Mente, Coração e Vontade

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010


Depressão Espiritual 
Capítulo IV
Mente, Coração e Vontade

"Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes chamados". Romanos 6:17

Esta é a versão deste versículo conforme se encontra na Edição Revista e Corrigida da tradução da Bíblia em Português. Na Versão Revisada da língua inglesa, encontramos a expressão "padrão de ensinamento" em vez de "forma de doutrina". Obviamente, as duas frases têm o mesmo significado, e chamo atenção para este versículo porque quero continuar nossa reflexão sobre a causa e a cura da "depressão espiritual" através dele.
Ao fazer isto, notaremos que as formas que este problema pode tomar parecem ser quase infinitas. Ele se apresenta de tantas formas e aspectos diferentes, que muitos tropeçam neste fato. Admiram-se que esta única doença, esta condição espiritual, possa apresentar tantos sintomas e manifestações diferentes, e é claro que a sua ignorância do problema pode levá-los à própria condição que estamos considerando. O tipo de pessoa que pensa que desde o momento que aceitamos o Senhor Jesus Cristo todos os nossos problemas ficam para trás, e "viveremos felizes para sempre" certamente sofrerá de depressão espiritual algum dia. Somos levados a esta vida maravilhosa, a esta condição, pela graça de Deus. Mas não devemos esquecer que contra e acima de nós existe outro poder. Pertencemos ao reino de Deus, mas a Bíblia nos previne que somos confrontados por outro reino, que também é um reino espiritual, e que nos ataca e sitia a toda hora. Enfrentamos uma "luta da fé", e "não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais" (Efésios 6:12). Por isso, temos que estar preparados para a ocorrência desta condição que estamos considerando, e sua manifestação em todos os tipos de pessoas e em muitas formas diferentes.
O que melhor caracteriza as atividades de Satanás é a sua astúcia. Ele não só é capaz e poderoso, ele é astuto; de fato, o apóstolo Paulo nos diz que, se for necessário, ele pode transformar-se num anjo de luz. O que ele mais deseja é arruinar e destruir a obra de Deus. E não há outra obra que ele mais deseja destruir do que a obra da graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, desde o momento em que nos tornamos cristãos, passamos a ser objetos da atenção de Satanás. Por essa razão Tiago diz: "Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações". Devemos nos regozijar, pois isto é uma prova da nossa fé. A partir do momento que nos tornamos cristãos o diabo tenta nos desanimar, e a melhor maneira para ele conseguir isso é fazer com que fiquemos abatidos, ou, segundo Charles Lamb, fazer com que soframos de "caxumba e sarampo" da alma. Cristãos desse tipo são como crianças doentias, que não crescem nem manifestam saúde e vigor; e qualquer cristão nessa condição é, de certa ma­neira, uma negação da sua fé, e isso agrada a Satanás. Por isso, ele está preocupado em produzir essa condição em nós e não há limites para as maneiras em que ela pode nos afetar, e como ela pode se manifestar em nós. Devemos ter em mente que as mani­festações dessa condição são as mais variadas possíveis.
Chamo sua atenção agora para outra causa geral da depressão espiritual, a qual foi mencionada no versículo que estamos consi­derando. Este versículo é uma descrição positiva do cristão, mas podemos usá-lo de forma negativa. A ausência de conformidade com a descrição apresentada neste versículo é uma das causas mais comuns da depressão espiritual. Este versículo oferece uma descri­ção absoluta do cristão. Paulo diz: "Vocês eram servos de Satanás, estavam sob o seu domínio. Estiveram nessa situação, mas não estão mais". Ele agradece a Deus por poder afirmar que, apesar de terem estado nessa situação, agora não estão mais. Por que não? Por esta razão: "Obedecestes de coração à forma de doutrina que vos foi entregue" ou "a que fostes entregues". Ora essa é a des­crição que o apóstolo faz de um cristão.
Notem que o apóstolo Paulo quer enfatizar a totalidade da vida cristã, o equilíbrio da vida cristã. É uma vida na qual há obediência — aí está a vontade, "de coração" — a emoção, a sensibilidade; "à forma de doutrina" — que veio à mente e ao entendimento. Assim, ao descrever o cristão, ele enfatiza que existe uma inteireza na sua vida. O homem está integralmente envolvido: sua mente, seu coração e sua vontade. Uma das causas mais co­muns da depressão espiritual é a falha em reconhecer que a vida cristã é uma vida integral, uma vida equilibrada. A falta de equilí­brio é uma das principais causas de problemas, discórdias e inquie­tações na vida de um cristão.
