Vejo os homens como árvores que andam

domingo, 3 de janeiro de 2010


Depressão Espiritual 
Capítulo III
Vejo os homens como árvores que andam

"E chegou a Betsaida; e trouxeram-lhe um cego, e rogaram-lhe que lhe tocasse. E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os vejo como árvores que andam. Depois tornou a pôr-lhe as mãos nos olhos, e ele, olhando firmemente, ficou restabelecido, e já via ao longe e distintamente a todos. E mandou-o para sua casa, dizendo: Não entres na aldeia". Marcos 8:22-26

Quero chamar sua atenção para este incidente, como parte de nossas considerações sobre o tema que estamos examinando e que denominei "depressão espiritual".
Estamos considerando este assunto, não somente porque é um fato triste e trágico que um cristão possa se sentir deprimido e miserável, mas também por causa da situação geral da Igreja atualmente. Não hesito em afirmar, novamente, que uma das razões por que a Igreja Cristã exerce tão pouca influência no mundo moderno, é que tantos cristãos estão nesta condição. Se todos os cristãos começassem a agir e a viver conforme o Novo Testamento ensina, a Igreja não enfrentaria problemas para evangelizar. A questão se resolveria por si mesma. É porque estamos falhando como cristãos em nossa vida diária, comportamento e testemunho, que a Igreja exerce tão pouca influência e tão poucos são atraídos a Deus através do Senhor Jesus Cristo. Portanto, por esse motivo tão premente, é imprescindível que tratemos desta questão.
Já fizemos uma análise geral do problema, e no capítulo ante­rior consideramos um aspecto específico dele. Vimos que há alguns cristãos nesta condição porque nunca realmente entenderam com clareza a grande doutrina básica da justificação pela fé. Na ver­dade, essa foi a causa de todo o problema antes da Reforma protestante. A Reforma trouxe paz, felicidade e alegria à vida da Igreja, de uma forma que ela não tinha conhecido desde os pri­meiros séculos, e tudo aconteceu porque a doutrina básica da justificação pela fé foi redescoberta. Ela fez Martinho Lutero se regozijar e cantar, e ele por sua vez foi usado para levar outros a discernir esta grande verdade. Ela produziu essa grande alegria na Igreja; e, se por um lado hesitamos em declarar que aqueles que não entenderam esta questão com clareza não sejam cristãos, por outro lado, é um fato que no momento que a enten­dem, imediatamente deixam de ser cristãos miseráveis e se tornam cristãos radiantes.
Vamos passar agora para o passo seguinte, e quero conside­rá-lo à luz deste extraordinário incidente na vida e no ministério do nosso bendito Senhor, registrado em Marcos 8:22-26. Obser­varão imediatamente que estamos tratando de um caso completa­mente diferente; e este quadro ilustra isso de forma bastante clara. Em vários aspectos é o mais extraordinário de todos os milagres realizados por nosso Senhor e Salvador. Lembram-se dos detalhes do que Ele fez por esse homem cego? Ele o tomou pela mão, levou-o para fora da aldeia, cuspiu nos seus olhos, impôs as mãos sobre ele, e então perguntou ao homem se podia ver alguma coisa. O homem disse: "Sim, vejo. Vejo os homens como árvores andando". Então o Senhor pôs as mãos novamente sobre os olhos do homem e desta vez a sua vista foi restaurada, e ele "viu distintamente".
Isto, obviamente, é algo de significação muito profunda. O que aconteceu neste caso não foi acidental. Temos outros exemplos em que o Senhor curou pessoas cegas, e é evidente que Ele poderia ter curado este homem instantaneamente, dizendo apenas: "Recebe a vista". Nosso Senhor tinha esse poder; nada era impossível para Ele. Já tinha feito isso antes, e podia fazê-lo novamente. Então, o que Ele fez aqui foi feito deliberadamente e com um propósito. Nada que o Senhor Jesus fez foi feito a esmo ou acidentalmente. Todas as Suas ações eram deliberadas e quando Ele mudava Seu método, sempre tinha uma razão muito boa para fazer isso. Não havia nada particularmente difícil neste caso; a variação no trata­mento não era causada por isso. Era devida ao plano determinado pelo próprio Senhor, de operar o milagre desta forma a fim de ensinar uma lição e comunicar uma certa mensagem. Em outras palavras, todos os milagres do Senhor foram mais do que simples eventos — de certa forma, eles também foram parábolas. Isso não quer dizer que não cremos nos incidentes em si como sendo fatos reais na história. Estou simplesmente declarando que um milagre é também uma parábola, e se isso é verdade a respeito de todos os milagres, é especialmente verdade a respeito deste aqui. De fato, pois o Senhor obviamente mudou o método aqui a fim de ensinar uma lição vital e importante.
