quinta-feira, 14 de maio de 2009
Considerações Gerais
Havendo considerado a doutrina do sacrifício, tal qual se desenrola nos primeiros sete capítulos deste livro, chegamos agora ao assunto do sacerdócio. Os dois assuntos estão intimamente ligados. O pecador necessita de um sacrifício, o crente necessita de um sacerdote. Nós temos tanto um como outro em Cristo, que, havendo-se oferecido a Si mesmo a Deus sem mácula, entrou na esfera do Seu ministério sacerdotal, no santuário celeste. Não precisamos de outro sacrifício nem de nenhum outro sacerdote, Jesus é divinamente suficiente. Comunica o valor e a dignidade da Sua própria pessoa a todos os cargos que desempenha e a todas as obras que realiza. Quando o vemos como sacrifício, sabemos que temos n'Ele tudo que um sacrifício perfeito podia ser; e, quando o vemos como sacerdote, sabemos que todas as funções do sacerdócio são perfeitamente cumpridas por Ele. Como sacrifício, Ele põe o Seu povo em permanente relação com Deus; e, como sacerdote, mantém-nos nela, segundo a perfeição do que Ele é. O sacerdócio é destinado àqueles que estão já em certo parentesco com Deus; como pecadores por natureza e na prática, já pelo sangue de Cristo chegamos perto de Deus (Ef 2:13). Somos postos em parentesco permanente com Ele: estamos perante Ele como o fruto da Sua obra. Ele tirou os nossos pecados de uma maneira digna de Si para que pudéssemos estar na Sua presença para louvor do Seu nome, como demonstração daquilo que Ele pode realizar pelo poder da morte e ressurreição.
Mas, embora libertos de tudo que podia ser contra nós, apesar de estarmos perfeitamente aceitos no Amado, não obstante sermos perfeitos em Cristo, ainda que soberanamente exaltados, somos, ainda assim, em nós próprios, enquanto aqui andamos, pobres e fracas criaturas, sempre prontos a extraviarem-se, prestes a tropeçar, expostos a múltiplas tentações, provas e ardis. Como tais, nós necessitamos do ministério incessante do nosso "Sumo Sacerdote", cuja presença no santuário das alturas nos mantém na plena integridade desse parentesco em que, pela graça, estamos colocados. "Vive sempre para interceder por eles" (Hb. 7:25). Não seria possível mantermo-nos aqui, nem por um momento, se Ele não vivesse por nós nas alturas. "...Porque eu vivo, e vós vivereis" (Jo 14:19). "Porque, se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida" (Rm. 5:10). A "vida" e a "morte" estão inseparavelmente ligadas na economia da graça. Porém, note-se que a vida vem depois da morte. É à vida de Cristo ressuscitado de entre os mortos, e não à Sua vida aqui na terra, que o apóstolo se refere na última passagem reproduzida. Esta distinção é eminentemente digna da atenção do leitor. A vida do nosso bendito Senhor Jesus, enquanto aqui andou, era, desnecessário é dizer, infinitamente preciosa; porém não entrou na esfera do Seu serviço sacerdotal antes de haver realizado a obra de redenção. Nem podia ter feito isso, "visto ser manifesto que nosso Senhor procedeu de Judá, e, concernente a essa tribo, nunca Moisés falou de sacerdócio" (Hb 7:14). "Porque todo sumo sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios; pelo que era necessário que este também tivesse alguma coisa que oferecer. Ora, se ele estivesse na terra, nem tampouco sacerdote seria, havendo ainda sacerdotes que oferecem dons segundo a lei" (Hb 8:3 - 4).
"Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção[...]. Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós, perante a face de Deus" (Hb 9:ll-12e24).
O céu, e não a terra, é a esfera do ministério sacerdotal de Cristo; e nessa esfera Ele entrou quando se ofereceu a Si mesmo sem mácula a Deus. Nunca entrou no templo terrestre como sacerdote. Subia freqüentemente ao templo para ensinar, mas nunca para sacrificar ou queimar incenso. Ninguém jamais foi ordenado de Deus para desempenhar as funções do ministério sacerdotal na terra, salvo Aarão e seus filhos. "Se ele estivesse na terra nem tão-pouco sacerdote seria." É um ponto de grande interesse e valor, em relação com a doutrina do sacerdócio. O céu é a esfera do sacerdócio de Cristo e a redenção efetuada a sua base. Excluindo o sentido em que todos os crentes são sacerdotes (1 Pe 2:5), não existe tal coisa como sacerdote na terra. A não ser que um homem possa provar a sua descendência de Aarão, a menos que possa provar a sua genealogia até essa origem antiga, não tem direito de exercer o ministério sacerdotal. A própria sucessão apostólica, admitindo que pudesse ser provada, não teria valor algum neste caso, tanto mais que os próprios apóstolos não eram sacerdotes, salvo no sentido acima referido.