Mais uma vez devo indicar que a causa desta falta de equilí­brio, receio que muito frequentemente, cai sobre o pregador ou evangelista. Em geral, cristãos desequilibrados são produtos de pregadores ou evangelistas cuja doutrina não possui suficiente equi­líbrio, vigor ou integridade. Através dos nossos estudos, vemos cada vez mais como são importantes as circunstâncias do nasci­mento de um cristão. Às vezes penso que alguém deveria pesquisar e investigar o relacionamento entre a vida posterior do cristão e os meios ou métodos empregados na sua conversão. Tenho certeza que seria muito significativo e interessante. As crianças em geral herdam características dos pais, e recém-convertidos tendem a apre­sentar características parecidas com as pessoas que foram usadas por Deus na sua conversão. Além disso, o tipo de reunião na qual se deu a conversão tende a influenciar a vida posterior do cristão. Isto acontece com mais frequência do que imaginamos. Já mencio­namos isto num dos capítulos anteriores, e é muito importante em relação ao assunto que agora estamos considerando. É isto que explica a existência de diferentes tipos de cristãos que apresentam certas características. Todos os membros de um grupo em geral são muito parecidos, e existe um certo caráter comum entre eles, enquanto que outros são diferentes. Ora, até onde isto é uma reali­dade para nós, até que ponto possuímos estas características pe­culiares associadas a algum tipo particular de ministério, esta é a extensão da probabilidade de sermos vítimas desta falta de equilí­brio que, em última análise, vai se manifestar em infelicidade e miséria.
O apóstolo Paulo levanta este assunto, ao escrever aos cristãos de Roma, pois o mesmo sempre causa problemas de ordem prática. Não podemos saber ao certo se ele imaginou esta situação para poder rebatê-la, ou se ela realmente existia em Roma. Pode ser que realmente havia pessoas que diziam: "Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?" Pode ser também que o apóstolo Paulo, após estabelecer sua doutrina da justificação pela fé, tenha pensado: "Há um perigo em deixar o assunto assim. Algumas pessoas poderão dizer: "Pois bem, deveremos então per­manecer no pecado, para que a graça seja mais abundante?" Ele diz que, onde o pecado abundou antes, a graça foi muito mais abundante. Havia pessoas na Igreja Primitiva que argumentavam assim, e ainda hoje existem pessoas que tendem a fazer a mesma coisa. Elas tomam a seguinte atitude: "Bem, conforme esta dou­trina, não importa o que o homem faça. Quanto mais ele peca, tanto mais Deus será glorificado ao perdoá-lo. Não importa o que eu faço, pois sendo cristão, estou coberto pela graça". Mas, o que o apóstolo Paulo nos diz sobre isso? Ele responde que só pode pensar assim quem não entende o ensinamento. A pessoa que com­preendeu o ensinamento nunca faria deduções deste tipo; seria impossível. Paulo responde imediatamente: "De modo nenhum; vocês que estão mortos para o pecado (é isto que venho pregando), não podem mais viver nele". O cristão está agora "em Cristo", portanto ele não só morreu com Ele, mas também ressuscitou com Ele. Só pode fazer uma pergunta terrível como esta — "devemos permanecer no pecado para que a graças seja mais abundante?" — o homem que realmente não compreendeu o ensinamento. O objetivo do apóstolo neste capítulo é mostrar a importância de compreender o equilíbrio da verdade, a importância de tomar para si o evangelho como um todo e de ver que, se realmente o compreen­demos, ele nos levara inevitavelmente a certas consequências.