Eu concordo com aqueles que sugerem que talvez a lição principal aqui tivesse em vista particularmente os discípulos. Lem­bram-se do que aconteceu antes? Eles se esqueceram de levar pão no barco, e por isso tinham apenas um consigo. Começaram então a se preocupar com isso, e ficaram perturbados. Nosso Senhor ao falar com eles no barco, disse: "Guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes"; e eles arrazoavam entre si, dizendo: É porque não temos pão". Visto que Ele mencionou a palavra "fermento", pensaram que ele estava falando de pão! Eram literalistas, faltava-lhes entendimento espiritual, e por isso a pala­vra "fermento" fez com que pensassem apenas em pão e no fato de terem se esquecido de levar um suprimento. Por essa razão estavam perturbados e apreensivos, e o Senhor lhes fez uma série de perguntas penetrantes, terminando com esta: "Não compreen­destes ainda?" É como se dissesse: "Aqui estou eu, pregando a vocês e lhes ensinando, e parece que ainda não entendem. Estão perturbados porque têm somente um pão, e no entanto testemu­nharam dois milagres, os quais provam que com apenas alguns pães e peixes eu posso alimentar milhares de pessoas; como é que ainda não entendem?" Eu creio que Ele tratou do homem cego daquela maneira a fim de lhes dar uma imagem deles mesmos. Ele adorou esta técnica registrada aqui, para que os discípulos pudessem se ver a si mesmos, como realmente eram.
Mas há um sentido mais profundo aqui; é uma lição perma­nente para o povo de Deus. É uma mensagem terrível. Estou ansioso para chamar sua atenção para isso porque há muitas pessoas que são como este homem, e há muitas pessoas que parecem ainda estar no primeiro estágio que este homem atravessou, no processo de ser curado. Nosso Senhor cuspiu nos seus olhos e perguntou: "Pode ver alguma coisa?" E ele respondeu: "Vejo os homens, como árvores andando". Entendem a sua situação? É difícil des­crever este homem. Não podemos mais dizer que ele é cego. Não podemos dizer que ainda é cego, porque pode ver; mas hesitamos em dizer que ele pode ver, porque vê os homens como árvores andando. Então — ele é cego, ou não é? Quase sentimos que a única coisa que se pode dizer, é que ele ao mesmo tempo é cego, e não é. Ele não é uma coisa nem outra.
Ora, essa é precisamente a condição que estou ansioso por abordar aqui. Eu me preocupo com aqueles cristãos que se sentem inquietos e infelizes e miseráveis por causa desta falta de clareza. É quase impossível defini-los. Vocês às vezes falam com uma pessoa assim, e pensam: "Este homem é um cristão". E então o encontram novamente, e ficam em dúvida, e pensam: "Certamente ele não pode ser cristão, se fala dessa maneira ou age dessa forma". Cada vez que se encontram com esse homem, a impressão que têm dele é diferente; e nunca têm certeza se ele realmente é um cristão ou não. Vocês não se satisfazem em dizer que ele vê, ou que não vê. Além disso, o problema é que não só os outros pensam isso a respeito de pessoas desse tipo, mas muitas vezes elas sentem isso a respeito de si mesmas. Eu digo isso a favor delas, pois se sentem infelizes porque não têm certeza a respeito da sua própria situação. Às vezes, depois de assistir a um culto, elas dizem: "Sim, eu sou um cristão; eu creio nisso". Então alguma coisa acontece, e passam a pensar: "Não posso ser um cristão. Se eu fosse cristão, não teria tais pensamentos, ou não sentiria o desejo de fazer as coisas que faço". Por isso sentem-se tão perplexas a respeito de si mesmas, como os outros cristãos que as observam. Ora sentem que são cristãos, ora sentem que não são. Parecem saber o suficiente a respeito do cristianismo para não sentirem prazer nas coisas do mundo; mas não sabem o bastante para se sentirem felizes consigo mesmos. Não são "nem quentes, nem frios". Eles vêem, e ao mesmo tempo não vêem. E acho que concordarão comigo que estou descrevendo a situação de um grande número de pessoas. É uma situação dolorosa, e minha mensagem, como podem imaginar, é que ninguém deve viver nessa situação, nem deve permanecer nela.
