ser. O justo tratado como injusto; o injusto aceito no justo."... Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus" (1 Pe 3:18). Esta é a doutrina.

Os nossos pecados levaram Cristo à cruz; mas Ele leva-nos a Deus. E se Ele nos leva a Deus é por Sua própria aceitabilidade como ressuscitado de entre os mortos, havendo tirado os nossos pecados, segundo a perfeição da Sua obra. Ele levou os nossos pecados para longe do santuário de Deus a fim de nos poder trazer perto, até mesmo ao lugar santíssimo, em inteira confiança de coração, tendo a consciência purificada de toda a mancha de pecado pelo Seu precioso sangue.

Bem, quanto mais compararmos todos os pormenores do holocausto e da oferta de expiação do pecado, tanto mais claramente compreenderemos a verdade do que tem sido acentuado a respeito do ato de impor as mãos e dos seus resultados, em ambos os casos.

No capítulo primeiro deste volume notamos o fato que "os filhos de Arão" são introduzidos no holocausto, mas não na oferta de expiação do pecado. Como sacerdotes tinham o privilégio de permanecer em redor do altar e de contemplar a chama de um sacrifício aceitável subindo para o Senhor. Porém na oferta de expiação do pecado, em seu aspecto primário, tratava-se de uma questão de julgamento solene do pecado, e não de adoração ou admiração sacerdotal; e, portanto, os filhos de Arão não aparecem. É como pecadores convictos que temos de tratar em relação a Cristo como o Antítipo da oferta de expiação do pecado. É como sacerdotes em adoração, vestidos com as vestes da salvação, que contemplamos Cristo como o Antítipo do holocausto.

Demais, o leitor poderá notar que o holocausto era "esfolado", enquanto que a oferta de expiação do pecado não o era. O holocausto era "partido em pedaços", mas a oferta de expiação do pecado não o era. A "fressura e as pernas" no holocausto eram "lavadas com água", cujo ato era inteiramente omitido na oferta de expiação do pecado. Finalmente, o holocausto era queimado, em cima do altar; a oferta de expiação do pecado era queimada fora do arraial.

São pontos de grande diferença provenientes do caráter distin­to das oferendas. Sabemos que não há nada na Palavra de Deus sem o seu significado específico; e todo o estudioso inteligente e atento das Escrituras notará estes pontos de diferença; e, notando-os, procurará, naturalmente, determinara sua verdadeira impor­tância. Pode haver ignorância do seu valor; mão não deveria haver indiferença, a seu respeito. Em qualquer parte das páginas inspira­das, sobretudo uma tão rica como aquela que temos perante nós, omitir um simples ponto seria desonrar o Autor Divino e privar as nossas próprias almas de muito proveito. Deveríamo-nos debru­çar sobre o mais simples pormenor, já para louvar a Deus pela sabedoria nelas revelada, por Ele, já para confessar a nossa própria ignorância deles. Desprezá-los, com espírito de indiferença, é supor que o Espírito Santo tomou o incômodo de escrever coisas que não julgamos dignas de intentar compreender. Nenhum cristão reto deveria supor tal coisa. Se o Espírito, escrevendo sobre a ordenação da oferta de expiação do pecado, omitiu os diversos ritos a que nos referimos — ritos que ocupam um lugar proemi­nente na ordenação do holocausto — deve haver seguramente alguma razão para isso e qualquer propósito importante em o fazer. Devemos procurar compreender estes pontos; e, sem dúvi­da, eles resultam do propósito especial da mente divina em cada oferta. A oferta de expiação do pecado mostra aquele aspecto da obra de Cristo em que O vemos tomando judicialmente o lugar que nos pertencia moralmente. Por esta razão não podemos procurar essa expressão intensa daquilo que Ele era em todos os motivos secretos de ação, patenteados no ato simbólico de "esfolar" o holocausto. Tampouco podia existir essa ampla exibição do que Ele era, não apenas como um todo, mas nos mais minu­ciosos traços do Seu caráter, conforme se vê no ato de partir o holocausto "em pedaços". Nem, ainda, podia haver aquela ma­nifestação do que Ele era pessoal, prática e intrinsecamente, como se mostra no ato significativo de lavar a fressura e as pernas do holocausto com água.

