Cansado de fazer o bem

terça-feira, 1 de junho de 2010


 Depressão Espiritual
Capítulo XIV
Cansado de fazer o bem

"E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não tivermos desfalecido". Gálatas 6:9

A Bíblia é um livro que foi escrito para ajudar o povo de Deus neste mundo. Isso é verdade especialmente a respeito das epístolas do Novo Testamento, que foram todas escritas por causa de alguma situação que havia surgido nas igrejas; e pensar em termos de um homem que está escrevendo uma tese em seu escritório não é a maneira certa de compreender a mensagem delas. Pelo contrário, o apóstolo Paulo era um evangelista, um homem que viajava muito, e em geral escrevia uma epístola por causa de algum problema que havia surgido, e para ajudar as pessoas a compreender a causa dos seus problemas e a maneira de vencê-los. Ele lidava com as possíveis causas à medida que os problemas surgiam, e podemos ter certeza de que não existe uma causa de depressão espiritual hoje que não tenha sido tratada nas epístolas. As doenças da vida espiri­tual são sempre as mesmas, nunca variam. As aparências podem ser diferentes, a forma particular em que os problemas se manifestam pode variar, mas a causa de tudo sempre é o diabo, e ele nunca varia seu objetivo final.
Encontramos aqui mais uma causa da depressão espiritual, e ela nos relembra imediatamente de algo que precisamos salientar de novo, como já fizemos várias vezes, e isso é a terrível astúcia do nosso adversário. Temos visto a maneira como o diabo tenta os cristãos e os torna miseráveis ao sugerir doutrinas falsas. Obser­vamos a maneira astuta como ele coloca no centro coisas que não deviam estar lá, ou nos oferece algum tipo novo de religião, a qual é uma mistura de várias religiões. Mas agora estamos num clima totalmente diferente. O apóstolo não está preocupado com o perigo de nos desviarmos através de heresias ou erros, ou de aceitarmos alguma seita acreditando que ela seja a fé verdadeira. Não é com isso que ele está preocupado. Aqui, o diabo faz algo muito mais sutil, pois aparentemente não há nada de errado. O que acontece é que as pessoas simplesmente ficam cansadas e fatigadas, mesmo que estejam caminhando na direção certa. Aqui temos o caso da­queles que estão no caminho certo, estão encarando a direção correta. Estão se movendo na direção certa, mas o problema é que estão se arrastando pelo caminho, cabisbaixos, e o espetáculo que apresentam é a antítese do que um cristão deveria ser nesta vida e neste mundo.
Talvez a melhor maneira de considerar esta tendência de ficar­mos cansados, seja examinando-a de forma geral primeiro. É o que poderíamos chamar o "perigo de meia- idade". É algo que é verdadeiro não somente a "respeito da vida cristã, mas da vida em geral. É o problema da meia-idade, e é algo que se evidencia em todos os aspectos, e que teremos de enfrentar mais cedo ou mais tarde, à medida que envelhecemos. Muita ênfase é dada à juventude hoje em dia, e considerável atenção também aos idosos. Mas estou convencido de que o período mais difícil da vida é a meia idade. Há certas compensações na juventude, e também na velhice, que parecem estar completamente ausentes no período da meia idade. É algo que todos nós temos que enfrentar. À medida que envelhecemos, nossa elasticidade tende a desaparecer e percebemos uma diminuição das nossas energias e das nossas forças. É algo com que todos estamos familiarizados, se não pela experiência, pelo menos de ouvir outros falando a respeito. E não seria também verdadeiro a respeito do trabalho ou da profissão de um homem? E se constitui num problema para muitas pessoas. Significa que já ultrapassaram o estágio de desenvolver e edificar suas vidas, e que atingiram um certo nível. Por muitas razões um desenvolvimento interior é impossível. Essas pessoas atingiram um certo nível, e a dificuldade está em permanecer e prosseguir nesse nível sem o estí­mulo que as levou até lá. Isso já aconteceu a muitos homens de negócios, os quais acharam ser muito mais fácil estabelecer uma empresa do que mantê-la estável. Tudo parece estar a seu favor quando estão na fase de edificação, mas quando chegam a um certo nível e perdem o estímulo que os