Vamos seguir o ensino do nosso Senhor. A melhor maneira de fazer isso é colocar o caso dessas pessoas numa forma diferente. Tenho falado até aqui de modo geral. Quero agora entrar em alguns aspectos específicos para ajudar essas pessoas a se verem a si mesmas, e também para ajudar a todos nós a discernir esta condição. O que é que essas pessoas podem ver? Elas vêem algu­ma coisa. Este homem disse: "Sim, eu vejo, vejo homens, mas alguma coisa está errada, porque os vejo como árvores andando".
O que essas pessoas vêem? Muitas vezes elas sabem que alguma coisa está errada. Sentem-se infelizes consigo mesmas. Alguma coisa aconteceu com elas que lhes deu um sentimento de insatisfação a respeito de si mesmas. Houve uma época em que se sentiam perfeitamente felizes com as coisas como eram. Levavam a sua vida como queriam, e pensavam que não havia nada de errado com isso. Mas não são mais assim. Alguma coisa lhes aconteceu, que lhes deu uma percepção completamente dife­rente do tipo de vida que estava vivendo. Não preciso entrar em detalhes; basta que pensem em pessoas que estão vivendo este tipo de vida, pessoas que devoram mexericos de jornal, e conside­ram maravilhosa e invejável a vida da alta sociedade, e sentem que "aquilo, sim, é que é vida". Mas estas pessoas não são mais assim. Começaram a perceber o vazio, a inutilidade, a completa falsidade daquilo tudo, e sentem-se profundamente insatisfeitas com esse tipo de vida. Percebem que, mesmo à parte de tudo o mais, não é uma escolha inteligente, que é um tipo de vida completamente vazia. Tornam-se infelizes com sua situação, dizen­do que não podem continuar assim. Há muitas pessoas nessa situa­ção, e muitas delas passam por esse estágio. É um estágio em que o homem vê que tudo o mais está errado, embora ainda não tenha visto que o cristianismo está certo. E isso muitas vezes o leva ao cinismo, e até mesmo ao desespero.
Tenho visto muitos exemplos dramáticos disso. Lembro muito bem o caso de um homem que era um cirurgião extraordinário em Londres, de muita proeminência. Subitamente, para assombro de lodos que o conheciam, ele anunciou que tinha desistido de tudo c se tornara um médico de navio. O que aconteceu com esse homem foi o seguinte: ele era muito famoso em sua profissão, e tinha ambições perfeitamente legítimas com respeito a certas honras cm sua profissão. Mas desapontamentos a esse respeito de repente lhe abriram os olhos para toda a situação, e ele concluiu que não havia satisfação duradoura na vida que estava levando. Ele perce­beu tudo isso, mas não se voltou para Cristo. Simplesmente tornou-se cínico, e deixou tudo. E tem havido outros exemplos notáveis de homens que abriram mão de tudo e foram para algum lugar isolado onde encontraram uma certa medida de paz e felicidade, sem se tornarem cristãos. Essa é uma possibilidade.
Mas eles podem até mesmo ir além, e perceber as qualidades superiores da vida cristã, como estão expressas no Sermão do Monte. Dizem: "Não há dúvida que a vida cristã é única vida real; se tão somente todos vivessem assim!" Talvez tenham lido as biografias dos santos e reconhecido que esses homens tinham algo maravilhoso em suas vidas. Houve um tempo em que não tinham qualquer interesse nisso, mas agora passaram a compreen­der que a vida descrita no Sermão do Monte é a única que vale a pena viver; e também, lendo I Coríntios, capítulo 13, dizem: "Se apenas todos vivêssemos assim, este mundo seria um paraíso". Eles passaram a perceber isso com muita clareza.
E podem até mesmo ter ido mais além, concordando que Jesus Cristo é a única esperança, que Ele é, de algum modo, o Salvador. Notem como expressei isto: que Jesus Cristo é, "de algum modo", o Salvador. Chegaram a ver que Ele poderia aju­dá-los, e que o cristianismo é a única esperança para o mundo, e de algum modo percebem e sabem que essa Pessoa — Jesus — pode ajudá-los. Houve um tempo em que não estavam interessados, quando O puseram de lado, sem qualquer consideração mais séria; mas isso mudou. Compreendendo o vazio deste mundo, e vendo o tipo de vida vivida por certos cristãos, e sabendo que Jesus Cristo é a razão dessa diferença, percebem que de algum modo Ele deve ser o Salvador. Por isso estão interessados nEle, e querem saber mais a Seu respeito. Até aí eles vêem claramente.