Todas estas coisas pertenciam à fase de nosso bendito Senhor no holocausto, e só a essa, porque nela vêmo-Lo oferecendo-Se à vista, ao coração, e ao altar de Jeová, sem imputação de pecado, de ira ou de juízo. Na oferta de expiação do pecado, pelo contrário, em vez da idéia proeminente daquilo que Cristo é, temos o que é o pecado. Em vez do alto apreço de Jesus, encontramos o ódio do pecado. No holocausto, visto que é Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus e sendo aceito por Ele, vemos que se faz tudo para mostrar o que Ele era em todos os aspectos. Na oferta de expiação do pecado, visto tratar-se do pecado julgado por Deus, dá-se um caso precisamente oposto. Tudo isto é tão claro que não exige esforço da mente para o compreender. Deriva naturalmente do caráter distinto do símbolo.



A Gordura da Vítima:

Imagem da Excelência de Cristo em sua Morte pelo Pecado


Contudo, embora o objetivo principal na oferta de expiação do pecado seja mostrar o que Cristo se fez por nós, e não o que Ele era em Si mesmo, há um rito em relação a este símbolo que revela claramente a Sua aceitabilidade pessoal por Jeová. Este rito é estabelecido nas seguintes palavras: "E toda a gordura do novilho da expiação tirará dele: a gordura que cobre a fressura, e toda a gordura que está sobre a fressura, e os dois rins, e a gordura que está sobre eles, que está sobre as tripas, e o redenho de sobre o fígado, com os rins, tirará, como se tira do boi do sacrifício pacífico; e o sacerdote a queimará sobre o altar do holocausto" (versículos 8-10). Assim, a excelência intrínseca de Cristo não é omitida, nem mesmo na oferta de expiação do pecado. A gordura queimada sobre o altar é a expressão adequada da apreciação divina do valor da pessoa de Cristo, qualquer que fosse o lugar que, em perfeita graça, tomasse, em nosso favor ou em nosso lugar; foi feito pecado por nós, e a oferta de expiação é a sombra que O apresenta sobre este aspecto. Porém, visto que era o Senhor Jesus Cristo, o eleito de Deus, o Santo, o Seu Filho puro, imaculado e eterno que foi feito pecado, a gordura da oferta de expiação era, portanto queimada sobre o altar, como material próprio para o fogo que era a exibição da santidade divina.

Mas até mesmo neste ponto vemos o contraste entre a oferta de expiação e o holocausto. No caso do último, não era apenas a gordura, mas toda a oferta que era queimada sobre o altar, porque representava Cristo sem relação alguma com o pecado. No caso da primeira, não havia nada a queimar sobre o altar senão a gordura, porque se tratava de uma questão de levar o pecado, embora Cristo fosse o portador. A glória divina da pessoa de Cristo brilha até mesmo por entre as trevas espessas desse madeiro de maldição a que consentiu que O pregassem como maldição por nós. A aversão daquilo com que, no exercício do amor divino, Ele ligou a Sua bendita pessoa, na cruz, não podia evitar que o cheiro suave do Seu valor subisse até ao trono de Deus.

Vemos assim a revelação do profundo mistério da face de Deus se ter ocultado daquilo que Cristo se fez, e o modo como o coração de Deus se deleitou no que Cristo era. É isto que dá um encanto peculiar à oferta de expiação. Os raios brilhantes da glória pessoal de Cristo resplandecendo por entre a terrível escuridão do Calvário, o Seu valor pessoal destacan­do-se nas próprias profundidades da Sua humilhação, o deleite de Deus n'Aquele de quem havia ocultado a Sua face, em justificação da Sua justiça inflexível, tudo isto é mostrado no fato de a gordura da oferta de expiação do pecado ser queimada sobre o altar.