Gostaria de dividir o assunto resumidamente. Há certos prin­cípios enunciados aqui. O primeiro é que a depressão espiritual, ou infelicidade na vida cristã, é muitas vezes devida à falha em perceber a grandeza do evangelho. O apóstolo fala sobre "a forma de doutrina a que fostes entregues" e se refere ao "padrão de ensinamento". As pessoas muitas vezes são infelizes na vida cristã porque encaram o cristianismo e toda a mensagem do evangelho em termos inadequados. Algumas pessoas pensam que o cristia­nismo é meramente uma mensagem de perdão. Se lhes perguntarem o que é o cristianismo, responderão: "Se você crê no Senhor Jesus Cristo, os seus pecados são perdoados". E param por aí. Não vão além disso. Essas pessoas são infelizes devido certas coisas em seu passado, e ouvem dizer que Deus quer perdoá-las através de Cristo. Elas recebem o perdão e param ali mesmo — esse é todo o seu cristianismo. Outros concebem o cristianismo apenas como morali­dade. Estes acham que não têm necessidade de perdão, mas buscam um estilo de vida exaltado. Querem praticar o bem neste mundo, e para eles o cristianismo é um bom sistema moral e ético. Tais indivíduos estão destinados à infelicidade. Certos problemas, que não são resolvidos pela moralidade, inevitavelmente surgirão em suas vidas — a morte de um ente querido, problemas em algum relacionamento pessoal. A moralidade e a ética não podem ajudá-los nestes casos, e aquilo que eles consideram o evangelho é inútil nestas situações. Eles se tornam infelizes quando recebem algum golpe porque nunca tiveram uma visão adequada do evangelho. Tiveram somente uma visão parcial; viram somente um aspecto dele. Outros se interessam pelo cristianismo por acharem que é algo bom e bonito. Ele exerce um apelo estético sobre tais pessoas. É nesses termos que eles descrevem o evangelho, e toda a sua mensagem é para eles algo muito lindo e bom, e se sentem melhor ao escutá-lo.
Estou colocando todos estes pontos de vista parciais e incom­pletos em contraste com aquilo que o apóstolo menciona como "forma de doutrina", "padrão de ensinamento", a grande verdade que ele elabora nesta epístola aos Romanos com seus poderosos argumentos e proposições e seus vôos de imaginação espiritual. Isso é o evangelho — todas as "infinidades e imensidades" (para citar uma frase de Thomas Carlyle) desta epístola, e das epístolas aos Efésios e aos Colossenses — esse é o evangelho. Devemos ter uma compreensão precisa destas coisas. Mas alguém pode dizer: "Quando falam sobre a epístola aos Efésios ou a epístola aos Co­lossenses, certamente você não estão falando sobre a mensagem do evangelho. Pela mensagem do evangelho, falamos às pessoas a res­peito do perdão dos pecados." Em certo sentido, isto está correto, mas em outro sentido, está errado. Eu recebi uma carta de um homem que assistiu aqui a uma reunião de domingo à noite e ele disse que fez uma descoberta; descobriu que num culto evange­lístico também havia algo para os convertidos. Ele disse: "Eu nunca linha compreendido que isso poderia acontecer. Não sabia que num mesmo culto, uma mensagem evangelística podia ser pregada aos não-crentes, e que ao mesmo tempo haveria uma mensagem para os convertidos, a qual poderia perturbá-los". Ora aquele ho­mem estava fazendo uma grande confissão. Ele estava me reve­lando qual era o seu ponto de vista do evangelho até aquele ponto. Tinha uma compreensão parcial, incompleta, selecionando apenas uma ou duas coisas. Não, a maneira certa de evangelizar é trans­mitir "todo o conselho de Deus". Mas as pessoas dizem que estão muito ocupadas, ou que não podem seguir tudo aquilo. Eu gostaria de lembrar-lhes que o apóstolo Paulo pregava esse tipo de coisa a escravos. "Não foram chamados muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento". Isto foi o que ele lhes deu — esta tremenda apresentação da verdade. O evangelho não é algo parcial ou frag­mentado; ele envolve a vida inteira, toda a história, o mundo inteiro. Ele nos fala sobre a criação e sobre o julgamento final, e tudo que está entre os dois. É uma visão completa da vida, e muitos são infelizes na vida cristã porque nunca compreenderam que esta maneira de viver trata da totalidade da vida do homem, e cobre cada aspecto de sua experiência.. Não há um aspecto da vida sobre o qual o evangelho não tem algo a dizer. A totalidade da vida deve estar debaixo da influência do evangelho porque ele engloba tudo; o evangelho deveria controlar e governar tudo em nossa vida. Se não compreendemos isso, mais cedo ou mais tarde nos encontraremos numa situação infeliz. Muitos estão destinados a ter problemas porque se entregam a estas dicotomias não-bíblicas e prejudiciais, e só aplicam seu cristianismo a certos aspectos de suas vidas. Tais problemas são inevitáveis. Essa é a primeira coisa que vemos aqui. Devemos compreender a grandeza do evangelho, a sua vasta e eterna dimensão. Precisamos enfatizar muito mais as riquezas destes grandes absolutos da doutrina, e desfrutarmos delas.