levou até lá, descobrem que é muito difícil manter a posição. Eu poderia continuar ilustrando isso até o infinito, do ponto de vista da vida natural, e das nossas experiências no trabalho, na profissão e nos demais aspectos da vida. Se vocês lerem as biografias dos homens mais bem sucedidos que o mundo já conheceu, em qualquer campo, descobrirão que todos concordam que esse nível foi o mais difícil das suas vidas. Isso também é verdade na vida religiosa ou espiritual. É o estágio que se segue à experiência inicial, aquela experiência onde tudo era novo, surpreendente, maravilhoso e claro, o estágio em que estávamos constantemente fazendo novas descobertas, que pare­ciam não ter fim. Mas repentinamente tomamos consciência do fato de que elas realmente parecem ter chegado ao fim, e nos acostumamos à vida cristã. Não nos surpreendemos mais com as coisas como no início, porque estamos familiarizados com elas e as conhecemos. Toda aquela emoção de novas descobertas que nos animava nos primeiros estágios parece ter desaparecido subitamen­te. Parece que nada mais está acontecendo, nenhuma mudança, avanço ou desenvolvimento. Isso pode ser verdade a respeito de nós, individualmente, pode ser verdade a respeito do nosso trabalho, pode ser verdade a respeito da nossa igreja, pode ser verdade a respeito de todo um grupo de pessoas, pode ser verdade a respeito de um país ou de uma sociedade. Estou inclinado a compreender, e sei que é verdade, que esse fenômeno particular é um dos maiores problemas ligados ao trabalho missionário no estrangeiro, e qual­quer missionário que já passou algum tempo fora do país, saberá exatamente o que quero dizer. É algo que tende a acontecer quando Já passaram pela fase de novidades e emoção e o estímulo de fazer algo que nunca fizeram antes, e se acomodam numa rotina, fazendo a mesma coisa dia após dia. Então surge essa provação, e não a superam mais com aquele ímpeto inicial, que parecia ajudá-los a superar tudo nos primeiros estágios.
É desta condição que o apóstolo trata aqui. Talvez, para piorar a situação, haja problemas e dificuldades causadas por outras pes­soas, e que se acrescentam às pressões já existentes. Essas pessoas talvez façam coisas que não deviam, e assim nos ofendem. Como resultado de tais provocações, dificuldades e problemas, surgindo num período tão crítico da nossa vida, nós nos cansamos de fazer o bem. Assim, frequentemente chega um ponto em que o desenvol­vimento e o progresso parecem ter cessado, e caímos numa espécie de depressão em que não sabemos se o trabalho está se movendo, ou para frente ou para trás. Tudo parece estar paralisado, e nada acontece. Ora, não há dúvida que alguns desses cristãos gálatas haviam atingido esse ponto. A posição revelada pela nossa análise no capítulo anterior — as doutrinas falsas, heresias, e assim por diante — sem dúvida tinham algo a ver com isso.
Podemos dizer então que estamos considerando, não tanto pessoas que estão cansadas do trabalho, mas que estão cansadas no trabalho: "Não nos cansemos de fazer o bem". Essa é a situação. O que diremos sobre ela e o que faremos a seu respeito? Quero dizer, antes de mais nada, que não há aspecto deste grande pro­blema da depressão em que negativos sejam mais importantes do que nesta ocasião particular. Quando nos encontramos nesta condi­ção de fadiga, ou cansaço, antes de fazer qualquer coisa positiva, há certos pontos negativos que são de importância capital. O pri­meiro é este: o que quer que sinta a respeito disso, nem sequer considerem a sugestão que virá a vocês de todas as direções — não tanto das pessoas, mas do seu interior, das vozes que parecem estar falando em torno de vocês — não as ouçam quando começam a sugerir que deveriam desistir, que deveriam se entregar ou largar tudo. Essa é a grande tentação que nos assalta neste ponto. O desa­nimado diz: "Estou enfadado e cansado; isso tudo é demais para mim". E não há outra coisa a dizer diante disso a não ser esta negativa — não ouça. Irmãos, vocês sempre devem começar com esses "nãos" no nível mais baixo; e esse é o nível mais baixo. Devem dizer a si mesmos: "não importa o que aconteça, não vou desistir". Vocês não devem desistir ou se entregar.