O Corpo da Vítima é Queimado fora do Arraial


Havendo assim procurado indicar, em primeiro lugar, o que se fazia com "o sangue", e, em segundo lugar, o que se fazia da "gordura", temos agora de considerar o que se fazia da "carne". "Mas o couro do novilho e toda a sua carne..., todo aquele novilho, levará fora do arraial a um lugar limpo, onde se lança a cinza e o queimará com fogo sobre a lenha; onde se lança a cinza se queimará" (versículos 11,12). Neste fato temos a principal fase da oferta de expiação — aquela que a distingue tanto do holocausto como do sacrifício pacífico. A sua carne não era queimada sobre o altar, como no holocausto; nem tampouco era comida pelo sacerdote ou o adorador, como no sacrifício pacífico. Era queimada inteiramente fora do arraial (1). "Porém nenhuma oferta pela expiação de pecado, cujo sangue se traz à tenda da congregação, para expiar no santuário, se comerá; no fogo será queimada" (Lv 6:30). "E, por isso, também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta"(Hbl3:12).



Uma Aplicação Prática para o Culto


Comparando o que se fazia do "sangue" com o que se fazia da "carne" ou do corpo do sacrifício, duas ordens de verdade se apresentam aos nossos olhos, isto é, o culto e o discipulado. O sangue que era levado ao santuário é o fundamento da primeira. O corpo queimado fora do arraial é a base da segunda. Antes que possamos adorar, em paz de consciência e tranqüilidade de coração, temos de saber, com base na autoridade da Palavra e pelo poder do Espírito, que a questão do pecado foi inteiramente resolvida para sempre pelo sangue da oferta divina de expiação que o Seu sangue foi espargido com perfeição perante o Senhor — que todas as exigências de Deus e todas as nossas necessidades, como pecadores culpados e arruina­dos, foram satisfeitas para sempre. Este conhecimento dá perfeita paz; e, no gozo desta paz, adoramos a Deus. Quando um Israelita da antigüidade havia oferecido a sua oferta de expiação, a sua consciência ficava em paz, tanto quanto esse sacrifício era capaz de dar paz. E verdade que era uma paz temporária, sendo o fruto de um sacrifício temporário. Porém, é claro que qualquer que fosse o gênero de paz que o sacrifício podia proporcionar, o oferente podia desfrutá-la.

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(1) O texto diz respeito unicamente à expiação de pecados em que o sangue era trazido para dentro do santuário. Havia ofertas pelo pecado das quais Arão e seus filhos participavam (veja-se Lv 6:26, 29; Nm 18:9-10).


Portanto, sendo o nosso sacrifício divino e eterno, a nossa paz é também divina e eterna. Assim como é o sacrifício tal é o descanso baseado nele. Um judeu nunca poderia ter uma consciência eterna­mente purificada, simplesmente porque não tinha um sacrifício eternamente eficaz. Podia, de certo modo, ter a sua consciência purificada por um dia, um mês ou um ano; mas não podia tê-la purificada para sempre. "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção. Porque se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santificam, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?"(Hb9:ll-14).

Temos aqui a exposição plena e explícita da doutrina. O sangue de bodes e bezerros proporcionava uma redenção temporária; o sangue de Cristo proporciona eterna redenção. A primeira purificava a carne exteriormente; a última purificava intimamente. Aquela purificava a carne por algum tempo; esta purificava a consciência para sempre. A questão anda toda à roda, não do caráter ou condição do ofertante, mas, do valor do sacrifício. A questão não é, de modo algum, se um cristão é melhor do que um judeu, mas se o sangue de Cristo é melhor do que o sangue de um novilho. Seguramente, é melhor. Melhor, até que ponto?? Infinitamente melhor. O Filho de Deus comunica toda a dignidade da Sua pessoa divina ao sacrifício que ofereceu; e, se o sangue de um novilho purificava a carne por um ano, "quanto mais o sangue" do Filho de Deus purificará a consciência para sempre"? Se aquele tirava algum pecado, quanto mais este tirará o pecado1?

