Aquele Pecado

terça-feira, 26 de janeiro de 2010


Depressão Espiritual 
Capítulo V
Aquele Pecado

"Mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que sou o principal, Jesus Cristo mostrasse toda a sua longanimidade, para exemplo dos que haviam de crer nele para a vida eterna". I Timóteo 1:16

No capítulo anterior, consideramos as pessoas que são infe­lizes e nunca realmente se regozijam em sua vida cristã, porque fracassam em manter um equilíbrio entre a mente, o coração e a vontade. Paulo fala a esse respeito na Primeira Epístola a Timóteo, dizendo que devemos "conservar a fé e a boa consciência, rejei­tando a qual alguns fizeram naufrágio na fé. E entre esses foram Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar" (I Timóteo 1:19-20). Essa falta de equilíbrio é uma das grandes causas, não só de infelicidade, mas de tropeços e fracassos na vida cristã.
Há pessoas que se espantam com isso. Elas têm uma visão volúvel e superficial da vida cristã, achando que, se alguém preen­cheu um cartão de decisão, ele é um cristão, e deve, portanto, ser perfeitamente feliz. Mas, como a experiência e a história da Igreja Cristã claramente demonstram, esse não é o caso, e se adotamos essa perspectiva superficial, não vai demorar para que tenhamos problemas. O fato é que sempre há cristãos enfrentando algum tipo de problema, por várias razões, e não podemos ler as epís­tolas do Novo Testamento sem constatar a verdade do que estou dizendo. Se crer e aceitar a salvação fosse tudo que é preciso, então as epístolas não teriam sido necessárias — na verdade, de certa forma nem haveria necessidade da Igreja. As pessoas seriam salvas e viveriam felizes para o resto das suas vidas como cristãs. Toda­via, temos abundante evidência de que este não é o caso. Essas pessoas no Novo Testamento tinham crido, e se tornaram cristãs, e no entanto foi necessário que os apóstolos Paulo, Pedro, João e outros lhes escrevessem cartas, porque elas estavam enfrentando problemas de um tipo ou outro. Estavam infelizes por várias razões, e não estavam se regozijando na vida cristã. Alguns destes cristãos estavam sendo tentados a olhar para trás, para a vida da qual tinham sido salvos; outros enfrentavam tentações mais sérias, e ainda outros sofriam cruéis perseguições. Assim, a própria exis­tência das epístolas do Novo Testamento nos mostra que abati­mento e infelicidade são condições que afetam o cristão. Existe nisso, portanto, um estranho tipo de consolo, ainda que muito real. Se alguém que está lendo minhas palavras está enfrentando algum problema, deixe-me dizer isto: o fato de que você se sente infeliz ou perturbado não significa que não seja um cristão. Na verdade, digo mais: se você nunca teve problemas em sua vida cristã, eu duvido seriamente que realmente seja um cristão! Existe o que se poderia chamar de falsa paz, assim como há também crença no engano. Todo o Novo Testamento, bem como a história da Igreja através dos séculos, dão testemunho eloquente de fato de que esta é uma "batalha de fé", e não ter qualquer perturbação em sua alma está, portanto, longe de ser um bom sinal. Na verdade, é um sério sinal de que algo está radicalmente errado, e tenho uma boa razão para dizer isso, pois desde o momento em que nos tornamos cristãos, também nos tornamos os objetos especiais da atenção do diabo. Assim como ele assediou e atacou o Senhor, assim ele asse­dia e ataca todo o povo de Deus. "Tende grande gozo", diz Tiago, "quando cairdes em várias tentações" ou provações. É assim que sua fé é provada, pois isso não só é um teste da sua fé, mas de certa forma é também uma evidência de que você tem fé. É porque pertencemos a Deus que o diabo fará tudo que puder para nos perturbar e abater. Ele não pode roubar-nos a nossa salvação, graças a Deus, mas ele pode nos tornar miseráveis. Ele pode — se formos tolos a ponto de lhe dar ouvidos — limitar seriamente nossa alegria da salvação. E é isso que ele tenta fazer constantemente — e esta, por sua vez, é a razão porque temos este ensino nas epístolas do Novo Testamento.