O membro mais fraco da família da fé é tanto sacerdote como o próprio apóstolo Pedro. É um sacerdote espiritual; adora num templo espiritual; serve a um altar espiritual; oferece um sacrifício espiritual; está vestido com vestes espirituais. "Vós também, como pedras vivas, sois edif içados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo" (1 Pe2:5). "Portanto, ofereçamos sempre, por ele, a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome. E não vos esqueçais da beneficiência e comunicação, porque, com tais sacrifícios, Deus se agrada" (Hb 13:15-16).
Se um dos descendentes diretos da casa de Arão se convertesse a Cristo entraria num gênero inteiramente novo de serviço sacerdotal. E note-se que a passagem que acabamos de reproduzir apresenta as duas grandes classes de sacrifício espiritual que o sacerdote espiritual temo privilégio de oferecer. Existe o sacrifício de louvor a Deus e o sacrifício de benevolência aos homens. Uma corrente de grato louvor que sobe até ao trono de Deus e uma corrente de benevolência ativa correndo para um mundo necessitado. O sacerdote espiritual mantém-se com uma mão levantada para Deus, apresentando o incenso de grato louvor e a outra para ministrar, em verdadeira benevolência, todas as formas de necessidade humana. Se estas coisas fossem mais bem compreendidas, que santa elevação, e que graça moral, não comunicariam ao caráter cristão! Elevação, visto que o coração estaria sempre levantado para a Origem infinita de tudo que pode elevar-se, graça moral, uma vez que o coração estaria sempre aberto a tudo aquilo que necessitasse da sua simpatia. As duas coisas são inseparáveis. A ocupação imediata do coração com Deus deve, necessariamente, elevá-lo e alargá-lo. Por outro lado, se se anda à distância de Deus, o coração se comprimirá e aviltará. Intimidade de comunhão com Deus—realização habitual da nossa dignidade sacerdotal —, é o único remédio eficaz para as tendências de decadência e egoístas da velha natureza.
A Consagração de Arão na Presença da Congregação
Depois destas considerações gerais sobre o sacerdócio, quanto aos seus dois aspectos primário e secundário, vamos prosseguir com o exame do conteúdo dos capítulos oito e nove do Livro de Levítico.
"Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Toma a Arão, e a seus filhos com ele, e as vestes e o azeite da unção, como também o novilho da expiação do pecado, e os dois carneiros, e o cesto dos pães asmos e ajunta toda a congregação à porta da tenda da congregação. Fez, pois, Moisés como o Senhor lhe ordenara, e a congregação ajuntou-se à porta da tenda da congregação." Uma graça especial revela-se aqui. Toda a assembléia se reunia à porta da tenda da congregação, a fim de que todos pudessem ter o privilégio de ver aquele que estava prestes a ser investido do cargo dos seus interesses mais importantes. Em 28 e 29 de Êxodo ensina-se a mesma verdade com respeito às vestes e sacrifícios relacionados com o cargo sacerdotal; porém, em Levítico, a congregação é introduzida e autorizada a seguir com seus próprios olhos todos os movimentos do serviço solene e imponente da consagração. Até o membro mais humilde da assembléia tinha o seu próprio lugar. Desde o mais humilde ao mais eminente, todos podiam admirar a pessoa do sumo sacerdote, o sacrifício que oferecia e as vestes que envergava. Cada um tinha as suas necessidades peculiares e o Deus de Israel queria que todos vissem e soubessem como as suas necessidades estavam plenamente previstas por meio dos diversos qualificativos do sumo sacerdote que estava diante deles. As vestes sacerdotais eram a própria expressão apropriada destes qualificativos. Cada parte do vestuário era destinada e apropriada a mostrar alguma qualidade especial em que a assembléia como um todo e cada membro individualmente estaria interessado. A túnica, o cinto, o manto, o éfode, o peitoral, o urim e o Tumim, a mitra, a coroa santa — tudo fala das diferentes virtudes, qualificativos e funções daquele que devia representar a congregação e os seus interesses na presença divina.