Mas talvez essa não seja a maior tentação. A maior é aquela que vou colocar na forma do meu segundo preceito negativo: não se resignem ante a situação. Ainda que haja pessoas que entregam sua demissão, dizendo: "Eu desisto", isso não é o que acontece com a maioria. O perigo que corre a maioria das pessoas neste ponto é o de resignar-se, e perder o ânimo e a esperança. Não entre­gam os pontos, mas prosseguem nessa condição sem esperança e sem energia. Para ser mais exato, o perigo neste ponto é dizer: "Bem, perdi aquele algo especial que eu tinha, e obviamente nunca vou recuperá-lo. Mas vou prosseguir, por lealdade, cumprindo mi­nha obrigação. Perdi a alegria que tinha, ela se foi, e sem duvida" foi para sempre. Tenho que suportar isto, vou me resignar ao meu destino, não vou ser um desertor, não vou virar as costas, vou prosseguir, embora me sinta tão desesperançado com tudo isto, vou prosseguir fazendo o melhor que puder". Esse é o espírito de resignação, ou estoicismo, se preferir; prosseguir suportanto tudo.
Esse é o maior perigo de todos; e mais uma vez digo que não é perigoso somente no nível espiritual, fato que mais nos preocupa, mas também em cada outro plano da vida. Podemos trabalhar dessa forma em nossa profissão, podemos viver a nossa vida dessa ma­neira, em certo sentido. Estamos na verdade dizendo a nós mesmos: "as horas douradas já passaram, os dias de grandeza pertencem ao passado. Talvez nunca mais venha a experimentar isso, mas mesmo assim vou em frente". De certo modo parece haver algo maravilhoso nisso, parece haver algo heróico nisso, mas notem que estou me expressando de forma negativa. Na verdade, afirmo que é uma tentação do diabo. Se ele conseguir fazer com que o povo de Deus perca a esperança, isso o deixará imensamente feliz. E a julgar pelo que vejo hoje em dia, este talvez seja o maior perigo confrontando a Igreja Cristã, o perigo de fazer uma coisa num espírito formal e apenas por obrigação. Seguindo em frente, é verdade, mas cami­nhando penosamente e com dificuldade, em vez de andar como deveríamos.
Isto me conduz à minha terceira e última negativa, e reco­nhecerão esta, mais uma vez, como algo extremamente perigoso. O terceiro perigo de chegarmos a esta condição de cansaço e fadiga, é recorrer a estimulantes artificiais. Vocês conhecem essa tentação. Ela tem sido a ruína de muitos homens que edificaram e estabele­ceram uma profissão ou uma empresa, e depois entraram nesse estágio de cansaço e fadiga. Estão conscientes que não possuem mais o vigor e a energia de outrora, e não sentem, como se diz, "no topo do mundo". Não sabem o que devem fazer a respeito, e então alguém sugere que o que precisam é de algum tipo de tônico. Todo o perigo ligado ao consumo de bebidas alcoólicas surge neste ponto. Muitos homens que terminaram a vida como bêbados, começaram com um traguinho de álcool para ajudá-los a recobrar o ânimo; e muitas pessoas recorrem a drogas e muitas outras coisas exatamente da mesma maneira.
Mas isto tem uma aplicação espiritual muito importante e vital. Tenho visto pessoas na igreja lidando com esse cansaço e fadiga espiritual dessa mesma maneira. Tentam criar algum tipo de estímulo ou adotam novos métodos. Dizem que precisam estimu­lar-se para sair daquilo, então inventam algum projeto novo. Vocês já não viram isto muitas vezes nos anúncios que ficam do lado de fora de certas igrejas? Não podem pensar imediatamente em certas igrejas que estão sempre anunciando coisas novas ou achando novas atrações? Tais igrejas estão obviamente vivendo de estimu­lantes artificiais, e tudo é feito com esta idéia em mente. O pastor ou alguma outra pessoa responsável disse: "Estamos numa rotina, estamos ficando estagnados. Que podemos fazer a respeito? Bem, vamos fazer isto ou aquilo. Assim providenciaremos trabalho e atividade, haverá um novo interesse". Ora, esse tipo de pensamento na vida espiritual ou na vida de uma igreja, só pode ser comparado a uma coisa no nível natural, isto é, ao homem que recorre à bebida ou às drogas para despertar seu entusiasmo ou provocar alguma emoção. Obviamente esta é uma tentação muito sutil e perigosa. Parece tão plausível, parece ser exatamente o que precisávamos, e no entanto, é claro, o terrível engano atrás disso, num sentido cien­tífico, é que na verdade estamos nos desgastando cada vez mais. Quanto mais um homem depende do álcool, ou das drogas, mais ele esgota a sua energia natural. Além disso, à medida que ele se esgota mais e mais, ele vai precisar de mais álcool ou mais drogas; e assim o processo continua de maneira crescente. E acontece exata­mente o mesmo na área espiritual.