Neste capítulo vamos considerar uma forma muito comum que o diabo usa para nos atacar nesta área. É aquela sugerida não só por este versículo em particular, mas por todo o capítulo neste trecho biográfico — o trecho onde o apóstolo Paulo se refere a si mesmo como um ministro do evangelho do Senhor Jesus Cristo. O problema, aqui, é o caso daqueles que são cristãos miseráveis, ou que estão sofrendo de depressão espiritual por causa do seu passado — ou devido a algum pecado particular em seu passado, ou devido à forma específica que o pecado assumiu em seu caso. Eu diria, baseado em minha experiência no ministério, que se estende já por muitos anos, que não há dificuldade mais comum. Ela ocorre constantemente, e acho que tive de ajudar mais pessoas com este problema em particular, do que com qualquer outra coisa.
À primeira vista, alguns talvez duvidem se tais pessoas são realmente cristãs; mas estão bastante errados. Elas são cristãs. Peça que lhes dêem uma declaração de fé, e o farão perfeitamente. Pa­recem ter uma compreensão bem clara a respeito da justificação pela fé. Quer dizer que entendem claramente que não podem se justificar. Não estão dependendo de suas próprias vidas, ou ativi­dades, ou qualquer coisa que possam fazer. Estão perfeitamente conscientes de sua total incapacidade e total dependência da graça de Deus em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Entendem isso claramente e dão testemunho disso, e creram no Senhor Jesus Cristo. "Mas então", você pergunta, "qual é seu problema?" O problema é que, ainda que tenham uma compreensão clara dessa doutrina básica, e embora falem como cristãos, mesmo assim são infelizes, e são infelizes devido a alguma coisa em sua vida no passado. Eles vêm a você parecendo muito infelizes, miseráveis até, e sempre falam sobre isso — invariavelmente trazem o assunto à tona. Via de regra, é alguma ação, algum ato — que pode ou não ter envol­vido outras pessoas; algum erro cometido por eles mesmos. Geral­mente é uma coisa específica — algo grande. E é a coisa à qual estão constantemente voltando, sempre repisando aquilo, e não podem largá-lo. Estão constantemente analisando-o e escrutinando e se condenando por causa daquilo. E como resultado, sentem-se infelizes. Às vezes é algo que disseram, uma palavra que falaram em certa ocasião.
Vou citar o que considero uma das ilustrações mais gráficas que já encontrei disso em minha própria experiência. Vou citá-la para ilustrar o ponto que estou enfatizando. Lembro-me de um homem que se converteu e se tornou cristão com a idade de 77 anos — uma das conversões mais notáveis que eu já vi. Esse ho­mem tinha vivido de forma muito perversa; havia poucas coisas que ele não tinha feito na vida. Mas ele ouviu a mensagem do evangelho e se converteu na velhice. O grande dia chegou quando ele foi recebido como membro da igreja, e quando ele participou da ceia do Senhor pela primeira vez, no domingo à noite, para ele foi o maior evento de toda a sua vida. Sua alegria era indes­critível, e todos estávamos felizes por ele. Mas houve uma sequela, e foi esta. Na manhã seguinte, antes mesmo de me levantar, aquele pobre homem estava à minha porta, a expressão da miséria e do abatimento, chorando incontrolavelmente. Fiquei assombrado e aturdido, especialmente à luz do que se dera na noite anterior, a maior de sua vida, o clímax de tudo o que já lhe acontecera. Finalmente consegui que ele se controlasse, e então perguntei o que havia acontecido. Seu problema era este: voltando para casa, depois daquele culto da ceia do Senhor, ele de repente se lembrou de algo que acontecera trinta anos antes. Ele estava num bar com um grupo de homens, bebendo e discutindo sobre religião. Naquela ocasião, ele dissera, com desprezo e escárnio, que "Jesus Cristo era um bastardo". E isso voltou à sua memória de repente, e ele sentia que para tal coisa não podia haver perdão. Aquele pecado! Ah, sim, ele não tinha problemas para esquecer a bebedeira, a jogatina, e a imoralidade. Aquilo estava resolvido, estava tudo perdoado. Ele entendia isso claramente. Mas as palavras que havia dito sobre o Filho de Deus, o Salvador do mundo — aquilo! Ele não conseguia encontrar consolo nem conforto. Aquele pecado o jogara nas profundezas do desespero. (Dou graças a Deus que, através das Escrituras, pude restaurar sua alegria). Mas é a esse tipo de coisa que estou me referindo algo que a pessoa disse, ou fez, que a persegue e que volta à sua lembrança, e a torna mise­rável e infeliz, ainda que ela subscreva a fé cristã. Essa condição, que parece contraditória, é uma realidade, e precisamos reconhe­cê-la como tal. Em outros casos pode ser a escravidão a uma pro­messa ou compromisso feito, mas não cumprido, que é a causa do problema. Já testemunhei muitos casos assim, de pessoas que du­rante uma doença fizeram uma certa promessa a Deus, ou assu­miram um compromisso que, se se recuperassem, fariam isso e aquilo. Mas não cumpriram seu voto; na verdade, talvez tenham feito algo que tornou impossível o cumprimento da promessa ou do voto. E essas pessoas se encontram nessa situação infeliz, escra­vizadas por aquilo.