Não devemos permanecer apenas nos quatro Evangelhos; é onde começamos, mas temos de ir em frente; e quando virmos isto em operação, e colocado dentro do seu grande contexto, compreende­remos o verdadeiro poder do evangelho, e como a nossa vida toda deve ser governada por ele.
  Isso nos traz ao segundo ponto, o qual é que como falhamos muitas vezes em compreender a grandeza e a amplitude da men­sagem, também falhamos em compreender que o homem deve estar envolvido nela, e por, ela, de forma total — "viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues". O homem é uma criatura maravilhosa; ele é mente, coração e vontade. Estes são os três principais elementos que constituem o homem. Deus lhe deu mente, coração e vontade pela qual ele pode agir. Ora, uma das maiores glórias do evangelho é esta: que ele envolve o homem todo. De fato eu vou ao ponto de afirmar que não existe outra coisa que faça o mesmo; somente este evangelho, esta visão completa da vida, da morte e da eternidade, é suficientemente grande para envolver o homem por completo. É devido não com­preendermos isso que surgem muitos dos nossos problemas. Nós é que somos parciais na nossa resposta a este grande evangelho.
Deixem-me sugerir alguns detalhes para confirmar e fortalecer o meu ponto de vista. Há pessoas que parecem colocar em uso somente a cabeça — o intelecto, o entendimento. Elas nos dizem que estão tremendamente interessadas no evangelho como um ponto de vista, como uma filosofia cristã. Elas estão sempre falando sobre as perspectivas cristãs, ou, usando a gíria atual, as "percepções cristãs". É algo puramente filosófico, coisa inteiramente intelectual. Eu acho que concordariam que há muitas pessoas tomando esta posição hoje em dia. Para elas o cristianismo é um assunto de tremendo interesse, e acreditam e proclamam que se este ponto de vista cristão fosse aplicado na política, na indústria e em todos os outros círculos, todos os nossos problemas seriam resolvidos. Este é o ponto de vista e atitude inteiramente intelectual.
Há outros, talvez não tantos quanto no passado, cujo único interesse no evangelho é a teologia, a doutrina, a metafísica, os grandes problemas, argumentos e discussões. Eu falo de dias pas­sados, dias que se foram. Eu não quero defendê-los, mas eles eram infinitamente preferíveis àqueles que assumem a posição do pre­sente acima mencionada. Havia pessoas então cujo único interesse no evangelho era relativo a problemas teológicos, e argumentavam e discutiam sobre eles. Suas mentes estavam muito envolvidas; este era o seu interesse e seu passatempo intelectual. Contudo, a tragédia é que tudo se limitava a esse interesse, e seus corações nunca tinham sido tocados. Não havia somente a ausência da graça do Senhor Jesus Cristo nas suas vidas, mas havia também frequentemente a ausência dos princípios elementares da bondade humana. Aqueles homens discutiam e quase brigavam por causa de certas doutrinas, mas eram difíceis de serem abordados. Nunca leríamos ido a eles com algum problema, pois teríamos sentido que eles não iriam entender nem se compadecer. Pior ainda, a verdade pela qual tanto se interessavam não era aplicada às suas vidas; era algo confinado aos seus gabinetes pastorais. A verdade não modificava a sua conduta ou comportamento em nada, pois estava confinada à mente apenas. Obviamente, mais cedo ou mais tarde, seu destino era cair em dificuldades e em confusão. Já tive­ram a oportunidade de ver um homem desse tipo enfrentando o final da sua vida? Já o viram quando ele não pode mais ler, ou quando está à beira da morte? Eu já vi um ou dois, e não quero ver outro. É terrível quando o homem chega ao ponto em que sabe que vai morrer, e o evangelho sobre o qual tanto discutiu, argu­mentou e até "defendeu", parece não ajudá-lo, porque na verdade nunca se tornou parte da sua vida. Era apenas um passatempo intelectual.
No entanto há outros casos em que o evangelho parece afetar somente o coração. Estes são mais comuns hoje em dia. São pessoas que tiveram uma libertação emocional; passaram por uma crise emocional. Não quero menosprezar isto, mas há um perigo muito real em ter uma experiência unicamente emocional. Estas são pessoas que talvez tenham algum problema em suas vidas; talvez tenham cometido algum pecado específico. Tentaram esquecê-lo, mas não conseguiram libertar-se. Enfim ouvem uma mensagem que parece libertá-las desse pecado, e aceitam e tudo fica bem. Mas param nesse ponto. Queriam uma libertação desse problema em particular, e a conseguiram. Ela pode ser obtida mediante uma apresentação incompleta do evangelho, e leva a uma experiência parcial e incompleta. Tais pessoas tiveram uma experiência emo­cional e nada mais, porque foi isso mesmo que desejaram.