Podemos dizer ainda mais sobre eles, isto é, ao contrário das pessoas de que falamos no capítulo anterior, estes indivíduos perceberam que não podem salvar a si mesmos. O problema do homem que não tem uma compreensão clara da justificação pela fé é que ele ainda está tentando se justificar; mas estes indivíduos sabem que não podem fazer isso. Tentaram muitas vezes, e estão insatisfeitos; e, vendo a verdadeira natureza da qualidade de vida cristã, compreendem que o homem não pode alcançar esse ideal. Compreendem que não podem salvar a si mesmos.
"Certamente", alguém dirá, "você foi longe demais, você lhes dá crédito demais!" Não! Eu estou simplesmente descrevendo o que essas pessoas podem ver, da mesma forma que aquele homem cego, quando Jesus lhe perguntou: "Podes ver?" respondeu: "Sim". Ele certamente podia ver, podia ver homens. E essas pessoas che­garam a ver alguma coisa, talvez até mesmo chegaram a ver todas estas coisas que estou descrevendo aqui.
Todavia, preciso dizer também que ainda estão confusas, que ainda não podem ver com clareza. Podem apenas ver homens "como árvores andando". Em que aspecto isto é verdade sobre elas? O problema aqui é saber o que deixar de fora; mas eu vou tentar selecionar o que considero as três coisas mais impor­tantes.
A primeira coisa é que essas pessoas não têm uma compreen­são clara de certos princípios. É por isso que tomei o cuidado de dizer que compreenderam que Cristo é "de algum modo" o Salvador. Mas elas não compreendem de que forma Ele é o Sal­vador. Não têm uma compreensão clara, por exemplo, da morte de Cristo, e sua absoluta necessidade. Não têm certeza sobre a doutrina do novo nascimento. Se falarmos com elas a respeito destas coisas, vamos descobrir que estão cheias de confusão e perplexidade. Essas pessoas dizem que não vêem, e estão certas! Elas não vêem, elas não entendem por que Cristo teve que morrer, e não vêem a necessidade do novo nascimento. Já temos visto esse tipo de gente; pessoas que estão descontentes com sua vida, e louvam a vida cristã; estão sempre prontas a falar sobre Cristo como Salvador, mas ainda "não podem ver" certas verdades. O resultado é que se sentem perturbadas, infelizes e miseráveis.
A segunda coisa que não vêem claramente é que seu coração não é totalmente envolvido. Ainda que possam ver muitas coisas, sua felicidade realmente não está no cristianismo nem na posição cristã. Por alguma razão, não encontram alegria verdadeira na fé cristã. Precisam constantemente trazer isso à memória, e às vezes tentam forçar essa atitude em si mesmos. Não são felizes; sua alegria — se é que têm alguma — ainda parece provir de outras fontes. Seu coração não é completamente envolvido. E eu men­ciono estas coisas aqui porque espero poder tratar delas detalha­damente mais adiante. No momento estou dando uma visão resu­mida da condição geral.
A terceira coisa a respeito das pessoas que estamos discutindo, c que sua vontade está dividida. São rebeldes, e não conseguem entender por que é que um homem, só porque se declara cristão, (em que fazer certas coisas e deixar de fazer outras. Acham que isso é ser tacanho. Por outro lado, condenam sua vida passada e aceitam a vida cristã de forma geral. Reconhecem Cristo como Salvador; todavia, quando se trata de aplicar Seus ensinos, ficam confusas e não conseguem discernir a questão com clareza. Estão sempre argumentando, sempre perguntando se é certo fazer isto ou aquilo. Há uma ausência de tranquilidade na esfera da vontade. Não estou apresentando uma caricatura dessas pessoas. Estou ciando uma descrição muito literal, exata e detalhada delas. Muitos de nós passamos por este estágio, e sabemos disso por experiência própria; e, como o Senhor adotou este método no caso do homem cego, Ele parece fazer coisa similar na conversão. Há pessoas que vêem as coisas claramente de uma vez; mas há outras que passam por estágios. Estamos tratando aqui daquelas que atravessam este estágio específico, e é assim que eu descreveria sua condição.
Quero aqui passar para o ponto seguinte. Por que, quando o Senhor Jesus estava ensinando, Ele apresentou aquela série de perguntas aos discípulos, e então demonstrou tudo desta forma dramática, através deste incidente? Ou, para expressá-lo de uma forma diferente, quais são as causas desta condição? Por que deveria alguém passar por esta situação indefinida, cristão e não cristão, como se fosse "sim e não" ao mesmo tempo? Não há dúvida que às vezes a responsabilidade é inteiramente do evange­lista usado para despertá-los. Os evangelistas muitas vezes são a causa do problema. Na sua ansiedade de ver resultados, muitas vezes causam este problema.
Mas nem sempre é culpa do evangelista; com frequência a culpa é da própria pessoa, e vou mencionar algumas das maio­res razões por que "acaba nesta situação. Primeiro, em geral essas pessoas protestam contra definições muito precisas e limitadas. Elas não gostam de nada que seja muito claro e absoluto. Não precisamos entrar nas razões específicas disso. Eu acho que elas se opõem à clareza de pensamento e definição por causa de suas exigências. O tipo mais confortável de religião é sempre uma reli­gião vaga, nebulosa e incerta, cheia de fórmulas e rituais. Não me surpreende que o catolicismo romano atraia certas pessoas. Quanto mais vaga e indefinida a sua religião, mais confortável ela será. Não há coisa mais incômoda do que verdades bíblicas que exigem decisões. Por isso, essas pessoas dizem: "Você está sendo muito rígido, está sendo muito legalista. Não, não, eu não gosto disso. Eu creio no cristianismo, mas você está sendo muito rígido e tacanho em seus princípios. Vocês conhecem esse tipo de pessoa. Mas, se começarem com a teoria que o cristianismo não é definido, não se surpreendam se acabarem como este homem, vendo "homens, como árvores andando". Se começarem sua vida e experiência cristã dizendo que não querem uma perspectiva exata ou uma definição precisa para sua fé, vocês provavelmente não a terão! A segunda causa, e muitas vezes o grande problema com essas pessoas, é que elas nunca aceitam completamente os ensinos e a autoridade das Escrituras. Suponho que, em última análise, esta é a grande causa do problema. Elas não se submetem totalmente à autoridade da Bíblia. Se tão somente nos aproximássemos dela como crianças, com uma aceitação sem reservas, permitindo que a Bíblia fale conosco, este problema não existiria. Essas pessoas não fazem isso ;elas misturam suas próprias idéias com verdades espirituais. Naturalmente, elas afirmam que se baseiam nas Escri­turas, porém — e esta é a palavra fatal — imediatamente passam a modificá-las. Aceitam certas idéias bíblicas, mas há outras idéias e filosofias, remanescentes de seu velho estilo de vida, que dese­jam conservar consigo. Misturam idéias naturais com idéias espiri­tuais. Dizem gostar do Sermão do Monte e de I Coríntios 13; declaram crer em Cristo como Salvador, mas argumentam que não devemos ser muito extremistas nestas questões, que devemos ser moderados. Então começam a modificar as Escrituras. Recusam-se a aceitar sua autoridade em todos os aspectos — na pregação e na vida, na doutrina e na sua visão do mundo. "As circunstâncias mudaram", dizem; "e a vida não é mais o que costumava ser. Estamos vivendo no século vinte!" E mudam a Bíblia aqui e ali, adaptando-a às suas próprias idéias, em vez de aceitarem a doutrina das Escrituras do começo ao fim, reconhecendo a irrelevância dessa conversa sobre o século vinte. A Bíblia é a Palavra de Deus, ela é eterna, e porque ela é a Palavra de Deus, devemos nos submeter a ela, e confiar que o Senhor use Seus próprios métodos à Sua própria maneira.
Uma outra causa deste problema é que quase invariavel­mente suas vítimas não estão interessadas em doutrina.. Vocês estão interessados em doutrina? Às vezes essas pessoas são tolas ao ponto de contrastar o que consideram "leitura espiritual das Escrituras" com doutrina. Dizem que não estão interessadas em doutrina, que gostam de exposição bíblica mas não de doutrina. Declaram crer nas doutrinas que estão expostas na Bíblia, e que provém da Bíblia, porém (é incrível, mas é verdade) elas estabelecem este contraste fatal entre exposição bíblica e dou­trina. No entanto, qual é o propósito da Bíblia, senão de apre­sentar doutrina? Qual é o valor da exposição bíblica, se ela não nos levar à verdade? Mas não é difícil entender sua posição. É a doutrina que fere, é a doutrina que define as coisas. É uma coisa apreciar as histórias e se interessar por palavras e nuanças de sentido. Isso não perturba, não focaliza a atenção no pe­cado, nem exige uma decisão. Podemos relaxar e apreciar isso; contudo a doutrina fala conosco e exige uma decisão. Doutrina é verdade, e ela nos examina e nos prova e nos força a uma auto-análise. Então, se começamos com objeções à doutrina como tal, não é de surpreender que não vejamos com clareza! O propósito de todos os credos elaborados pela Igreja Cristã, bem como todas as confissões de fé e doutrina, ou dogmas, foi de capacitar as pessoas a verem com clareza. Foi por isso que foram formulados. Nos primeiros séculos do cristianismo o evangelho foi pregado de geração a geração. Mas algumas pessoas começaram a ensinar coisas erradas. Por exemplo, alguns começaram a dizer que Cristo realmente não veio em forma humana, e sim que era uma aparição espiritual. Uma variedade de idéias começou a sur­gir, levando muitos à confusão e perplexidade. Por isso, a Igreja começou a formular suas doutrinas na forma do Credo dos Após­tolos e outros. Vocês acham que os país da Igreja fizeram essas coisas simples porque gostava de fazê-las? Não. Eles tinham em vista um propósito muito mais prático. A verdade deve ser definida e preservada, para que as pessoas não andem em erros. Então, se temos objeções à doutrina, não é da admirar que não vemos as coisas com clareza, ou que nos sentimos infelizes e miseráveis. Não há nada que ajude tanto um homem a ter clareza em sua visão espiritual, como uma compreensão das doutrinas da Bíblia.
A última explicação desta condição que eu mencionarei aqui é o fato que muitas pessoas não captam as doutrinas das Escrituras em sua ordem correta. Este é um ponto importante, e espero poder me aprofundar nele mais adiante. Mas sei disso por experiência pessoal. É importante que tomemos as doutrinas das Escrituras em sua ordem certa. Se tomarmos a doutrina da regeneração antes da doutrina da expiação, teremos problemas. Se estamos interessados no novo nascimento e em termos uma nova vida, antes que tenha­mos uma visão clara de nossa posição diante de Deus, cairemos em erro, e eventualmente nos sentiremos miseráveis. O mesmo se aplica se tomarmos santificação antes da justificação. As doutrinas devem ser tomadas na ordem certa. Em outras palavras, podemos resumir isso tudo, dizendo que a grande causa do problema que estamos considerando é uma recusa em persistir e examinar as coisas até o fim. É o perigo fatal de querer aproveitar algo antes de realmente captá-lo e tomar posse dele. Homens e mulheres que se recusam a. perscrutar as coisas, que não querem aprender nem querem ser ensinados, por várias razões — às vezes em auto-defesa — em geral são as pessoas que se tornam vítimas desta confusão espiritual, esta falta de clareza, este problema de ver e não ver ao mesmo tempo.
Isso nos traz à última pergunta. Qual é a cura deste problema? Por enquanto vou dar princípios, apenas. O primeiro é evidente: acima de tudo evitem declarar prematuramente que sua cegueira foi curada. O homem do nosso texto deve ter sido tentado a fazer isso. Ele tinha sido cego. O Senhor cuspiu em seus olhos e disse: "Podes ver?" O homem respondeu: "Posso". Como ele devia ter se sentido tentado a sair correndo e anunciando a todo mundo: "Posso ver!" De certa forma, ele podia ver, mas sua visão era incompleta e imperfeita, e era vital que não desse testemunho antes de ver claramente. É uma grande tentação, e eu posso entendê-la, mas fazer isso é fatal. Muitos estão fazendo tal coisa atualmente (e são incentivados e encorajados a fazer isso), proclamando que vêem, quando é tão claro para os outros que eles não vêem claramente, e realmente ainda estão muito confusos. E acabam preju­dicando muita gente. Descrevem homens a outros "como árvores andando", e acabam confundindo outras pessoas!
A segunda coisa é o oposto da primeira. A tentação do pri­meiro é correr e proclamar que pode ver, antes de poder enxergar claramente; mas a tentação do segundo é se sentir totalmente sem esperança, e dizer: "Não adianta continuar. Puseste cuspe nos meus olhos, e me tocaste. De certa forma eu vejo, mas vejo homens como se fossem árvores andando". Pessoas assim muitas vezes vêm falar comigo, dizendo que não conseguem ver a verdade com clareza. Em sua confusão ficam desesperadas e perguntam: "Por que não posso ver? Isso tudo não adianta". Param de ler suas Bíblias, param de orar. O diabo já desencorajou muitos com suas mentiras. Não dêem atenção a ele!
Qual, então, é a cura? Qual é o caminho certo? É ser sincero, e -responder a pergunta do Senhor com honestidade e franqueza. Este é o segredo da questão. Jesus Se voltou para o homem, di­zendo: "Podes ver?" E o homem disse, com absoluta franqueza: "Eu vejo, mas vejo homens como se fossem árvores andando". O que salvou este homem foi sua honestidade. A pergunta, então, é: qual é nossa posição? O propósito deste sermão é justamente tratar desta pergunta: qual é nossa posição? O que vemos, real­mente? Vemos as coisas com clareza? Somos felizes? Vemos real­mente? Ou vemos, ou não vemos — e precisamos saber exatamente qual é nossa posição. Conhecemos a Deus? Conhecemos Jesus Cristo? Não somente como nosso Salvador, mas será que O conhe­cemos realmente? Estamos nos regozijando com "alegria indizível e cheia de glória"? Esse é o cristão do Novo Testamento. Podemos ver? Vamos ser francos; vamos enfrentar a questão, e vamos fazê-lo com absoluta honestidade.
E depois? Bem, o último passo é submeter-se a Ele, submeter-se a Ele tão completamente como este homem fez. Ele não fez objeções ao tratamento suplementar, mas regozijou-se com o mesmo, e creio que se o Senhor não tivesse dado aquele passo adicional, o homem teria Lhe pedido que o fizesse. E você, meu amigo, pode fazer o mesmo. Venha à Palavra de Deus. Pare de fazer perguntas. Comece com as promessas, em sua ordem certa. Diga: "Quero a verdade, não importa o preço". Ligue-se a ela, submeta-se a ela, submeta-se totalmente como uma criança e implore que Ele lhe dê visão clara, visão perfeita, e que o faça, uma pessoa completa. E ao fazer isso, é meu privilégio lembrar você que Ele pode fazê-lo.
Sim, e mais, eu lhe prometo, em Seu bendito nome, que Ele vai fazê-lo. Ele nunca deixa nada incompleto. Esse é o ensino. Ouça-o. Este homem foi curado e restaurado, e passou a ver tudo distinta­mente. A posição cristã é uma posição clara. Não fomos destinados a permanecer numa situação de dúvida e apreensão, de incerteza e infelicidade. Você acha que o Filho de Deus veio do céu, viveu entre nós e fez tudo que a Bíblia registra, morreu numa cruz e foi sepultado e ressuscitou; que Ele subiu aos céus e enviou o Espírito Santo, para nos deixar num estado de confusão? É impossível! Ele veio para que pudéssemos ver com clareza, para que pudés­semos conhecer a Deus. Ele veio para nos dar vida eterna, "e a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus ver­dadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste". Se você se sente infeliz a respeito de si mesmo, como resultado deste exame, busque ao Senhor, busque a Sua Palavra, espere nEle, suplique a Ele, apoie-se nEle, ore a Ele com as palavras do hino:
Santo Espírito, luz divina,
Ilumina a minha alma;
Palavra de Deus, luz interior,
Desperta meu espírito, abre meus olhos.
Ele Se comprometeu a fazê-lo, e Ele o fará, e você não mais será um cristão incerto, vendo e não vendo; mas será capaz de dizer: "Eu vejo; vejo nEle tudo que necessito, e mais, e sei que pertenço a Ele".


Martyn Lloyd-Jones


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“Todo-Poderoso , aquele que era , que é, e que há de vir.”
“Ora, vem, Senhor Jesus!”

Um comentário:

nilson cortonez disse...

ola .meu nome é nilson eu queria saber se o homem era cego como ele conhecia arvores .pra ele falar assim ele ja devia ter visto arvores .talvez não fosse cego de nascença.