Esse, então, é o problema para o qual estou chamando sua atenção. São pessoas que entendem claramente a doutrina da salva­ção, exceto que no seu caso, sentem que há algo — aquele pecado específico, ou a forma que ele assumiu no caso delas — que de certa maneira as coloca numa categoria diferente. Dizem: "Sim, eu sei — mas. . .". E isso as segura; são cristãos miseráveis, so­frendo de depressão espiritual.
Qual é o problema real aqui? Bem, existem duas explicações principais dessa condição. A primeira e principal delas, é claro, é que tudo isso é obra do diabo, pois embora Satanás não possa roubar-nos a nossa salvação, ele definitivamente pode roubar-nos a nossa alegria. Sua grande preocupação é impedir que as pessoas se tornem cristãs; mas quando isso falha, o seu objetivo então passa a ser o de torná-las cristãs miseráveis, para que então possa apresentá-las a alguém que está sob convicção de pecado, dizendo: "Isso é o cristianismo; olhe para essas pessoas! Aí está um quadro do que é cristianismo! Olhe para essas criaturas miseráveis! Você quer ser assim?" Sem dúvida, a causa essencial da maioria desses problemas é o próprio diabo.
Mas há também uma causa secundária, e isso é o que quero enfatizar aqui. Reitero que esse problema é quase inteiramente devido à ignorância de doutrina — uma falha em entender claramente a doutrina da salvação conforme é apresentada no Novo Testamento; e isto é a essência do tratamento desse problema. Quero expressar isso de forma clara e brusca, para enfatizá-lo, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado. Num certo sen­tido, as pessoas que estão nessa situação não devem orar para serem libertas dela! É o que sempre fazem; e é o que invariavel­mente estavam fazendo quando vêm em busca de ajuda — de fato, é o que geralmente lhes dizem que devem fazer. Ora, o cristão deve orar sempre, o cristão deve "orar sem cessar", mas este é um ponto em que o cristão deve parar de orar por um momento, e começar a pensar! Sim, porque há certos problemas na vida cristã, meu amigo, a respeito dos quais eu digo que, se você não fizer outra coisa além de orar sobre eles, jamais os resolverá. Há ocasiões em que você deve parar de orar, porque sua oração talvez não esteja fazendo mais do que relembrá-lo do seu problema, e mantendo sua mente fixa nele. Então, você precisa parar de orar e começar a pensar, e esclarecer sua doutrina.