Ou pode ser que essas pessoas tinham um interesse natural pelo misticismo e por fenômenos místicos. Algumas pessoas já nascem místicas; parece que há algo diferente nelas, algo "do outro mundo", e elas se interessam pelo misticismo. Há um grande interesse por esses assuntos hoje em dia; nos fenômenos psíquicos, em experiências extra-sensoriais. Sempre houve gente interessada nesse tipo de coisa. São místicos naturais, e sentem-se atraídos por algo que parece estar oferecendo alguma experiência espiritual ou mística. Aproximam-se das Escrituras porque sentem que nelas encontrarão satisfação para este desejo por tal tipo de experiência. Procuram isso, e o encontram. E não conseguem mais nada.
Ou pode ser que certas pessoas estão nesta posição, simples­mente porque são comovidas esteticamente pela apresentação do evangelho, pela atmosfera da igreja, pelos vitrais coloridos, pelos monumentos, pelo ritual, pelos hinos cantados, pela música, pelo sermão — por qualquer uma ou por todas estas coisas. A vida tem sido dura e cruel, e elas se tornaram amargas devido às circuns­tâncias. Mas vão a um certo culto, e de alguma forma sentem-se confortadas e aliviadas, e se satisfazem e se contentam com isso. É tudo que elas queriam. Obviamente o que estavam procurando, e não querem mais nada. Sentem-se felizes e vão embora. Entre­tanto, tão certamente quanto fazem isso, um dia irão se encontrar em apuros ou numa situação em que aquilo que obtiveram não as ajudará em nada. Algum dia terão de enfrentar uma crise e encará-la até o fim; mas nunca aprenderam a pensar em soluções. Elas se contentavam em viver de acordo com seus sentimentos e emoções.
Outros estão nesta posição, posição que vê um lado somente, porque responderam a um apelo numa reunião. Eu me recordo de um grupo de pastores que me contaram como trabalharam na sala de aconselhamento de um evangelista famoso, em visita a este país, o qual agora é um homem idoso e aposentado do ministério. Esses pastores perguntavam às pessoas que vinham à sala de aconselha­mento por que haviam vindo. Muitas vezes a pessoa respondia que não sabia. E os pastores então perguntavam: "Mas você veio à sala de aconselhamento; por que fez isso?" E a resposta era: "Eu vim porque o pregador disse que devíamos fazer isso". Esse pregador tinha o maravilhoso e excepcional dom de contar histó­rias. Sabia dramatizar, e frequentemente terminava a sua mensa­gem com uma história comovente. Então fazia um apelo para que as pessoas viessem à frente, e como numa espécie de transe, elas andavam pelos corredores até a sala de aconselhamento, sem saber o que estavam fazendo. Estavam comovidas e fascinadas, mas pa­recia não haver nenhuma concepção da verdade, não havia qual­quer relacionamento com a "forma de doutrina a que fostes entre­gues". Movidos pela emoção, e por nada mais, estes indivíduos entravam na sala  de aconselhamento. Ora, é inevitável que tais pessoas, mais cedo ou mais tarde, venham a enfrentar problemas. Serão infelizes e miseráveis, e entrarão em depressão. São as pes­soas que têm algo no coração, mas suas mentes não estão nem um pouco envolvidas, e infelizmente muitas vezes nem mesmo a vontade foi envolvida. Elas se contentam em se alegrar emocio­nalmente e em experimentar sentimentos, e não estão nem um pouco preocupadas em aplicar a verdade em suas mentes e sua vontade.