Bem, por que razão sentia a alma de um judeu descanso, por algum tempo, depois de haver oferecido o seu sacrifício? Como sabia ele que o pecado especial pelo qual havia trazido o seu sacrifício estava perdoado1? Porque Deus havia dito "E ser-lhe-á perdoado". A sua paz de coração, a respeito desse pecado particular, repousava sobre o testemunho do Deus de Israel e o sangue da vítima. Assim agora a paz do crente a respeito de "TODO O PECADO" baseia-se sobre a autoridade da Palavra de Deus e "o precioso sangue de Cristo". Se um judeu havia pecado, e descuidava fazer a sua oferta de expiação tinha de ser "cortado de entre o seu povo"; porém quando tomava o seu lugar como pecador—quando punha as suas mãos sobre a cabeça da oferta de expiação, então a oferta era "cortada em pedaços" em vez dele, e ele era livre. A oferta era tratada como merecia o oferente; e, por isso, não saber que o seu pecado era perdoado, seria fazer de Deus mentiroso e tratar o sangue da oferta de expiação divinamente indicada como nula.

E se isto era verdadeiro quanto àquele que só podia descansar sobre o sangue de um bode, "quanto mais" se aplica àquele que tem o precioso sangue de Cristo para descansara O crente vê em Cristo Aquele que foi julgado por todo o seu pecado—Aquele que, quando foi pendurado na cruz, suportou todo o fardo do seu pecado — Aquele que, havendo-Se tornado responsável por esse pecado, não podia estar onde agora está, se toda a questão do pecado não tivesse sido liquidada segundo todas as exigências da justiça divina. Cristo tomou de tal forma o lugar do crente na cruz — de tal maneira o crente se identificou com Ele — de tal forma Lhe foi imputado todo o pecado do crente, ali e então, que toda a questão da culpabilidade do crente — todo o pensamento da sua culpa —, toda a idéia de exposição à ira ou ao juízo está eternamente posta de parte ('). Tudo foi resolvido na cruz entre a Justiça Divina e a Vítima Imaculada. E agora o crente está tão intimamente identificado com Cristo no trono, como Cristo Se identificou com ele na cruz.

A justiça não tem nenhuma acusação a fazer ao crente, porque não tem acusação alguma a fazer contra Cristo. A questão está assim liquidada, para sempre. Se pudesse apresentar-se uma acusação contra o crente, seria pôr em dúvida a realidade da identificação de Cristo com ele na cruz e a perfeição da obra de Cristo a seu favor. Se quando o adorador da antigüidade regressava a sua casa, depois de haver oferecido a sua expiação, alguém o tivesse acusado do mesmo pecado pelo qual havia sido derramado o sangue da vítima do seu sacrifício, qual teria sido a sua resposta? Só poderia ser esta:



Cristo: O Antítipo


O pecado foi removido pelo sangue da vítima, e Jeová disse estas palavras: "Ser-lhe-á perdoado". A vítima havia morrido em lugar dele; e ele vivia em lugar da vítima.

Tal era o tipo. E, quanto ao antítipo, quando o olhar da fé descansa sobre Cristo como o sacrifício de expiação, vê-O como Aquele que, havendo tomado uma perfeita vida humana, deu essa vida na cruz, porque o pecado foi ali e então ligado por imputação com ela. Mas vê-O também como Aquele que, tendo em Si mesmo o poder da vida divina e eterna, saiu por meio dele do sepulcro e agora comunica esta Sua vida de ressurreição—divina e eterna — a todos os que crêem no Seu nome. O pecado desapareceu, porque a vida a que foi ligado desapareceu. E agora em lugar da vida a que fora ligado o pecado, todos os verdadeiros crentes possuem a vida a que está unida a Justiça.

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(1) Temos um exemplo notavelmente belo na precisão divina das Escrituras em 2 Coríntios 5:21: "Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós para que nele fôssemos feitos justiça de Deus". O significado do vocábulo "fez" não é, como poderia supor-se, o mesmo em ambas as cláusulas desta passagem.