E sobre o que deve pensar? A primeira coisa que eu sugeriria, é que pense no caso do apóstolo Paulo, e no que ele diz aqui: "E dou graças ao que me tem confortado, a Cristo Jesus Senhor nosso, porque me teve por fiel, pondo-me no ministério; a mim que dantes fui blasfemo, e perseguidor, e opressor; mas alcancei misericórdia, porque o fiz ignorantemente, na incredulidade. E a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e amor que há em Cristo Jesus. Esta é uma palavra fiel, e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores; dos quais eu sou o principal. Mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que sou o principal, Jesus Cristo mostrasse toda a sua longanimidade, para exemplo dos que haviam de crer nele para a vida eterna". Isto é maravilhoso! Note o que o apóstolo diz: o que ele declara aqui, é que, de certa forma, o Senhor Jesus Cristo o salvou para o apresentar como exemplo. Um exemplo em que sentido? Um exemplo para aquelas pessoas que sentem que o seu pecado, de um modo ou de outro, ultrapassa os limites da graça e da misericórdia de Deus. O argumento do apóstolo é que o seu próprio caso é prova suficiente, de uma vez por todas, que nunca devemos arrazoar dessa forma. Em outras palavras, essas pessoas crêem que existe uma escala de pecados, e fazem distinção entre certos pecados. Elas os classificam, dizendo que alguns são per­doáveis, enquanto que outros, aparentemente, não são. A esses o apóstolo diz que seu próprio caso é mais que suficiente para refutar esse argumento. "O que quer que vocês possam pensar", ele diz, "o que quer que tenham feito, pensem em mim,  pensem no que eu era — blasfemo, perseguidor, opressor". Pode pensar em coisa pior? Ele odiava até o nome de Jesus Cristo de Nazaré, fez tudo que pôde para exterminar Seus seguidores, foi até Damasco, "res­pirando ameaças e morte" contra eles. Esta era sua condição — perseguidor e blasfemo. E ele diz: "Eu sou uma prova ; o que quer que pensem a respeito de si mesmos, comparem isso comigo, e vejam onde estão". Esse é o primeiro argumento. Você pensa no caso dele e diz a si mesmo: "Se ele obteve misericórdia, se ele foi perdoado, eu preciso reconsiderar esse pecado na minha vida". É aí que você começa.
Todavia, o apóstolo não pára aí, porque num sentido não devemos diferenciar um pecado do outro. À primeira vista, o após­tolo parece estar fazendo isso. Ele diz: "Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal", como se estivesse dizendo que há grandes pecadores, médios pecadores e pequenos pecadores. Mas ele não estava dizendo isso. Esta não podia ser a sua intenção, pois estaria contradizendo sua doutrina essencial. O que ele realmente está dizendo é que, quanto mais o homem se aproxima de Deus, tanto maior ele vê o seu pecado. Quando um homem vê a escuridão de sua própria alma, ele diz: "Sou o principal dos pecadores". E somente um cristão pode dizer isso. O homem do mundo nunca fará tal declaração; está sempre querendo provar como ele é bom. Mas Paulo parece estar dizendo mais do que isso, como eu já afirmei. Ele parece sugerir que esses pecados contra a pessoa de Cristo, de certa forma, são o pecado dos pecados. Mas ele então esclarece o que quer dizer com outras palavras: "Porque o fiz ignorantemente, na incredulidade". Colo­cando-o dessa forma, ele derruba essa escala de pecados. Se o exa­minarmos de um certo ângulo, seu pecado foi o pior imaginável, mas de outro ângulo, é a soma de todos os pecados, porque em última análise há somente um pecado, que é o pecado da incre­dulidade.
Essa é a grande doutrina do Novo Testamento sobre esta questão; é o que estas pessoas precisam captar acima de tudo o mais, que não devemos pensar em termos de pecados específicos, e sim sempre em termos de nosso relacionamento com Deus. Todos tendemos a errar nesse ponto. É por isso que temos a tendência de pensar que algumas conversões são mais extraordinárias do que outras. Mas não são. A mesma graça de Deus é necessária para salvar a pessoa mais respeitável do mundo assim como o pecador mais desprezível. Nada além da graça de Deus pode salvar alguém, e a mesma graça é necessária para salvar a todos. Entretanto não pensamos assim. Pensamos que certas conversões são mais notáveis do que outras. Fazemos distinção entre pecado e pecado, e pensa­mos que alguns pecados são piores do que outros, porque nossa doutrina está errada. Tudo volta ao nosso relacionamento com Deus; é tudo uma questão de fé ou incredulidade.