Então, finalmente, acontece a mesma coisa com as pessoas que deixam que somente a sua vontade seja envolvida. É possível, e infelizmente já aconteceu, que certas pessoas são persuadidas a adotar o cristianismo. Elas afirmam que acreditam que esta é uma boa maneira de viver, e solenemente decidem seguí-la. Acho que devemos abolir este vocábulo "decisão". Não gosto dele. Para mim, falar sobre a decisão por Cristo parece ser uma negação do texto que estamos considerando, como vou mostrar-lhes. O fato de alguém "tomar uma decisão" frequentemente acontece como resul­tado de um apelo. Se a vontade dos homens é fartamente bombar­deada, certas vontades certamente responderão. Tomarão uma de­cisão porque foram chamados para isso, porque foram pressionados a tomar uma decisão. A vontade foi pressionada. Foi dito a eles que devem decidir, e eles decidem, porém muitas vezes não sabem por que o fazem. E mais tarde começarão a fazer perguntas; o diabo cuidará para que surjam perguntas em suas mentes. E des­cobrirão que não têm respostas para elas.
Quero resumir este ponto desta maneira: estas são as pessoas que decidem adotar o cristianismo, em vez de serem dominadas por ele. Elas nunca conheceram este constrangimento, este senti­mento que diz: "Eu nada posso fazer, por isso, ajuda-me, Senhor", e que tudo mais deve ser excluído, que a verdade falou de tal maneira que elas têm de aceitá-la. É isto que Paulo está dizendo neste capítulo. "De maneira nenhuma", ele diz. "Do que é que vocês estão falando? Não sabem o que é verdade? Como podem dizer: permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante? Isto significa que vocês não sabem o que é a graça". Somente pessoas que entenderam a verdade desejam obedecê-la. A tragédia das outras é que nunca a entenderam realmente.
Isso, então, é a causa do problema. Quero contudo enfatizar uma coisa. Às vezes, como já mostrei, encontramos pessoas que têm somente uma parte da sua personalidade envolvida — somente a cabeça, o coração, ou unicamente a vontade. Concordaremos que elas devem estar erradas. Sim, mas sejamos claros sobre isto; também é errado envolver apenas duas partes da personalidade. É igualmente errado envolver a mente e o coração sem a vontade; ou a mente e a vontade sem o coração, assim como o coração e a vontade sem a mente. Creio que é isso que o apóstolo está enfati­zando. A posição cristã é tripla; são os três juntos, os três ao mesmo tempo, e os três sempre. Um grande evangelho como este envolve o homem por completo, e se o homem inteiro não está envolvido, ele deve refletir novamente sobre a sua posição real. "Obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entre­gues". Que evangelho! Que mensagem gloriosa! Pode satisfazer completamente o intelecto do homem, pode comover o coração inteiramente, e pode levar a uma obediência total de coração no domínio da vontade. Esse é o evangelho. Cristo morreu para que pudéssemos ser homens completos, não apenas para que partes de nós pudessem ser salvas; não para que fôssemos cristãos parciais, mas para que houvesse um equilíbrio em nós.
Todavia, não é só isso; se nos falta esta proporção, enfrenta­remos problemas mais tarde, porque o homem foi criado por Deus dessa maneira equilibrada. Já pensou nisso alguma vez? É inte­ressante do ponto de vista psicológico notar como Deus colocou estes três poderes dentro de nós — a mente, o coração e a vontade. E que poderes tremendos são eles! Talvez pensaríamos que seria impossível co-existirem estas três forças na mesma pessoa, mas Deus fez o homem perfeito e completo. Podemos ver isso de forma perfeita no Senhor Jesus Cristo; e o objetivo da salvação é trazer-nos a essa perfeição, conformando-nos à Sua imagem a tal ponto que os efeitos e os traços do pecado são removidos e destruídos.
Quero dizer uma palavra final sobre este equilíbrio. Estas coisas devem vir sempre na ordem correta. Há uma ordem definida neste versículo, e a ordem obviamente é esta: estas pessoas eram escravas, presas pelo pecado, e deixaram de o ser. Por quê? O apóstolo diz que a "forma de doutrina" veio a elas — "obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues". Elas viviam em escravidão. O que as libertou? A verdade foi apresentada a elas! Não foram simplesmente comovidas emocionalmente na área do coração; não foi meramente um apelo à vontade. Não, a verdade foi apresentada. Devemos colocar estas coisas sempre na ordem certa, e a verdade é a primeira. Primeiro a doutrina, primeiro o padrão de ensinamento, primeiro a mensagem do evangelho. Não estamos preocupados somente em atrair as pessoas emocionalmente ou na área da vontade; estamos preocupados em "pregar a Palavra". Os apóstolos não foram enviados simplesmente para produzir re­sultados e mudar as pessoas. Eles foram enviados para "pregar o evangelho", para "pregar a verdade", para pregar e proclamar "Jesus e a ressurreição" — esta mensagem, esta forma de doutrina, este depósito! Estes são os termos usados no Novo Testamento, e a Igreja certamente produzirá monstruosidades espirituais se não colocar isto em primeiro lugar.