A questão do pecado nunca poderá ser levantada quanto à vida ressuscitada e vitoriosa de Cristo; mas é esta a vida que os crentes possuem. Não há outra vida. Tudo fora dela é morte, porque fora dela tudo está sob o poder do pecado. "Aquele que tem o Filho tem a vida"; e aquele que tem a vida tem a justiça também. As duas coisas são inseparáveis, porque Cristo é tanto uma como a outra. Se o juízo e morte de Cristo, na cruz, foram realidades, então a vida e a justiça do crente são realidades. Se a imputação do pecado foi uma realidade para Cristo, a imputação da justiça ao crente é uma realidade. São tão reais uma como a outra, porque se não fosse assim Cristo teria morrido em vão. O verdadeiro e incontestável fundamento de paz é este: que as exigências da natureza de Deus, quanto ao pecado, foram perfeita­mente satisfeitas. A morte de Jesus satisfê-las todas e satisfê-las para sempre. Qual é a prova disto para a consciência despertada"?- O grande fato da ressurreição. Um Cristo ressuscitado proclama plena liberta­ção do crente —a sua perfeita absolvição de toda a demanda possível. "O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação" (Rm 4:25). Para um crente não saber que o seu pecado foi tirado, e tirado para sempre, é fazer pouco caso do sangue da sua divina oferta de expiação. É negar que se fez perfeita apresentação— a aspersão do sangue sete vezes perante o Senhor.



A nossa Posição é Resultado da Obra na Cruz


E agora, antes de deixar este ponto fundamental que nos tem ocupado, desejo fazer um apelo sincero e solene ao coração e à consciência do leitor. Permita que lhe pergunte, prezado amigo, haveis sido induzido a descansar sobre este santo e feliz fundamen­tou Sabeis que a questão do vosso pecado foi para sempre arrumada"? Haveis posto, mediante a fé, a vossa mão sobre a cabeça da vítima do sacrifício de expiação1? Haveis visto o sangue expiatório de Jesus tirar toda a vossa culpa e arrojá-la às águas do esquecimento de Deus?

A justiça Divina tem ainda alguma coisa contra vós? Estais livre do pavor inexprimível de uma consciência culpada ? Não vos entregueis ao repouso, rogo-vos, antes de poderdes dar uma resposta feliz a estas interrogações. Ficai certo de que é privilégio ditoso até do mais fraco crente em Cristo regozijar-se na plena e eterna remissão dos seus pecados, com base numa expiação efetuada. Por isso, se alguém ensina outra coisa, rebaixa o sacrifício de Cristo ao nível de "bodes e bezerros". Se não podemos saber que os nossos pecados estão perdo­ados, então onde estão as boas novas do evangelho? Um cristão não está em melhores circunstâncias, quanto ao sacrifício de expiação, do que um judeu? Este tinha o privilégio de saber que os seus interesses estavam assegurados por um ano por meio do sangue de um sacrifício anual. Aquele não pode ter nenhuma certeza? Decerto que pode. Pois bem, se há alguma certeza tem de ser eterna, visto que descansa sobre um sacrifício eterno.

Isto e isto somente é o fundamento de adoração. A segurança perfeita do perdão do pecado produz não um espírito de confiança própria, mas um espírito de louvor, gratidão e adoração. Produz, não um espírito de complacência própria, mas de gratidão pela compla­cência de Cristo, que, bendito seja Deus, é o espírito que há - de caracterizar os remidos por toda a eternidade. Não nos induz alguém a fazer pouco caso do pecado, mas a pensar na graça que o perdoou perfeitamente, do sangue que o cancelou inteiramente. É impossível que alguém possa contemplar a cruz — possa ver o lugar que Cristo tomou e meditar nos sofrimentos —, e ponderar sobre essas três horas terríveis de trevas e, ao mesmo tempo, olhar o pecado como coisa sem importância. Quando todas estas coisas são com­preendidas, no poder do Espírito Santo, devem seguir-se dois resul­tados, a saber, horror do pecado, sob todas as suas formas, e amor verdadeiro por Cristo, o Seu povo e a Sua causa.



Saiamos a Ele fora do Arraial


Consideremos agora o que era feito da "carne" ou "corpo" do sacrifício, no qual, como já foi acentuado, encontramos o verdadeiro fundamento de discipulado. "Todo aquele novilho, levará fora do arraial, a um lugar limpo, onde se lança a cinza, e o queimará com fogo" (Lv 4:12). Este ato deve ser encarado sob um duplo aspecto: primeiro, como expressão do lugar que o Senhor Jesus tomou por nós, levando o pecado; depois, como expressão do lugar para onde foi lançado por um mundo que O havia rejeitado.