Há muitos exemplo notáveis disso nas Escrituras. A situação em que um homem como José demonstrou seu discernimento e sua compreensão espiritual foi esta. Quando tentado pela mulher de Potifar, ele disse: "Como pois faria eu este tamanho mal, e pecaria contra Deus?" O que perturbava José não era a possibili­dade de pecar contra a mulher, e sim contra o próprio Deus. Ora isso é verdadeira reflexão espiritual. Não devemos pensar tanto no pecado em si. É o que em geral fazemos. Mas o que se constituía em pecado para José era o fato de que envolvia seu relacionamento com Deus — "se eu fizer isso, estarei pecando contra Deus". Davi percebeu a mesma coisa. Assassino e adúltero que era, isto é o que o perturbava: "Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que a teus olhos parece mal". Ele não estava fazendo pouco do mal que cometera contra outros; ele compreendia isso, mas isso não era o pior. Era Deus — seu relacionamento com Deus. No mo­mento em que passamos a pensar nisso, esquecemos de pecados específicos, e esquecemos que um é pior do que outro. "Minha incredulidade", diz Paulo, "isto era o problema" — não certos atos em particular. É o nosso relacionamento com Deus e Suas leis que importa.
O Novo Testamento tem alguns ensinamentos notáveis sobre isto. Acaso já observaram a lista das obras da carne que Paulo nos dá no quinto capítulo da Epístola aos Gálatas? "Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: prostituição, impureza, lascívia". Não temos dúvidas quanto a estes — horríveis! "Idola­tria" — certamente! "Feitiçarias" — é óbvio! Ah, mas de repente — "inimizades". Inimizades? Mas, eu pergunto, o pecado não só se aplica a certas pessoas que são adúlteras e impuras? Não é assim! "... porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias". Observem como ele as misturas — "invejas, homicídios" — sim, não somente o ato, mas no coração. "Bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas". Que lista! E o Senhor disse a mesma coisa quando nos lembrou que "do coração. . . procedem os maus pensamentos, mortes", etc. Ele os ajunta todos, não somente certos grandes pecados, mas todos os pecados, cada pecado, qualquer coisa que sugere um relacionamento errado com Deus — qualquer violação da lei. Tiago esclareceu este ponto de uma vez por todas no segundo capítulo de sua epístola, versículo 10: "Porque qual­quer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos". Portanto, estamos todos no mesmo nível; e se o maligno tentar levá-los a pensar que seu pecado é diferente, res­pondam que não importa qual aspecto particular da lei um homem quebra — se ele quebrou a lei em um só ponto, ele é culpado de todos. Não é aquele ponto em particular que realmente importa; é a lei que importa. Essa é a maneira que Deus vê o pecado. Então, não permitam que o diabo os desviem. É a lei, não um pecado em particular, mas nosso relacionamento com a lei de Deus, e nosso relacionamento com o próprio Deus, que importa.
Isso nos traz ao terceiro ponto. O problema com esse tipo de cristão infeliz, é que ele realmente não crê nas Escrituras. Você já pensou nisso? Já disse: "Meu problema é esse terrível pecado que eu cometi"? Deixe-me dizer-lhe em nome de Deus que esse não é o seu problema. Seu problema é incredulidade. Você não crê na Palavra de Deus. Estou me referindo à Primeira Epístola de João, no primeiro capítulo, onde lemos: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça". Essa é uma declaração categó­rica feita por Deus Espírito Santo através de Seu servo. Não há limites aqui; não há distinção entre pecado e pecado. Não vejo nenhuma classificação. Qualquer que seja o seu pecado — este é o alcance desta declaração — não importa o que é, não importa o que foi, "se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça". Se você não crê nessa palavra, se continua pensando em seu pecado, digo que não está aceitando a Palavra de Deus, não está confiando em Sua Palavra, não acredita no que Ele diz, e isso é o seu  verdadeiro pecado.  Você se lembra do que  aconteceu  a Pedro certa vez? (Leia Atos, capítulo 10). Pedro havia subido ao terraço da casa para orar, quando de repente teve uma visão em que um grande lençol descia do céu, com todo tipo de animal dentro, e ele ouviu uma voz dizendo: "Levanta-te, Pedro; mata e come". Mas Pedro disse: "De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum ou imunda". Você se lembra do que aconteceu? A voz de Deus veio a ele do céu de novo, dizendo:
"Não faças tu comum ao que Deus purificou". "Você percebe o que está fazendo?" era o que Deus estava dizendo; "você está Insistindo em chamar de comum e imundo algo que Eu mandei que matasse e comesse. Não faças tu comum ao que Deus puri-ficou". É precisamente isso que eu diria a qualquer pessoa a quem o diabo escravizou em depressão espiritual por anos, devido a algum pecado em particular, algum evento infeliz de sua vida pas­sada. Não importa o que tenha sido. O que lhe digo, em nome de Deus, é isto: "O que Deus purificou — pelo sangue do Seu unigênito Filho — não o considere comum ou imundo". "O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" — e de toda a injustiça. Creia na Palavra de Deus, meu amigo. Não continue a orar freneticamente para ser perdoado daquele pecado. Creia na Palavra de Deus. Não Lhe peça uma mensagem de perdão. Ele já o lhe deu. A sua oração pode muito bem ser uma expressão do incredulidade neste ponto. Creia nEle e em Sua Palavra.