O cristão deve saber por que ele é cristão. O cristão não é alguém que simplesmente diz que algo de maravilhoso lhe acon­teceu. De maneira nenhuma; ele está apto e pronto para "dar uma razão sobre a esperança que está nele". Se não pode fazer isso, deve certificar-se melhor da sua posição. O cristão sabe por que ele é o que é, e em que pé está. A doutrina foi apresentada a ele, ele recebeu a verdade. Ela veio à sua mente e deve sempre começar em sua mente. A verdade chega à mente e ao entendimento ilumi­nado pelo Espírito Santo. E depois que o cristão compreende a verdade, ele a ama. Ela comove o seu coração. Ele vê o que ele era, vê a vida que vinha levando, e a odeia. Se alguém enxerga a verdade quanto à sua escravidão pelo pecado, odiará a si mesmo. Depois, ao enxergar a gloriosa verdade sobre o amor de Cristo, ele vai querê-la, vai desejá-la. Assim o coração é envolvido. Enxer­gar a verdade realmente significa que somos comovidos por ela, que nós a amamos. Não pode ser de outra forma. Se enxergamos a verdade com clareza, vamos senti-la. E isto leva ao passo seguinte — o nosso maior desejo será praticar e viver a verdade.
Este é todo o argumento de Paulo. Ele diz: "A sua conversa sobre permanecer no pecado é inadmissível. Se vocês compreen­dessem a sua união com Cristo, que foram plantados com Ele na semelhança da Sua morte, e portanto ressuscitados com Ele, então jamais pensariam em falar assim. Vocês não podem ser unidos' com Cristo e ser "um" com Ele, e ao mesmo tempo perguntar: "Permaneceremos no pecado?" Será que esta grande verdade me dá licença para continuar fazendo aquelas coisas que antes eram atraentes para mim? Claro que não! É inconcebível. O homem que sabe e acredita que ele "ressuscitou com Cristo", inevitavelmente desejará caminhar nesta nova vida com Ele.
É assim que Paulo coloca o seu grande argumento e demons­tração, e disso eu tiro a minha conclusão final: que ao lidar com esta área, devemos compreender que quando falamos aos outros, não devemos abordar diretamente o coração. Vou mais adiante; a vontade também não deve ser abordada diretamente. Este é um princípio muito importante que devemos "ter em mente, tanto no tratamento pessoal, como na pregação. O coração deve ser influen­ciado sempre mediante o entendimento — primeiro a mente, depois o coração, e em terceiro lugar a vontade. Não temos o direito de atacar diretamente o coração dos outros, e nem mesmo o nosso. Eu conheci homens de vida perversa que encontravam falso con­forto (para a sua própria condenação) no fato de que ainda con­seguiam chorar e comover-se emocionalmente numa reunião reli­giosa. Eles argumentavam: "Eu não posso ser totalmente mau, ou então eu não reagiria desta maneira". Mas esta é uma dedução falsa — a sua reação emotiva era produzida por eles mesmos. Se fosse uma resposta à verdade, as suas vidas teriam sido mudadas. Não devemos abordar nunca o coração ou a vontade do homem diretamente. A verdade é recebida através da maior dádiva de Deus ao homem, isto é, a mente e o entendimento. Deus criou o homem segundo a Sua própria imagem, e não há dúvida de que a parte principal desta imagem é a mente com sua capacidade de compreender a verdade. Deus nos deu este dom, e é através dele que Ele nos envia a verdade.
No entanto, que ninguém pense, de modo algum, que tudo termina no intelecto. Começa ali, mas depois continua. Ele então toca o coração e finalmente o homem entrega a sua vontade. Ele obedece sem lamentações e sem falta de vontade, e sim, de todo o coração. A vida cristã é uma vida perfeita e gloriosa, que envolve e cativa a personalidade inteira. Oh, que Deus nos faça cristãos equilibrados, homens e mulheres de quem possa ser dito que estão obedecendo totalmente, de coração, à forma de doutrina que nos foi entregue.

Martyn Lloyd-Jones

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“Todo-Poderoso , aquele que era , que é, e que há de vir.”
“Ora, vem, Senhor Jesus!”

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