Estas, então, são três negativas de suprema importância. Pas­semos agora aos pontos positivos. Devemos evitar essas armadilhas perigosas, mas não há mais nada que podemos fazer? Aqui estamos, cansados de fazer o bem, mas o que podemos fazer? A primeira coisa a fazer, é uma auto-avaliação. Comecem por examinar a si mesmos. Não digam que seu estado de melancolia não tem jeito. Não recorram a estimulantes. Parem e digam para si mesmos; "Bem, por que estou cansado? Qual é a causa da minha fadiga?" Certamente é uma pergunta óbvia. Não se deve tratar uma condição antes de diagnosticá-la; não se aplica um remédio antes de saber a causa do problema. É perigoso aplicar um tratamento antes de saber a causa; deve-se diagnosticar primeiro. Portanto, vocês devem pri­meiro perguntar a si mesmos a razão da sua fadiga, e por que estão nessa condição.
Há muitas respostas possíveis para esta pergunta. Podem estar nessa condição simplesmente por excesso de trabalho físico. Podem estar cansados no trabalho, e não do trabalho. É possível que os homens trabalhem demais — quer seja na área natural ou espiritual — sobrecarregando assim seus recursos físicos e desgastando suas energias. Se continuarem trabalhando demais, ou sob pressão, estão destinados a sofrer. E é lógico que, se esta for a causa do problema, o remédio que precisam é tratamento médico. Temos um exemplo marcante disso no Velho Testamento. Lembram-se do ataque de depressão espiritual que Elias sofreu, após o seu heróico esforço no Monte Carmelo? Ele se sentou debaixo de uma árvore e teve pena de si mesmo. Mas o que ele realmente precisava era descanso e alimento; e Deus providenciou as duas coisas. Deu-lhe alimento e descanso antes de lhe dar auxílio espiritual.
No entanto, suponhamos que essa não seja a causa do proble­ma. Outra coisa pode ser a causa, e isso é que com frequência temos vivido a vida cristã, ou realizado o trabalho cristão através da nossa energia carnal. Pode ser que tenhamos feito tudo com nossas próprias forças, em vez de operar no poder do Espírito. Talvez tenhamos trabalhado com uma energia puramente carnal, humana e física. Talvez tenhamos tentado fazer o trabalho de Deus por nós mesmos; e é claro que, se tentamos fazer isso, só poderá haver um resultado, seremos esmagados, pois é um trabalho muito elevado. E assim precisamos nos auto-examinar, para ver se há algo errado na maneira como vimos trabalhando. É possível para um homem pregar através da sua energia carnal, mas se o fizer, logo estará sofrendo de exaustão e depressão espiritual.
Aqui, porém, surge uma pergunta ainda mais importante e muito mais espiritual. Devo perguntar a mim mesmo por que tenho feito este trabalho, e qual realmente tem sido a minha motivação. Fui ativo na obra, gostei de fazer o trabalho, mas agora percebo que ele se tornou um peso. E agora tenho que responder a pergunta: qual realmente foi minha motivação para fazê-lo todo esse tempo? É uma pergunta terrível, porque talvez seja a primeira vez que a fazemos. Achamos tudo normal, e supomos que nossos motivos sempre foram puros. Mas talvez descubramos que não eram. Algu­mas pessoas trabalham simplesmente por amor à emoção e entusias­mo do trabalho. Não há qualquer dúvida a respeito. Já vi pessoas envolvidas ativamente no serviço cristão porque havia um certo grau de emoção envolvido nele. Existem pessoas que não conse­guem ser felizes a não ser que estejam envolvidas em algo, e não percebem que o fazem simplesmente pela emoção que a atividade oferece. Se vivemos dessa maneira, é certo que logo acabaremos exaustos e fatigados, e também é certo que nosso maior inimigo interno vai entrar em cena — o nosso "eu". Na realidade o que vínhamos fazendo tinha apenas o propósito de agradar o nosso "eu", de satisfazer a nós mesmos, e de podermos dizer a nós mes­mos: "Como você é maravilhoso, e quanta coisa você faz!" O "eu" diz que somos importantes. Temos que admitir que não estávamos sendo motivados a trabalhar para a glória de Deus, e sim para a nossa própria glória. Podemos dizer que não queremos louvor, e que "a Deus seja a glória", mas gostamos de ver resultados, e gostamos de vê-los publicados, e assim por diante — o "eu" entrou em ação, e ele é um terrível mestre. Se estamos trabalhando para satisfazer e agradar nosso "eu" de qualquer maneira ou forma, o resultado sempre será fadiga e cansaço. Como é importante ques­tionarmos a nós mesmos sobre a motivação do nosso trabalho!