Outro problema com essas pessoas, é que elas parecem não ter uma compreensão plena do que o Senhor fez na cruz do Calvário. Crêem em sua morte expiatória, mas não entendem as suas implicações. Não captaram a doutrina de forma completa. Sabem o suficiente para serem salvos — estou falando de cristãos, mas estão num estado de depressão porque não entendem ple­namente o que isso significa. Elas esquecem de que o anjo anunciou a José no princípio que Ele "salvaria seu povo dos seus pecados" (Mateus 1:21). O anjo não disse que Ele salvaria de todos os pe­cados exceto daquele pecado que você cometeu. Não! "Ele salvará seu povo dos seus pecados". E ouçam Pedro dizendo a mesma coisa: "Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados" (I Pedro 2:24). Não há distinção aí, não há limite. Ou então, ouçam as palavras do apóstolo Paulo quando diz: "Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós" (II Coríntios 5:21). Todos foram colocados aí, cada um deles, sem limites, nada foi deixado de fora. Todos os pecados do Seu povo estão aí, cada um deles. Realmente, Ele mesmo o disse na cruz, não é mesmo? Ele disse: "Está consumado" — consumado de forma total. Em que sentido? Está consumado no sentido que não só todos os pecados cometidos no passado foram julgados na cruz, mas todos os pecados que ainda viriam a ser cometidos também foram julgados ali. Foi num único sacrifício, de uma vez para sempre. Ele nunca mais voltaria à cruz outra vez.
Todos os pecados foram julgados ali, de forma final e completa — todos. Nada ficou por fazer — "Está consumado!" O que lem­bramos um ao outro, ao tomar o pão e o vinho, e o que procla­mamos, é essa obra consumada. Nada foi deixado sem fazer, não existe qualquer distinção no que se refere a certos pecados em particular. Todos os pecados daqueles que crêem nEle — cada um deles — foram julgados na cruz, e Deus os desfez como a névoa. Todos os pecados que possam vir a cometer já foram julgados ali, portanto, quando vão a Ele, é o "sangue de Jesus Cristo seu Filho" que vai purificá-los.
O próximo passo, portanto, é que precisamos compreender claramente a justificação. Já tratei disso num capítulo anterior, mas quero mencioná-lo de novo. Devemos lembrar que nossa justi­ficação significa não somente que nossos pecados foram perdoados e que fomos declarados justos pelo próprio Deus, no momento em que cremos, mas que fomos declarados permanentemente justos. Porque justificação também significa isso, que Deus nos dá a justiça inegável de Seu próprio Filho, o Senhor Jesus Cristo. É isso que significa justificação. Não somente significa que seus pecados foram perdoados, mas muito mais. Significa também que Ele nos veste com a justiça de Jesus Cristo. Com efeito, Ele diz: "Você é justo; não vejo um pecador, mas um filho justo; Eu vejo você em Cristo, coberto por Sua santidade e justiça". E quando Deus faz isso em nós, Ele o faz de uma vez para sempre. Vocês estão escon­didos, vocês, suas personalidades e suas vidas todas estão cobertas pela justiça de Cristo diante de Deus. Eu digo, portanto, com reverência e com a autoridade da Palavra de Deus, que Deus não mais vê os seus pecados; Ele vê a justiça de Cristo sobre vocês. Tomem posse disso!