Cristo, o nosso Sumo Sacerdote
É assim que o crente pode, com o olhar da fé, contemplar o seu grande Sumo Sacerdote, nos céus, e ver n'Ele as realidades divinas das quais as vestes de Aarão eram apenas sombras. O Senhor Jesus Cristo é o Santo, o ungido, Aquele que leva a mitra e está cingido. Ele é tudo isto, não em virtude de vestuário exterior que se pode envergar ou despojar, mas devido às graças eternas e divinas da Sua pessoa, à eficácia imutável da Sua obra e à virtude imperecível das Suas sagradas funções. É isto que torna precioso o estudo das figuras da dispensação mosaica. A alma iluminada vê Cristo em tudo: o sangue do sacrifício e a túnica do sumo sacerdote indicam-No — foram ambos destinados por Deus para O revelar. Se surge uma questão de consciência, o sangue do sacrifício responde segundo as justas exigências do santuário. A graça satisfez as exigências de santidade. E se for uma questão de necessidade em relação com a sua vida na terra, pode vê-las todas divinamente supridas nas vestes oficiais do sumo sacerdote.
E, deixai-me dizer, existem duas maneiras de encarar a posição do crente — duas maneiras nas quais essa posição é apresentada na Palavra de Deus e que devem ser tomadas em conta antes de que a verdadeira idéia do sacerdócio possa ser percebida. O crente é apresentado como fazendo parte de um corpo do qual Cristo é a Cabeça. Este corpo, com Cristo, sua Cabeça, é mencionado como formando um homem completo, em todo o sentido. O crente foi vivificado com Cristo, ressuscitado com Cristo e assentado com Cristo nos céus. É um com Ele, perfeito n'Ele, aceite n'Ele, possui a Sua vida e está em Seu favor diante de Deus. Todas as suas ofensas foram apagadas. Não resta sequer uma mancha. Tudo nele é formoso e amável à vista de Deus (veja-se 1 Co 12:12-13; Ef 2:5-10; Q2:6-15; l Jo 4:17).
Por outro lado, o crente é contemplado como estando no lugar de necessidade, fraqueza, e dependência no mundo. Está sempre exposto à tentação, é inclinado a extraviar-se, e está sujeito a tropeçar e cair. Como tal, tem necessidade constante de perfeita simpatia e do poderoso ministério do Sumo Sacerdote, que comparece sempre na presença de Deus ao pleno valor da Sua pessoa, e que representa o crente e defende a sua causa diante do trono.
E conveniente ponderar estes dois aspectos do crente, para poder ver-se não apenas o lugar sumamente elevado que o crente ocupa com Cristo nas alturas, mas também a abundante provisão que existe para si quanto a todas as suas necessidades e fraquezas aqui na terra. Esta distinção podia ser também formulada da seguinte maneira: O crente está representado como sendo da Igreja e estando no reino. Quanto ao primeiro estado, o céu é o seu lugar, o seu lar, a sua parte, o centro dos seus afetos. Quanto ao último, ele está na terra, no lugar de prova, responsabilidade e conflito. Por isso, o sacerdócio é um recurso divino para aqueles que, sendo da Igreja e pertencendo ao céu, estão, todavia, no reino e andam sobre a terra. Esta distinção é muito simples, e, quando compreendida, explica muitas passagens da Escritura em que muitos encontram dificuldades consideráveis (1).
Examinando estes capítulos podemos notar três coisas que se destacam de modo proeminente, a saber: a autoridade da Palavra, o valor do sangue, o poder do Espírito. São assuntos importantes — assuntos de uma importância inefável —, cada um dos quais deve ser considerados por todo o cristão de vital interesse.
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(1) Uma comparação da epístola aos Efésios com a primeira epístola de Pedro dará ao leitor instrução proveitosa a respeito do aspecto duplo da posição do crente.
A primeira apresenta-o assentado no céu; a última como peregrino e sofredor na terra.
"Isto é o que Senhor Ordenou que se Fizesse"
Quanto à autoridade da Palavra, é do maior interesse ver que, na consagração dos sacerdotes bem como em toda a série de sacrifícios, dependemos diretamente da autoridade da Palavra de Deus. "Então, disse Moisés à congregação: Isto i o que o Senhor ordenou que se fizesse" (Lv 8:5). "E disse Moisés: Esta coisa que o Senhor ordenou fareis: e a glória do Senhor vos aparecerá " (Lv 9:6). Prestemos ouvidos a estas palavras. Ponderemo-las atentamente e com oração. São palavras inestimáveis."Isto é o que o Senhor ordenou''. Moisés não disse, "Isto é o que é agradável, conveniente". Tampouco disse, "isto é o que foi ordenado pela voz de nossos pais, por decreto dos anciãos ou a opinião dos doutores". Moisés nada sabia de tais fontes de autoridades. Para ele havia só uma origem de autoridade santa, elevada e soberana, e essa era a Palavra de Jeová, e ele queria que cada membro de assembléia estivesse em contato direto com essa origem bendita. Isto dava segurança ao coração e estabilidade a todos os pensamentos. Não havia nenhum lugar para a tradição, com o seu som incerto, ou para o homem, com as suas disputas duvidosas. Tudo era claro, concludente e peremptório. O Senhor havia falado, e tudo que era preciso era ouvir o que Ele havia dito e obedecer. Nem a tradição nem a conveniência têm lugar no coração que tem aprendido a apreciar, a reverenciar e obedecer à Palavra de Deus.
E qual devia ser o resultado desta rigorosa adesão à Palavra de Deus"?- Um resultado verdadeiramente bendito. "A glória do Senhor vos aparecerá." Houvesse a Palavra sido negligenciada e a glória não teria aparecido. As duas coisas estavam intimamente ligadas. O mais ligeiro desvio da expressão "assim diz o Senhor" teria impedido os raios da glória divina de aparecerem à congregação de Israel. Tivesse sido acrescentado um só rito ou cerimônia não ordenados pela Palavra, ou tivesse havido omissão de alguma coisa que a Palavra ordenava, e o Senhor não teria manifestado a Sua glória. Não podia sancionar por meio da glória da Sua presença o descuido ou a rejeição da Sua Palavra. Pode suportar a ignorância ou a fraqueza, mas não pode sancionar a negligência ou a desobediência.
Óh, se tudo isto fosse mais seriamente considerado neste século de tradições e conveniências! Gostaria com todo o afeto e vivo sentimento de responsabilidade pelo leitor de o exortar a prestar sincera atenção à importância de uma estrita — diria mesmo severa —adesão e sujeição reverente à Palavra de Deus. Que prove todas as coisas por esta regra e rejeite tudo que não se ajusta com ela; que pese tudo com esta balança e ponha de parte tudo que não tem o seu peso; que meça tudo por essa regra e recuse todos os desvios. Se pudéssemos ao menos ser o meio de despertar uma alma ao próprio sentido do lugar que pertence à Palavra de Deus, não teríamos escrito o nosso livro em vão.
Que o leitor se detenha por um momento na presença d'Aquele que esquadrinha os corações e faça a si próprio esta pergunta simples: "Estou eu sancionando com a minha presença ou adotando na minha conduta algum desvio ou negligência da Palavra de Deus?" Fazei deste assunto um caso pessoal perante o Senhor. Estai seguros que é um assunto da atualidade e da maior importância. Se achais que tendes estado, de qualquer maneira, ligados ou envolvidos em qualquer coisa que não tem o selo distinto da sanção divina, rejeitai-a de uma vez para sempre. Sim, rejeitai-a, ainda que ela se apresente adornada com as vestes imponentes da antigüidade, acreditada pela voz da tradição e apresentando a alegação quase irresistível de expediente. Se não podeis dizer de tudo aquilo com que estais ligados "isto é o que o Senhor ordenou", então renunciai-o sem hesitação, para sempre. Recordai estas palavras: "Como se fez neste dia, assim o Senhor ordenou se fizesse" (Lv 8:34). Sim, recordai as palavras "como" e "assim"; vede se estão ligadas nos vossos caminhos e ligações e não permitais que elas jamais se separem.