E para este último ponto que pretendo chamar a atenção do leitor.

O uso que o apóstolo faz em Hebreus 13:13 do fato de Cristo haver padecido "fora da porta" é profundamente prático. "Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério". Se os sofrimentos de Cristo nos têm assegurado uma entrada no céu, o lugar onde Ele sofreu representa a nossa rejeição pela terra. A sua morte tem-nos proporcionado uma cidade nas alturas; o lugar onde Ele morreu priva-nos de uma cidade aqui ('). Ele "padeceu fora da porta", e, fazendo-o, pôs de lado Jerusalém como centro das operações divi­nas. Não existe aquilo que poderíamos chamar um lugar consagra­do na Terra. Cristo tomou o Seu lugar, como o Sofredor, fora dos limites da religião deste mundo — da sua política e tudo que lhe pertence. O mundo aborreceu-O e lançou-O fora. Portanto, a Escritura diz "Saiamos". Este é o lema quanto a tudo que os homens levantem como "arraial" não obstante o que esse arraial possa ser. Se os homens levantarem uma "cidade santa" devemos procurar um Cristo rejeitado" fora da porta". Se os homens levantarem um arraial religioso, qualquer que seja o nome que se lhe queira dar, "saiamos" dele a fim de encontrarmos o Cristo rejeitado. Não é que a cega superstição não possa escavar as ruínas de Jerusalém para nelas encontrar as relíquias de Cristo. Certamente que o fará e já o tem feito. Fingirá ter encontrado e honrado o sítio da Sua cruz e do Seu sepulcro. A cobiça da natureza, aproveitando-se da superstição da natureza, também tem levado a efeito durante séculos um tráfego lucrativo, com o astuto pretexto de prestar honra aos chamados lugares sagrados da antigüi­dade. Porém um simples raio de luz da lâmpada da Revelação celestial é suficiente para nos autorizar a dizer que é preciso sair de todas estas coisas a fim de encontrar e gozar comunhão com um Cristo rejeitado.

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(1) A Epístola aos Efésios apresenta um aspecto muito elevado da Igreja nas alturas, não meramente como uma prerrogativa, mas também quanto ao método. O direito é certamente o sangue; mas o método é assim estabelecido: " Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo" (Ef 2:4-6).


Todavia, o leitor precisa recordar que o convite impressionante de "sair" implica muito mais do que o alijamento dos absurdos crassos de uma superstição ignorante ou as intenções de uma astuta cobiça. Há muitos que podem falar poderosa e eloqüentemente em desabono destas coisas, e que estão muito longe, na verdade, de obedecer à notificação apostólica. Quando os homens levantam um"arraial" e se reúnem em redor de um pendão embelezado com qualquer dogma importante de verdade ou alguma instituição valiosa — quando podem recorrer a um credo ortodoxo, a um plano de doutrina avançado e iluminado ou a um esplêndido ritual capaz de satisfazer as mais ardentes aspirações da natureza devocional do homem — quando alguma ou todas estas coisas existem é necessária muita inteligência espiritual para se discernir a força real e própria aplicação da palavra " Saiamos" e muita energia espiritual e decisão para se atuar de confor­midade com ela.

Contudo, deve atuar-se de conformidade com ela, porque é absolutamente certo que a atmosfera de um arraial, se ja qual for o seu fundamento ou padrão, é destrutivo da comunhão pessoal com Cristo rejeitado; e nenhuma vantagem da chamada religião poderá jamais substituir a perda dessa comunhão. É propensão dos nossos corações caírem em formas fixadas. Este tem sido sempre o caso com a igreja professa.

Estas formas podem ter sido produzidas por verdadeiro poder. Podem ter resultado de graça positiva do Espírito de Deus. Há a tentação de fixar formas logo que o espírito e poder deixam de existir. Isto é, em princípio, estabelecer um arraial.