Em última análise, tudo se resume nisto, que a causa real do problema é que falhamos em compreender a nossa união com Cristo. Muitos parecem pensar que o cristianismo significa apenas que somos libertos, no sentido de que nossos pecados são per­doados. Mas isso é só o começo, apenas um aspecto. Essencial­mente, salvação significa união com Cristo, ser um com Ele. Assim como éramos um com Adão, agora somos um com Cristo. Fomos crucificados com Cristo — "Estou crucificado com Cristo", diz Paulo. "Tudo o que aconteceu com Ele, aconteceu comigo. Estou unido com Ele". Leiam os capítulos 5 e 6 da epístola de Paulo aos Romanos. O ensino é que morremos com Cristo, fomos sepul­tados com Ele, ressuscitamos com Ele, e estamos assentados nos lugares celestiais em Cristo e com Cristo. Esse é o ensino das Escrituras. "Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Colossenses 3:3). O velho homem foi cru­cificado, com tudo que pertencia a ele. Todos os seus pacados foram julgados. Vocês foram sepultados com Cristo, e ressusci­tarão com Cristo. "Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor" (Romanos 6:11).
Portanto, quero resumir a questão desta forma. Você e eu — e para mim esta é uma das grandes descobertas da vida cristã: eu nunca esquecerei a libertação que a compreensão deste fato me trouxe — você e eu nunca devemos olhar para a nossa vida pas­sada; nunca devemos olhar para nenhum pecado da nossa vida passada de qualquer forma, a não ser aquela que nos leve a louvar a Deus e exaltar a Sua graça em Cristo Jesus. Eu o desafio a fazer isso. Se você olha para o seu passado e isso o deprime, e se como resultado disso você se sente miserável como cristão, pre­cisa fazer o que Paulo fez. "Fui um blasfemador", ele disse, mas não parou aí. O que é que ele diz em seguida? "Sou portanto indigno de ser um pregador do evangelho"? Na verdade, ele diz exatamente o oposto: "Dou graças a Cristo Jesus Senhor nosso, porque me teve por fiel, pondo-me no ministério". Quando Paulo olha para o passado e vê o seu pecado, ele não se encolhe num canto, dizendo: "Não mereço ser um cristão, eu fiz coisas tão terríveis". Ele não faz isso. O efeito do seu passado sobre ele leva-o a dar glória a Deus. Ele se gloria na Sua graça e diz: "E a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e amor que há em Jesus Cristo".
É assim que devemos olhar para o nosso passado. Então, se você olha para o seu passado e se sente deprimido, significa que está dando ouvidos ao diabo. Mas se você olha para o seu passado e diz: "Infelizmente é verdade que o deus deste mundo me cegou, mas louvado seja Deus a Sua graça foi mais abundante; Ele foi mais que suficiente e Seu amor e misericórdia vieram sobre mim de tal forma que tudo foi perdoado; sou uma nova criatura" — então tudo está bem. É assim que devemos olhar para o passado, c se não fazemos isso, quase me sinto tentado a dizer que mere­cemos ser miseráveis. Por que crer no diabo em vez de crer em Deus? Levante-se e compreenda a verdade a respeito de si mesmo, que o passado se foi, que você é um com Cristo, e todos os seus pecados foram apagados de uma vez para sempre. Oh, lembremo-nos que é pecado duvidar da Palavra de Deus, é pecado permitir que o passado, que já foi resolvido por Deus, nos roube da nossa alegria e nossa utilidade no presente e no futuro. Ouça de novo as palavras ditas do céu ao duvidoso, hesitante apóstolo Pedro: "Não faças tu comum ao que Deus purificou". Regozije-se na maravilhosa graça e misericórdia que apagou os seus pecados e o fez um filho de Deus. "Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos".

Martyn Lloyd-Jones

É permitido baixar, copiar, imprimir e distribuir este arquivo, desde que se explicite a autoria do mesmo e preserve o seu conteúdo.

“Todo-Poderoso , aquele que era , que é, e que há de vir.”
“Ora, vem, Senhor Jesus!”

Nenhum comentário: