sábado, 13 de fevereiro de 2010
Depressão Espiritual
Capítulo X
Onde está a sua fé?
"E aconteceu que, num daqueles dias, entrou num barco com seus discípulos, e disse-lhes: passemos para a outra banda do lago. E partiram. E, navegando eles, adormeceu; e sobreveio uma tempestade de vento no lago e enchia-se dágua, estando em perigo. E, chegando-se a ele, o despertaram, dizendo: Mestre, Mestre, perecemos. E ele, levantando-se, repreendeu o vento e a fúria da água; e cessaram, e fez-se bonança. E disse-lhes: Onde está a vossa fé? E eles, temendo, maravilharam-se, dizendo uns aos outros: Quem é este, que até aos ventos e à água manda, e lhe obedecem?" Lucas 8:22-25
Quero chamar sua atenção particularmente para esta pergunta que foi dirigida por nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo aos Seus discípulos. Ele lhes disse: "Onde está a vossa fé?" Na verdade, quero chamar sua atenção para todo este incidente como parte da nossa consideração do assunto da depressão espiritual. Já consideramos várias causas dessa condição, e este incidente particular na vida e ministério do nosso Senhor nos traz face a face com mais uma causa.
A causa que é tratada aqui, é o problema e a questão da natureza da fé. Em outras palavras, há muitos cristãos que têm problemas, e são infelizes de vez em quando, porque não entenderam a natureza da fé. "Bem", talvez digam, "se não entenderam a natureza da fé, como podem ser cristãos?" A resposta é que o que torna alguém um cristão é que a ele é dado o dom da fé. O dom da fé nos é dado por Deus através do Espírito Santo, e nós cremos no Senhor Jesus Cristo, e isso nos salva; mas isso não significa que entendemos completamente a natureza da fé. Então acontece que, embora possamos ser verdadeiramente cristãos e genuinamente salvos através do recebimento desse dom da fé, podemos subsequentemente cair em problemas em nossa experiência espiritual porque não entendemos realmente o que é a fé. Ela nos é dada como um dom, mas daí para a frente há certas coisas que precisamos fazer a respeito.
Ora, este incidente notável realça a importância vital de distinguir entre o dom da fé original e o andar pela fé, ou a vida de fé que vem subsequentemente. Deus nos dá o início nessa vida cristã, e então temos que andar nela. "Andamos por fé, e não pelo que vemos" é o tema que estamos considerando.
Antes de entrar na discussão deste assunto, devo dizer algumas palavras a respeito deste incidente. Examinado de qualquer ponto de vista, é um incidente muito interessante e de grande importância. Tem muito a nos dizer, por exemplo, sobre a pessoa do nosso Senhor. Ele nos traz face a face com o que é descrito como um paradoxo, a aparente contradição na pessoa do nosso Senhor Jesus Cristo. Ali estava Ele, fatigado — tão cansado, na verdade, que Ele adormeceu. Este acontecimento está registrado pelos três chamados evangelhos sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas, e é realmente importante do ponto de vista de entender a pessoa de Jesus Cristo. Olhem para Ele. Não há qualquer dúvida a respeito da Sua humanidade. Ele está fatigado, está cansado, tanto que Ele cai no sono, e continua dormindo mesmo em meio à tempestade. Ele é sujeito à fraqueza, Ele é homem de carne e osso, como qualquer um de nós. Ah, sim, mas espere um pouco. Eles O acordam, dizendo: "Mestre, não te importa que pereçamos?" Então Ele Se levantou, repreendeu o vento e a fúria da água, e cessaram, e fez-se bonança. Um dos outros evangelhos diz "grande bonança". Ora, não é de surpreender que os discípulos, vendo tudo isso, se admiraram e disseram uns aos outros: "Quem é este, que até os ventos e à água manda, e lhe obedecem?" Homem, e no entanto, gloriosamente Deus. Ele podia comandar os elementos, podia silenciar o vento e acalmar a fúria da água. Ele é Senhor da natureza e da criação; Ele é Senhor do universo. Este é o mistério e a maravilha de Jesus Cristo — Deus e homem, duas naturezas, sem se misturar, e no entanto residentes na mesma pessoa.
Devemos começar aqui, porque se não temos isso claro em nossa mente, não faz sentido prosseguir. Se não crêem na deidade singular do Senhor Jesus Cristo, não são cristãos, o que quer que sejam. Não estamos apenas olhando para um bom homem, não estamos apenas interessados no maior mestre que o mundo já viu; estamos face a face com o fato que Deus, o Filho eterno, veio a este mundo e tomou sobre Si a natureza humana, e habitou entre nós, um homem entre homens — Deus-Homem. Estamos face a face com o mistério e a maravilha da encarnação e do nascimento virginal. Está tudo ali, e brilha em toda a plenitude de sua extraordinária glória. "Que espécie de homem é este?" Ele é mais que um homem. Esta é a resposta — Ele também é Deus.
Entretanto, esse não me parece ser o propósito especial deste incidente. Achamos essa revelação em outras passagens também, ela brilha através de todos os Evangelhos; mas os incidentes específicos que ela se evidencia, em geral também têm alguma mensagem especial e peculiar para nos ensinar. Neste caso, não resta dúvida que a mensagem é a lição referente aos discípulos em sua situação neste ponto — é a grande lição sobre a fé e a natureza ou o caráter da fé. Não sei o que pensam, mas eu não cesso de ser grato a esses discípulos. Sou grato pelo registro de cada erro e engano que cometeram, porque posso me ver a mim mesmo neles. Como devemos ser gratos a Deus que temos estas Escrituras, como devemos ser gratos que Ele não Se limitou a nos deixar o evangelho apenas. Como é maravilhoso que podemos ler relatos como esse, e ver-nos a nós mesmos retratados neles, e como devemos ser gratos a Deus que Sua Palavra é divinamente inspirada e diz a verdade, mostrando e retratando cada fraqueza humana.
Vemos, então, o Senhor repreendendo esses homens. Ele os repreende por causa do seu medo, por causa do seu terror, por causa da sua falta de fé. Ali estavam eles no barco, junto com Jesus, e a tempestade se levantou, e logo estavam em dificuldades. Eles tentaram tirar a água do barco, mas ele estava enchendo cada vez mais, e viram que em pouco tempo iriam naufragar. Tinham feito tudo que podiam, mas não parecia adiantar, e ficaram assombrados que o Mestre ainda estava dormindo profundamente na popa do barco. Então eles O acordaram e disseram: "Mestre, Mestre, perecemos. Tu não Te preocupas?" E Ele Se levantou, e tendo repreendido o vento e o mar, fez-se grande bonança.
Devemos observar esta repreensão com cuidado, e entender o que Ele está dizendo. Em primeiro lugar, Ele os estava repreendendo por estarem em tal situação. "Onde está a vossa fé?", Ele pergunta. Mateus diz: "Homens de pouca fé". Aqui, como nas outras passagens, "Ele se maravilhou com sua falta de fé". Ele os repreendeu por estarem em tal estado de agitação e terror e alarme enquanto Ele estava com eles no barco. Essa é a primeira grande lição que precisamos aplicar a nós mesmos e uns aos outros. É muito errado para um cristão se achar em tal estado. Não importa quais sejam as circunstâncias, o cristão não deveria ficar agitado, o cristão jamais deveria ficar fora de si, o cristão nunca deveria chegar a uma condição em que não tenha controle de si mesmo. Essa é a primeira lição, uma lição que enfatizamos antes porque é uma parte essencial dos ensinos do Novo Testamento. Um cristão nunca deveria, como a pessoa do mundo, ficar deprimido, agitado, alarmado, frenético, sem saber o que fazer. É a reação típica a problemas da parte daqueles que não são cristãos, e é por isso que está errado ficar assim. O cristão é diferente de outras pessoas, ele tem algo que o não-cristão não possui, e o ideal para o cristão é o que o apóstolo Paulo expressou tão bem no capítulo quatro de Filipenses: "Aprendi a contetar-me com o que tenho. . . Posso todas as coisas naquele que me fortalece". Essa é a posição cristã, é assim que o cristão deve ser. Ele nunca deve ser arrastado por suas emoções, quaisquer que sejam elas — nunca. Isso sempre é errado num cristão. Ele deve sempre ser controlado, como espero mostrar aqui. O problema com esses homens era que eles não tinham domínio próprio. Por isso eles eram infelizes, por isso estavam agitados e alarmados, apesar do Filho de Deus estar com eles no barco. Não há como enfatizar esse ponto em demasia. Eu o apresento como uma simples proposição, que um cristão nunca deve perder o controle, nunca deve estar num estado de agitação, terror ou alarme, quaisquer que sejam as circunstâncias. Essa é, obviamente, a primeira lição. A situação desses homens era alarmante. Estavam em perigo, e parecia que iam se afogar a qualquer momento, mas o Senhor de fato disse: "Vocês não deviam estar nessa condição. Como meus seguidores, vocês não têm o direito de estar em tal estado, ainda que estejam em perigo".
Essa é a primeira grande lição, e a segunda é que o que está tão errado em estar nesta condição, é que implica falta de confiança nEle. Esse é o problema, e é por isso que é tão repreensível. Por isso Ele repreendeu os discípulos naquele ponto. Ele disse, na verdade: "Você se sentem assim, apesar de eu estar aqui com vocês? Vocês não confiam em mim?" Em Marcos lemos que eles disseram: "Mestre, não se te dá que pereçamos?" Eu não creio que eles estivessem se referindo apenas a si mesmos ou sua própria segurança. Não creio que fossem tão egocêntricos. Não creio que, eles simplesmente estivessem dizendo: "Não Te importas que nós vamos nos afogar?" sem se preocuparem com Ele. Creio que O estavam incluindo também, e pensavam que todos eles iam se afogar. "Mestre, não se te dá que pereçamos?" Mas ainda assim, tal agitação e alarme sempre incluem uma implícita falta de confiança nEle. É uma falta de fé em Sua preocupação por nós e Seu cuidado conosco. Significa que assumimos o controle e nós mesmos vamos cuidar da situação, sentindo que Ele não Se preocupa, ou que talvez não possa fazer coisa alguma para nos ajudar. Isso é o que torna essa questão tão terrível, mas eu me pergunto se sempre estamos conscientes disso. Parece óbvio, quando olhamos para a situação objetivamente, como no caso destes discípulos; mas quando estamos agitados ou perturbados, sem sabermos o que fazer, e damos a impressão de grande tensão nervosa, qualquer um que olhe para nós tem o direito de dizer: "Essa pessoa não tem muita fé no seu Senhor. Não parece haver muita vantagem em ser cristão, não parece haver muito valor no cristianismo, a julgar por essa pessoa". Durante a guerra todos nós estivemos sujeitos a tais provações de uma forma excepcional, mas mesmo agora em tempos de paz, qualquer coisa que surge em nosso caminho e nos coloca em dificuldades, imediatamente revela se realmente cremos e confiamos nEle, devido nossa reação. Para mim, portanto, parece que temos estas duas grandes lições aqui. Nunca devemos permitir que a agitação ou a perturbação nos controlem, não importa quais sejam as circunstâncias, porque fazer isso implica em falta de fé, falta de confiança em nosso bendito Senhor e Deus.
Contudo, vamos examinar a passagem em detalhe, vamos captar alguns princípios gerais deste incidente e seus grandes ensinos. Antes de tudo, examinando toda essa questão da fé, quero dizer algo sobre o que chamo a "prova da fé". As Escrituras estão repletas deste tema. Vejam o capítulo onze da Epístola aos Hebreus. Essa passagem é, de certa forma, nada mais que uma grande exposição deste tema — a prova da fé. Cada um desses homens foi testado. Eles receberam grandes promessas, e as haviam aceitado, e então tudo aparentemente começou a dar errado. Aconteceu com todos eles. Pensem na prova enfrentada por um homem como Noé, no teste que Abraão enfrentou, os testes que homens como Jacó, e especialmente Moisés, tiveram que enfrentar. Deus dá o dom da fé, e então essa fé é provada. Pedro, em sua primeira epístola, no primeiro capítulo, diz exatamente a mesma coisa. Ele diz: "Ainda que agora.. . estejais contristados por um pouco", devido a certas circunstâncias, o objetivo disso é que "a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória na revelação de Jesus Cristo". Esse é o tema de toda as Escrituras. Ele é encontrado na história dos patriarcas e de todos os santos do Velho Testamento, como também através de todo o Novo Testamento. Na verdade, é de forma peculiar o tema do último livro da Bíblia, o livro do Apocalipse.
Vamos deixar a questão bem clara. Precisamos começar entendendo que podemos nos encontrar numa posição em que nossa fé vai ser provada. Tempestades e provações são permitidas por Deus. Se estamos vivendo a vida cristã, ou tentando vivê-la no momento, na suposição que significa apenas vir a Cristo e então que nunca mais teremos qualquer preocupação na vida, estamos abrigando um terrível engano. É um erro e não é verdade. Nossa fé vai ser provada, e Tiago chega ao ponto de dizer: "Tende grande gozo quando cairdes em várias tentações (ou provações)" (Tiago 1:2). Deus permite tempestades, Ele permite dificuldades, Ele permite que os ventos soprem e o mar se enfureça, e que tudo pareça estar dando errado e que nós mesmos estejamos em perigo. Precisamos aprender e entender que Deus não toma o Seu povo e o leva a algum tipo de Campos Elísios em que estão protegidos de toda e qualquer infelicidade ou problema. Não — nós continuamos vivendo no mesmo mundo que os demais. Na verdade, o apóstolo Paulo parece ir ainda mais longe, dizendo aos filipenses: "Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele" (Filipenses 1:29). "No mundo", disse o Senhor, "tereis aflições; mas tende bom animo, eu venci o mundo" (João 16:33). "Tende bom ânimo" — sim, mas lembrem-se que terão tribulações. Paulo e Barnabé, visitando as igrejas durante suas viagens missionárias, advertiram-nas que "por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus" (Atos 14:22).
Precisamos começar entendendo que "estar prevenido é estar armado de antemão" neste assunto. Se temos uma concepção mágica da vida cristã, certamente vamos ter problemas, porque quando as dificuldades vierem, seremos tentados a perguntar: "Por que isto foi permitido?" E nunca deveríamos fazer essa pergunta. Se entendêssemos esta verdade fundamental, nunca faríamos tal pergunta. Nosso Senhor dorme e permite que o temporal venha. A situação pode realmente se tornar desesperadora, e nossas vidas podem aparentemente estar em perigo. Tudo parece estar contra nós, entretanto — bem, um poeta cristão o expressou por nós: Quando tudo parece estar contra nós, para nos levar ao desespero. . .Mas ele não se deixa desesperar, porque continua dizendo: Sabemos que há uma porta aberta, Alguém ouvirá nossa oração.. A situação pode parecer desesperadora: "Tudo parece contra nós, para nos levar ao desespero". Vamos então estar preparados para isso. Sim, mas devemos fazer mais que isso. Enquanto tudo isso está acontecendo conosco, o Senhor parece estar totalmente indiferente. É aí que entra o verdadeiro teste da fé. O vento e as ondas eram terríveis, e a água estava entrando no barco. Isso era terrível, mas o que mais os aterrorizou foi a aparente indiferença do Senhor. Adormecido, aparentemente sem se importar. "Mestre, não se te dá que pereçamos?" Ele parece indiferente, sem Se preocupar conosco, nem consigo mesmo, com Sua causa ou Seu reino. Imaginem os sentimentos daqueles homens! Eles O tinham seguido, ouviram Seus ensinamentos sobre a vinda do reino, tinham visto Seus milagres e estavam esperando que coisas maravilhosas acontecessem; e agora parecia que tudo ia acabar em naufrágio e afogamento. Que anticlimax, e tudo por causa da Sua indiferença! Somos realmente muito inexperientes na vida cristã se não sabemos algo a respeito disso. Será que todos nós não conhecemos algo dessa situação de provas e dificuldades, sim e de uma sensação de que Deus parece não Se importar? Ele nada faz a respeito. "Por que Ele permite que eu, um cristão, sofra nas mãos de não-cristãos?" muitos perguntam. "Por que Ele permite que as coisas dêem errado comigo, e não com outra pessoa?" "Por que esse homem é bem sucedido, enquanto que eu sou um fracasso? Por que Deus não faz nada a respeito?" Com que frequência cristãos fazem essas perguntas! Eles têm indagado isso sobre a situação geral da Igreja hoje em dia. "Por que Ele não envia um reavivamento? Por que permite que humanistas e ateus tenham tanta proeminência? Por que Ele não interfere e faz algo, por que Ele não reaviva Sua obra?" Quantas vezes somos tentados a dizer tais coisas, exatamente como aqueles discípulos no barco!
O fato de Deus permitir essas coisas, e que muitas vezes parece até indiferente a respeito, realmente constitui o que estou descrevendo como a prova da fé. Essas são as condições sob as quais nossa fé é testada e provada, e Deus as permite, Deus permite tudo isso. Tiago chega até nos dizer que devemos "ter grande gozo" quando essas coisas nos acontecem. Este é um grande tema — a prova da fé. Não falamos muito sobre isso hoje em dia, não é? Mas se voltássemos ao século dezessete ou dezoito, descobriríamos que era um tema muito familiar. Creio que em certo sentido era o tema central dos puritanos. Certamente teve proeminência mais tarde no grande avivamento evangélico do século dezoito. A prova da fé, e como ter vitória sobre essas coisas, o andar pela fé e a vida de fé eram seus temas constantes.
Vamos agora passar para a segunda pergunta. Qual é a natureza da fé, o caráter da fé? Esta, acima de tudo, é a mensagem particular deste incidente, e sinto que se revela de forma especialmente clara no registro do Evangelho de Lucas. É por isso que estou analisando o incidente baseado nesse Evangelho, e enfatizando a forma como o Senhor colocou a pergunta: "Onde está a vossa fé?" Aí está a chave do problema. Observem a pergunta do Senhor. Parece inferir que Ele sabe muito bem que eles têm fé. A pergunta que Ele lhes faz é: "Onde está ela? Vocês têm fé, mas onde ela está neste momento? Devia estar aqui — onde está?" Ora, isso nos dá a chave para entender a natureza da fé.
Antes de tudo, quero colocá-lo de forma negativa. Fé, obviamente, não é uma questão de emoções. Não pode ser, porque nossas emoções numa situação assim podem ser muito variáveis. Um cristão não deve se sentir abatido quando tudo está dando errado. Ele tem o mandamento de se regozijar. Emoções pertencem à felicidade apenas, mas o regozijo envolve algo muito maior do que emoções; e se a fé fosse uma questão de emoções apenas, então, quando acontece algo errado ou os sentimentos mudam, a fé desaparece. Mas a fé não é uma questão de emoções apenas, a fé inclui o homem integral, incluindo sua mente, seu intelecto e seu entendimento. É uma resposta à verdade, como vamos ver.
A segunda coisa é ainda mais importante. A fé não é algo que atua automaticamente, não é algo que atua de forma mágica. E este é um erro do qual eu creio que todos nós, em alguma ocasião, fomos culpados. Parece que pensamos que a fé é algo que age automaticamente. Muitas pessoas, eu creio, concebem a fé como algo parecido com um termostato ligado a algum aparelho de aquecimento — você ajusta o termostato num certo nível, para manter a temperatura num determinado ponto, e ele opera automaticamente. Se a temperatura tende a subir além daquele nível, o termostato entra em operação e a faz baixar; se usamos a água quente e a temperatura da água tiver caido, o termostato entra em ação e esquenta a água de novo, e assim por diante. Não precisamos fazer nada a respeito, o termostato age automaticamente e mantém a temperatura no nível desejado automaticamente. E há muitas pessoas que aparentemente pensam que a fé atua dessa forma. Presumem que não importa o que lhes aconteça, a fé vai operar e tudo estará bem. Contudo, a fé não é algo que atua automaticamente ou de forma mágica. Se fosse assim, aqueles homens não teriam tido esse problema, a fé teria entrado em operação e eles estariam calmos e tranquilos e tudo acabaria bem. Mas a fé não é assim, e esses são conceitos muito errôneos a seu respeito.
O que é fé? Vamos examiná-la de forma positiva. O princípio ensinado aqui é que fé é uma atividade, é algo que precisa ser exercitado. Não entra em operação por si mesma, nós precisamos exercitá-la. É uma forma de atividade.
Quero dividir isso um pouco. Fé é algo que precisamos colocar em ação. Isso é exatamente o que o Senhor disse a esses homens. Ele disse: "Onde está a vossa fé?", o que significa: "Por que não estão tomando a sua fé e aplicando-a a esta situação?" Pois foi porque eles não fizeram isso, foi porque não colocaram sua fé em ação, que os discípulos se desesperaram e ficaram nesse estado de consternação. Como então podemos colocar a fé em ação? Que quero dizer, ao afirmar que a fé é algo que precisamos aplicar? Posso dividir minha resposta desta forma. A primeira coisa que preciso fazer quando me encontro numa situação difícil, é não permitir que a situação me controle. Este é um aspecto negativo. Esses homens estavam no barco, o Mestre estava dormindo, as ondas estavam jogando água dentro do barco, e eles não conseguiam tirar a água com suficiente rapidez. Parecia que iam naufragar, e o problema foi que eles se deixaram controlar pela situação. Eles deviam ter colocado sua fé em ação, assumindo o controle e dizendo: "Não vamos entrar em pânico". Deviam ter começado assim, mas não o fizeram. Permitiram que a situação os controlasse.
A fé se recusa a entrar em pânico. Gostam desse tipo de definição de fé? Isso lhes parece terreno demais, e pouco espiritual? Mas esta é a própria essência da fé. Fé é uma recusa de se entrar em pânico, aconteça o que acontecer. Acho que Browning tinha isso em mente quando definiu fé desta forma: "Para mim, fé significa incredulidade perpetuamente mantida em silêncio, como o dragão sob os pés de Miguel". Aí está Miguel, e aí está o dragão sob seus pés, e ele o mantém quieto sob a pressão do seu pé. Fé é incredulidade mantida em silêncio, mantida prisioneira. E foi isso que esses homens não fizeram, eles permitiram que a situação os controlasse, e entraram em pânico. Fé, entretanto, é uma recusa em deixar isso acontecer. Ela diz: "Não vou ser controlada por essas circunstâncias — eu estou no controle". Então, assumam o controle de si mesmos, ergam-se, dominem-se a si mesmos. Não percam o controle, perseverem e vençam.
Essa é a primeira coisa, mas não termina aí. Isso não basta, porque pode ser nada mais que resignação. Isso não é a totalidade da fé. Depois de dar esse primeiro passo, assumindo o controle de si mesmos, então devem lembrar-se do que crêem e do que sabem. E isso também foi algo que aqueles tolos discípulos não fizeram. Se eles tão somente tivessem parado por um momento, dizendo: "Que vai acontecer? É possível que naufraguemos com Ele a bordo? Existe algo que Ele não pode fazer? Nós vimos os Seus milagres, Ele transformou a água em vinho, Ele curou o cego e o coxo, até ressuscitou os mortos; será que Ele vai permitir que tanto nós como Ele naufraguemos desta maneira? Impossível! Em todo caso, Ele nos ama, Ele cuida de nós, Ele disse que até os cabelos da nossa cabeça estão contados!" É assim que a fé raciocina. Ela diz: "Muito bem, eu vejo as ondas e os vagalhões, mas" — ela sempre inclui este "mas". Isso é fé; ela se firma na verdade e raciocina baseada naquilo que sabe ser um fato. Essa é a maneira de aplicar a fé. Aqueles homens não fizeram isso, e por esta razão ficaram agitados e entraram em pânico. E nós também entraremos em pânico e agitação se falharmos em agir assim. Quaisquer que sejam as circunstâncias, portanto, fique firme meu amigo, espere por um momento. Diga: "Reconheço tudo isso, mas..." Mas o quê? Mas Deus! Mas o Senhor Jesus Cristo! Mas o quê? Toda a minha salvação! É assim que a fé age. Tudo pode parecer contra mim, "para me levar ao desespero", e eu talvez não entenda o que está acontecendo; mas eu sei de uma coisa, eu sei que Deus me amou de tal maneira que enviou Seu Filho unigênito a este mundo por mim; eu sei que, quando eu ainda era um inimigo, Deus enviou Seu único Filho para morrer na cruz do calvário por mim. Ele fez isso por mim quando eu era um inimigo, um estranho rebelde. Eu sei que o Filho de Deus "me amou e se deu a si mesmo por mim". Eu sei que, à custa do Seu sangue, eu tenho a salvação e que sou um filho de Deus e herdeiro da bem-aventurança eterna. Eu sei disso. Muito bem, então, sei tudo isso, que "se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida" (Romanos 5:10). É uma lógica inevitável, e a fé argumenta nesses termos. A fé lembra o que as Escrituras chamam de "grandíssimas e preciosas promessas". A fé diz: "Não posso crer que Aquele que me trouxe até aqui vai me abandonar neste ponto. É impossível, não estaria de acordo com o caráter de Deus". Então a fé, recusando-se a ser controlada pelas circunstâncias, lembra-se do que sabe e em que acredita.
E então o próximo passo é que a fé aplica tudo isso à situação. Novamente, isso foi algo que aqueles homens não fizeram, e por isso o Senhor dirige a eles estas palavras: "Onde está a vossa fé?" "Vocês a têm; por que não a aplicam, por que não trazem tudo que sabem ao nível desta situação, por que não a focalizam sobre este problema?" Esse é o passo seguinte na aplicação da fé. Quaisquer que sejam as circunstâncias neste momento, tragam tudo que sabem a respeito do seu relacionamento com Deus e o apliquem à essa situação. Então terão plena certeza de que Ele nunca permitirá que nada lhes aconteça que possa ser prejudicial. "Todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus". Nem um cabelo das suas cabeças sofrerá dano, Ele ama vocês com um amor eterno. Não estou sugerindo que seremos capazes de entender tudo que está acontecendo. Podem não receber uma explicação completa; mas saberão com certeza que Deus não é indiferente. Isso é impossível. Aquele que fez a maior de todas as coisas por vocês, tem que estar preocupado com vocês em todas as coisas, e ainda que as nuvens sejam espessas e não possam ver Sua face, sabem que Ele está ali. "Por trás de uma providência carrancuda, Ele esconde uma face sorridente". Agarrem-se a isso. Talvez digam que não podem ver Seu sorriso. Eu concordo que essas nuvens terrenas impedem a muitos de vê-lo, mas Ele está ali, e nunca permitirá que algo de prejuízo permanente possa acontecer. Nada pode acontecer com vocês sem que Ele permita, não importa o que seja, algum grande desapontamento, talvez, ou uma doença, pode ser alguma tragédia, não sei o que é, mas podem ter certeza de uma coisa, que Deus permitiu que isso lhes acontecesse porque, em última análise, será para o seu bem. "E, na verdade, toda a correção, no presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça. . ." (Hebreus 12:11).
É assim que a fé opera. Mas nós precisamos exercitá-la. Ela não entra em ação automaticamente. Precisamos focalizar a nossa fé nos eventos, e dizer: "Muito bem, mas eu sei isto a respeito de Deus, e porque é verdade, vou aplicá-lo a esta situação. Isto, portanto, não pode ser o que eu penso que é, precisa ter alguma outra explicação". E acabaremos vendo que é o propósito amoroso de Deus para conosco, e tendo aplicado a nossa fé, então ficaremos firmes, e nos recusaremos a ser abalados. O inimigo virá para atacar-nos, a água aparentemente vai jorrar dentro do barco, mas diremos: "Tudo está, bem, venha o que vier". O cristão permanece firme na fé, e diz a si mesmo: "Eu creio nisto, descanso nisto, tenho certeza disto, e embora não entenda o que está acontecendo, eu vou ficar firme nisto!"
Isso me leva à minha última palavra, o terceiro princípio — o valor da fé mais frágil ou ínfima. Examinamos a prova da fé, examinamos a natureza da fé, e para terminar quero falar sobre o valor da fé, por menor ou mais frágil que seja. Por mais fraca, ínfima e incompleta que fosse a fé daqueles discípulos naquela ocasião, eles ainda assim possuíam fé suficiente para fazer a coisa certa no final. Eles foram a Jesus. Agitados, perturbados, alarmados e exaustos, eles foram a Ele. Ainda tinham alguma idéia de que Ele poderia fazer alguma coisa, e assim O acordaram, dizendo: "Mestre, não vai fazer alguma coisa?" Isso é uma pobre amostra de fé, alguém diz, uma fé muito frágil, mas é fé, graças a Deus. E até mesmo fé "como um grão de mostarda" é valiosa porque nos leva a Ele. E quando vamos a Ele, isto é o que vamos encontrar. Ele estará desapontado conosco, e não esconderá o fato. Vai repreender-nos, dizendo: "Por que não raciocinaram, por que não aplicaram a sua fé, por que ficaram agitados diante daquela pessoa incrédula, por que se comportaram como se não fossem cristãos, por que não colocaram a sua fé em ação como deveriam ter feito? Eu teria ficado tão feliz se pudesse ter visto vocês firmes como homens em meio do furacão ou da tempestade — por que não fizeram isso?" Ele deixará claro que está desapontado conosco, e nos repreenderá, mas, bendito seja o Seu nome, Ele ainda assim nos receberá. Não nos mandará embora. Ele não mandou embora aqueles discípulos, recebeu-os e nos receberá também. Sim, e não somente nos receberá, mas também nos abençoará e nos dará paz. "Ele repreendeu os ventos e o mar, e fez-se grande bonança". Ele fez surgir a situação que eles estavam ansiosos por gozar, apesar da sua falta de fé. Assim é o gracioso Senhor em quem nós cremos e a quem seguimos. Ainda que Ele muitas vezes fique decepcionado conosco e tenha que nos repreender, Ele nunca vai Se descuidar de nós; Ele nos receberá e nos abençoará, Ele nos dará paz, e na verdade fará por nós o que fez por aqueles homens. Com a paz, Ele também lhes deu uma compreensão maior de Sua pessoa do que eles haviam tido antes. Eles ficaram maravilhados, e cheios de assombro diante do Seu maravilhoso poder. Ele de certa forma incluiu isso como um bônus adicional às outras bênçãos.
Se você, meu amigo, se encontra nessa posição de prova e perturbação e teste, considere isso como uma oportunidade maravilhosa de provar a sua fé, de expressar a sua fé, de manifestar sua fé, e trazer glória ao Seu grande e santo nome. Mas se você falhar em fazer isso, se aparentemente você for fraco demais para colocar sua fé em ação, se está sendo tão assediado e atacado pelo diabo e pelo inferno e pelo mundo, bem, então, corra para Ele imediatamente e Ele receberá e abençoará você, Ele lhe dará libertação, e lhe dará paz. Mas lembre sempre que a fé é uma atividade, é algo que deve ser colocado em prática. "Onde está a vossa fé?" Vamos nos certificar que ela está sempre pronta a enfrentar as necessidades e as provações.
É permitido baixar, copiar, imprimir e distribuir este arquivo, desde que se explicite a autoria do mesmo e preserve o seu conteúdo.
“Todo-Poderoso , aquele que era , que é, e que há de vir.”
“Ora, vem, Senhor Jesus!”
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