O sistema judeu podia vangloriar-se da sua origem divina. Um judeu podia apontar vitoriosamente para o templo, com o seu sistema esplêndido de culto, o seu sacerdócio, os seus sacrifícios, todo o seu equipamento, e mostrar que tudo havia sido dado pelo

Deus de Israel. Podia citar o capítulo e o verso, como nós diríamos, de tudo que se relacionava com o sistema com que ele estava ligado. Onde está o sistema, antigo, medieval ou moderno, que possa apresentar tão elevadas e poderosas pretensões ou descer até ao coração com tal peso de autoridade? E contudo a ordem era "SAIAMOS".

Este assunto é profundamente solene, e diz-nos respeito a todos, porque somos todos propensos e esquivarmo-nos da comunhão com Cristo para cairmos na rotina morta. Daí o poder prático das palavras, "saiamos", pois a ele.

Não é SAIR de um sistema para outro — de uma ordem de opiniões para outra ou de um grupo de pessoas para outro. Não! Mas sair de tudo que merece a designação de um arraial para Aquele que "padeceu fora do arraial".

O Senhor Jesus está tão fora da porta agora como quando padeceu ali há dezoito séculos. O que foi que o pôs fora da portai "O mundo religioso" desse tempo: e o mundo religioso desse tempo é, em espírito e princípio, o mundo religioso deste tempo. O mundo é ainda o mundo. "Não há nada novo debaixo do sol". Cristo e o mundo não são um. O mundo cobriu-se com a capa do cristianismo; porém fê-lo para que o seu ódio contra Cristo possa desenvolver-se em formas implacáveis. Não nos enganemos. Se andarmos com um Cristo rejeitado, teremos de ser um povo rejeitado. Se o nosso Mestre" padeceu fora do arraial", nós não podemos esperar reinar dentro do arraial. Se andarmos nas Suas pisadas, aonde nos condu­zirão elas? Não, seguramente, às altas posições deste mundo sem Deus e sem Cristo.

Ele é um Cristo desprezado, um Cristo rejeitado, um Cristo fora do arraial. Oh, saiamos, pois, a Ele, levando o Seu vitupério. Não nos deixemos envolver com a luz do favor deste mundo, visto que crucificou e ainda aborrece com ódio implacável o Ente amado a quem devemos tudo quanto possuímos no presente e na eternidade, e que nos ama com um amor que as muitas águas não poderiam apagar. Não aceitemos, quer direta quer indiretamente, aquilo que se cobre com o Seu nome sagrado, mas que, na realidade, odeia os

Seus caminhos, odeia a Sua verdade e odeia a simples menção do Seu advento. Sejamos fiéis ao nosso Senhor ausente. Vivamos para Aquele que morreu por nós.

Enquanto as nossas consciências repousam sobre o Seu sangue, que os afetos dos nossos corações se enlacem em redor da Sua pessoa; de sorte que a nossa separação "deste presente século mau" não seja meramente um coro de princípios frios, mas uma separação afetu­osa porque o objeto das nossas afeições não se encontra aqui. Que o Senhor nos liberte da influência desse egoísmo consagrado e prudente, tão comum no tempo presente, que não pode estar sem religião, mas que é inimigo da cruz de Cristo. O que nós necessita­mos, para podermos resistir com êxito a essa forma terrível de mal, não são formas de ver peculiares, ou princípios especiais ou teorias singulares ou uma fria exatidão intelectual. Necessitamos de uma profunda devoção pela pessoa do Filho de Deus; uma inteira con­sagração de nós próprios, de alma, corpo e espírito ao Seu serviço; e de um ardente desejo do Seu glorioso advento. Estas são, prezado leitor, as necessidades especiais dos tempos em que vivemos. Não quererá, portanto, unir-se, do profundo do seu coração, ao grito: Oh Senhor, vivifica a tua obra! Completa o número dos teus eleitos! Apressa o teu reino, "Vem, Senhor Jesus"!


CAPÍTULOS 4 a 5:13 do livro "Notas sobre o livro de Levítico da coleção pentateuco".


C. H. Mackintosh

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