Minha última pergunta, e ela é muito importante, é esta: será que este trabalho tem sido minha motivação para prosseguir? Em vez de ser o trabalho de Deus, será que ele se tornou um tipo de motivação na minha vida? Tenho certeza de que há muitas pessoas que sabem o que quero dizer com isso. Um dos maiores perigos e problemas da vida espiritual é viver das nossas próprias ativida­des. Em outras palavras, a atividade não está ocupando o lugar que devia, apenas como algo que fazemos, mas tornou-se a fonte da nossa motivação para prosseguir. Algumas das maiores tragédias que tenho visto, têm sido as vidas de homens que não perceberam que por anos viveram na dependência da força e energia das suas atividades. Elas eram a sua motivação, e quando ficaram doentes, ou velhos demais para continuar a trabalhar, ficaram deprimidos. Não sabiam o que fazer consigo mesmos, porque haviam vivido de suas próprias atividades. Suponho que esta é uma das tendências mais óbvias da nossa civilização. É certamente uma das maiores causas de neurose dos dias atuais. Infelizmente o mundo ficou tão louco, que somos impulsionados por esse terrível ímpeto e correria de vida, e em vez de estarmos no controle, isso tudo está nos controlando. E finalmente acaba nos deixando exaustos e depri­midos.
Quero expor alguns dos principais elementos desse processo vital de auto-análise. Permitam-me enfatizar o princípio. Se vocês se sentem fatigados e cansados em qualquer área de suas vidas neste momento, eu lhes peço que perguntem a si mesmos: "por que estou cansado? Qual tem sido a minha motivação nas coisas que faço?" Examinem suas atitudes em relação a suas vidas e ativi­dades particulares que estão exercendo, e descubram como se sen­tem a respeito da vida cristã. Por que vocês ingressaram nela? O que ela é? E assim por diante. Parem e façam a si mesmos essas perguntas.
Mas quero apresentar a questão de maneira positiva. Há alguns grandes princípios aqui, de acordo com o ensinamento do apóstolo, que devemos reconhecer se quisermos ser curados desta condição. Em primeiro lugar, existem fases na vida cristã, assim como na vida natural. O Novo Testamento fala sobre bebês em Cristo, e fala sobre crescimento. João escreveu na sua Primeira Epístola aos "filhinhos", aos "mancebos" e aos "pais". Isto é um fato, é bíblico. A vida cristã não é sempre a mesma; há um começo, uma continuação, e um final. E por causa dessas fases, existem muitas variações. As emoções, talvez, são o que temos de mais variável. É de se esperar que as emoções sejam fortes no início, e em geral é o que acontece. Com frequência, cristãos ficam can­sados e fatigados porque certas emoções desapareceram. O que não entendem é que eles cresceram, ficaram mais velhos. Porque não são mais como eram antigamente, pensam que algo está errado. Mas à medida que crescemos e nos desenvolvemos espiritual­mente, certas mudanças devem ocorrer, e todas essas coisas obvia­mente fazem uma diferença em nossa experiência. Quero colocar isso na forma de uma ilustração. Outro dia vi uma criança pequena, de uns quatro anos de idade, creio, saindo de casa com a mãe, e fui atraído pela maneira como ela saiu daquela casa. Ela não andava — ela pulou para fora, saltitou e saltou para fora como uma ove­lhinha; mas eu notei que a mãe caminhou para fora da casa. Vamos nos assegurar que não estamos falhando em perceber que algo semelhante acontece na vida espiritual. A criança tem energia em abundância e ainda não aprendeu a controlá-la. Na realidade, a mãe possuía muito mais energia que a criança; no entanto, à pri­meira vista podia parecer que tinha menos, porque caminhou para fora de forma tranquila e quieta. Mas sabemos que isso não é verdade. O nível de energia do adulto é muito maior, ainda que pareça ser maior na criança; e muitas pessoas caem em fadiga e depressão porque não entendem esta experiência de "reduzir a marcha", e pensam que perderam algo vital. Precisamos reconhecer que existem essas fases, esses estágios de desenvolvimento na vida espiritual. Às vezes a simples compreensão desse fato resolverá o problema.
Agora passemos para o segundo princípio. "Não nos cansemos de fazer o bem". Lembrem-se que diz "fazer o bem". Temos a tendência de esquecer isso. Dizemos: "Ah, é sempre a mesma coisa, semana após semana". Essa é nossa atitude para com a nossa vida, e esse tipo de atitude leva à fadiga. Mas Paulo diz: "Quero lem­brá-los de que estão vivendo a vida cristã, e a vida cristã é uma vida de fazer o bem. Se encararem a vida cristã como uma tarefa monótona, estarão insultando a Deus. O que é nossa vida cristã? Esta é uma pergunta extremamente importante, e com frequência respondemos que é evitar coisas que outras pessoas fazem; que é andar pelo caminho estreito, e dizer não a isto, e fazer aquilo. É ir à igreja. É uma tarefa imensa, é uma vida muito dura, esta em que nos encontramos! Não seria esta a nossa atitude, com demasiada frequência? E a resposta a isso é que estamos envolvidos em "fazer o bem". Se viermos a considerar qualquer aspecto desta vida cristã meramente com uma tarefa e um dever, e se precisamos estimular-nos, e ranger os dentes para suportá-la, eu diria que estamos insul­tando a Deus, tendo esquecido a própria essência do cristianismo. A vida cristã não é uma tarefa. Ela é a única vida digna de ser chamada vida. Somente ela é reta, santa, pura e boa. É o tipo de vida que o próprio Filho de Deus viveu. É ser parecido com o próprio Deus na Sua santidade. É por isso que devo vivê-la. Não é resolver simplesmente fazer um esforço maior para continuar. De modo algum. D
evo lembrar a mim mesmo que esta é uma vida boa e plena, é "fazer o bem". E como ingressei nesta vida? Esta vida sobre a qual eu agora estou reclamando e murmurando, e achando dura e difícil? Quero enfatizar esta pergunta. Como vocês ingressaram na vida cristã? Aqui estamos, neste caminho estreito; como viemos do caminho largo? O que fez a diferença? Estas são as perguntas; e há somente uma resposta. Viemos do caminho largo para o caminho estreito, porque o Filho unigênito de Deus deixou o céu e veio a esta terra para a nossa salvação. Ele Se despojou de todas as insígnias de Sua eterna glória, e humilhou-Se a Si mesmo, nascendo como um bebê numa manjedoura. Ele suportou a vida deste mundo por trinta e três anos; cuspiram nEle e O injuriaram. Espinhos foram enterrados em Sua fronte e Ele" foi pregado a uma cruz, para levar o castigo do meu pecado. Foi assim que passei de uma posição para a outra, e se eu alguma vez, por uma fração de segundo que seja, questionar a grandeza e a glória e o milagre e  a nobreza desta caminhada na  qual estou envolvido, estarei cuspindo nEle. Fora com tal coisa! "Não nos cansemos de fazer o bem". Meu amigo, se você pensa na sua vida cristã com esse espírito de má vontade, ou a encara como uma tarefa ou um dever fatigante, volte para o começo, retroceda até aquela porta estreita pela qual passou. Olhe para o mundo na sua perversidade e pecado, contemple o inferno para o qual estava levando você, e então olhe para a frente e reconheça que você está envolvido na mais gloriosa .campanha de que um homem poderia participar, e que está trilhan­do o caminho mais nobre que o mundo já conheceu.
Quero, todavia, me aprofundar ainda mais. O princípio seguin­te é que esta nossa vida aqui na terra é apenas uma vida prepara­tória. "Não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não tivermos desfalecido". Será que se sentem can­sados e fatigados, e às vezes sentem que tudo é demais para vocês? Voltem atrás e olhem para as suas vidas, e as coloquem no con­texto da eternidade. Parem e perguntem a si mesmos o que tudo isso significa. É nada mais que uma escola preparatória. Esta vida é uma ante-sala da eternidade, e tudo que fazemos neste mundo é uma antecipação da nossa vida futura. Nossas maiores alegrias nada mais são que os primeiros frutos e o ante-gozo da alegria eterna que nos espera. Como é importante que nos lembremos disso! É o peso da rotina da vida diária que nos abate. Talvez comecem o dia dizendo: "Bem, mais um dia pela frente!" Ou um pastor talvez diga: "Mais um domingo, e hoje preciso pregar duas vezes". Que coisa horrível é dizer isso! O peso da rotina muitas vezes pode nos levar ao ponto de dizer isso. Mas a solução é contemplar a situação toda em seu contexto glorioso, e dizer: "Estamos a caminho da eternidade, e esta vida é apenas uma escola preparatória". Que diferença isso faz! "Continuem a fazer o bem", diz Paulo, "por causa da certeza da colheita que virá". "Não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não tivermos desfale­cido". A partir do momento que compreendem algo da verdade sobre a colheita, não mais desfalecerão.
"O mundo é demais para nós", e isso é o nosso problema. Estamos  mergulhados  demais em  nossos problemas.  Precisamos aprender a olhar para a frente, em antecipação das glórias eternas que brilham ao longe. A vida cristã é experimentar os primeiros frutos da grande colheita que está por vir. "As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam". "Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra". Captem em suas mentes e corações algo da glória do lugar para onde estão indo. Esse é o antídoto, essa é a cura. A safra que vamos colher é certa, é segura. "Portanto, meus amados irmãos", Paulo escreveu aos coríntios, "sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor". Prossigam com a sua tarefa, sejam quais forem os seus sentimentos; continuem com o seu trabalho. Deus dará o crescimento, mandará a chuva da Sua graciosa misericórdia conforme a nossa necessidade. A colheita será abundante. Aguardem-na. "A seu tempo ceifaremos". E acima de tudo, consideremos o Mestre para quem trabalha­mos. Lembremo-nos como Ele sofreu e como foi paciente. Observem novamente o poderoso argumento de Hebreus capítulo 12: "Ainda não resististes até o sangue". Ele resistiu. Ele desceu do céu, e suportou tudo; e como foi paciente! Quão fatigante foi a Sua vida! Ele passou a maior parte do Seu tempo com pessoas comuns e às vezes mesquinhas, que não O compreenderam. Mas Ele prosse­guiu firme, sem qualquer reclamação. Como conseguiu isso? "Pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz, desprezando a afron­ta". Foi assim que Ele o fez. Considerando o gozo que Lhe estava proposto — Ele sabia que o dia da coroação estava se aproximando. Viu a seara que iria ceifar, e, vendo isso, foi capaz de não olhar para as outras coisas, porém passou por elas em glória e triunfo. E nós temos o privilégio de podermos ser como Ele. "Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me". É isso! Talvez até tenhamos a honra de sofrer por amor ao Seu nome. Paulo diz algo extraordinário em Colossenses 1:24. Ele declara que se considera privilegiado por "cumprir o resto das aflições de Cristo" em seu próprio corpo. Quem sabe vocês e eu, como cristãos, estamos tendo o mesmo privilégio, sem o saber? Bem, lembrem-se do seu abençoado Mestre, olhem para Ele, e peçam-Lhe perdão por terem-se entregue à fadiga e ao cansaço. Olhem para as suas vidas mais uma vez com esta perspectiva, e com certeza descobrirão que estão cheios de uma nova esperança, uma nova força, um novo poder. Não mais precisarão de estimu­lantes artificiais ou qualquer coisa assim, pois vão achar que estão novamente animados com o privilégio e o gozo da vida cristã, e detestarão a si mesmos por terem murmurado e reclamado, e pros­seguirão ainda mais gloriosamente, até que um dia venham a ouví-lO dizer: "Bem está, bom e fiel servo, entra no gozo do teu Senhor". "Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo".

Martyn Lloyd-Jones

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“Todo-Poderoso , aquele que era , que é, e que há de vir.”
“Ora, vem, Senhor Jesus!”

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