O Oitavo Dia
"E Arão e seus filhos fizeram todas as coisas que o Senhor ordenou pela mão de Moisés" (Lv8:36). "Então, entraram Moisés e Arão na tenda da congregação; depois; saíram e abençoaram o povo; e a glória do Senhor apareceu a todo o povo. Porque o fogo saiu de diante do Senhor e consumiu o holocausto e a gordura sobre o altar; o que vendo todo o povo, jubilou e caiu sobre as suas faces" (Lv 9:23,24). Temos aqui uma cena do "oitavo dia" uma cena da glória da ressurreição. Arão, havendo oferecido o sacrifício, levantou as suas mãos em atitude de bênção sacerdotal sobre o povo; e então Moisés e Arão retiraram-se para dentro do tabernáculo, e desapareceram, enquanto que toda a assembléia esperava da parte de fora. Finalmente, Moisés e Arão, representando Cristo no Seu caráter duplo de Sacerdote e Rei, saem e abençoam o povo; a glória aparece em todo o seu esplendor, o fogo consome o sacrifício e toda a congregação se prostra em adoração na presença do Senhor de toda a terra.
Ora, tudo isto era literalmente feito na consagração de Aarão e seus filhos. E, além disso, tudo isto era o resultado de estrita adesão à Palavra do Senhor. Porém, antes de deixar esta parte do assunto, quero recordar ao leitor que todos estes capítulos são apenas "uma sombra dos bens vindouros". Isto, na verdade, pode dizer-se a respeito de toda a economia Moisaica (Hb 10:1). Arão e seus filhos conjuntamente representam Cristo e a Sua casa sacerdotal. Arão só representa a Cristo nas Suas funções vicárias e intercessórias.
Moisés e Arão juntos representam Cristo como Rei e Sacerdote. "O oitavo dia" representa o dia da glória da ressurreição, em que a congregação de Israel verá o Messias assentado no Seu trono como Sacerdote Real, e em que a glória do Senhor há de encher toda a terra como as águas cobrem o mar. Estas verdades sublimes são largamente desenroladas na Palavra de Deus e brilham como pedras preciosas de esplendor celestial através das páginas inspiradas: mas, não seja o caso de terem para o leitor o aspecto de novidade suspeita, envio-o às seguintes provas escriturais: Números 14:21; Isaías 9:6-7; 11; 25:6 a 12:32:1; 2; 35; 37:31,32; 40:1 a5; 54,59:16a21;60a66; Jeremias 23:5a8; 30:10a24; 33:6a22; Ezequiel48:35; Daniel7:13,14; Oséas 14:4 a 9; Sofonias 3:14 a 20; Zacarias 3:8 a 10; 6:12,13; 14.
O Sangue da Vítima
Consideremos agora o segundo ponto desta parte do Livro, a saber, a eficácia do sangue. É um ponto amplamente desenrolado e que ocupa um lugar proeminente. Quer contemplemos a doutrina do sacrifício ou a doutrina do sacerdócio, vemos que o derramamento do sangue ocupa o mesmo lugar importante. "Então, fez chegar o novilho da expiação do pecado: e Arão e seus filhos puseram as suas mãos sobre a cabeça do novilho da expiação do pecado: e o degolou; e Moisés tomou o sangue, e pôs dele com o seu dedo sobre as pontas do altar em redor, e expiou o altar depois; derramou o resto do sangue à base do altar, e o santificou, para fazer expiação por ele" (8:14-15).
"Depois, fez chegar o carneiro do holocausto; e Arão e seus filhos puseram as mãos sobre a cabeça do carneiro; e o degolou; e Moisés espargiu o sangue sobre o altar, em redor" (versículos 18 e 19). "Depois, fez chegar o outro carneiro, o carneiro da consagração; e Arão com seus filhos puseram as suas mãos sobre a cabeça do carneiro; e o degolou; e Moisés tomou do seu sangue e o pôs sobre a ponta da orelha direita de Arão, e sobre o polegar da sua mão direita e sobre o polegar do seu pé direito. Também fez chegar os filhos de Arão; e Moisés pôs daquele sangue sobre a ponta da orelha direita deles, e sobre o polegar da sua mão direita, e sobre o polegar do seu pé direito; e Moisés espargiu o resto do sangue sobre o altar, em redor" (versículos 22 a 24).
O significado dos vários sacrifícios já foi explicado, até certo ponto, nos primeiros capítulos deste volume; porém das passagens que acabamos de citar ressalta o lugar importante que o sangue ocupava na consagração dos sacerdotes. Era preciso um ouvido manchado de sangue para escutar as comunicações divinas; a mão espargida com sangue era necessária para executar os serviços do santuário; e era preciso que o pé estivesse manchado com sangue para trilhar os átrios da casa do Senhor. Tudo isto é perfeito em sua própria ordem. O derramamento de sangue era o fundamento de todo o sacrifício pelo pecado, e estava ligado com todos os vasos do ministério e com todas as funções do sacerdócio. Em todo o conjunto do serviço Levítico notamos o valor, a eficácia, o poder e a ampla aplicação do sangue. "E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue" (Hb 9:22). Cristo entrou, por Seu próprio sangue, no mesmo céu.
Aparece no trono da majestade nos céus em virtude de tudo que cumpriu na cruz. A sua presença no trono atesta o valor e a aceitação do Seu sangue expiatório. Está ali por nós. Bendita segurança! Vive sempre. Nunca muda; e nós estamos n'Ele e como Ele é, Ele apresenta-nos ao Pai em Sua própria perfeição eterna, e o Pai acha prazer em nós, assim apresentados, do mesmo modo que Se compraz n'Aquele que nos apresenta. Esta identificação é tipicamente representada em "Arão e seus filhos" pondo as suas mãos sobre a cabeça dos sacrifícios. Estavam todos diante de Deus no valor do mesmo sacrifício. Quer fosse "o novilho da expiação", "o carneiro do holocausto" ou "o carneiro da consagração", eles punham conjuntamente as suas mãos sobre todos. E verdade que só Arão fora ungido antes de o sangue haver sido derramado. Estava vestido com as vestes do seu ofício e ungido com o azeite da santa unção antes que seus filhos fossem vestidos ou ungidos. A razão é óbvia, Arão simboliza Cristo em Sua excelência incomparável e dignidade própria; e, como sabemos, Cristo apareceu em todo o Seu valor pessoal e foi ungido pelo Espírito Santo antes da realização da Sua obra expiatória. Em todas as coisas Ele tem a preeminência (Cl 1).
Contudo, existe a mais completa identificação, depois, entre Aarão e seus filhos; como há a mais completa identificação entre Cristo e o Seu povo. "O que santifica, como os que são santificados, são todos de um" (Hb 2:11). A distinção pessoal realça o valor da unidade mística.
O Poder do Espírito
Esta verdade de distinção e unidade da Cabeça e dos membros conduz-nos naturalmente ao nosso terceiro e último ponto, isto é, o poder do Espírito. Podemos notar tudo que se verifica entre a unção de Aarão e de seus filhos com ele. O sangue é derramado, a gordura é queimada sobre o altar, e o peito era movido por oferta de movimento perante o Senhor. Por outras palavras, o sacrifício é consumado, o seu cheiro suave sobe até Deus e Aquele que o ofereceu sobe no poder da ressurreição e toma o Seu lugar nas alturas. Tudo isto se realiza entre a unção da Cabeça e a unção dos membros. Lemos e comparemos as passagens. Primeiramente, quanto a Aarão só, lemos: "E lhe vestiu a túnica, e cingiu-o como cinto, e pôs sobre ele o manto; também pôs sobre ele o éfode cingiu-o com o cinto lavrado do éfode o apertou com ele. Depois, de pôs-lhe o peitoral, pondo no peitoral o Urim e o Tumim; e pôs a mitra sobre a sua cabeça, e na mitra, diante do seu rosto, pôs a lâmina de ouro, a coroa da santidade, como o Senhor ordenara a Moisés. Então, Moisés tomou o azeite da unção, e ungiu o tabernáculo e tudo o que havia nele, e o santificou; e dele espargiu sete vezes sobre o altar e ungiu o altar e todos os seus vasos, como também a pia e a sua base, para santificá-los. Depois, derramou do azeite da unção sobre a cabeça de Arão e ungiu-o, para santificá-lo" (versículos 7 a 12).
Aqui só Arão é apresentado. O azeite da unção é derramado sobre a sua cabeça, e isso, também, em ligação imediata com a unção de todos os vasos do tabernáculo. Toda a assembléia era autorizada a presenciar como o sumo sacerdote punha as suas vestes oficiais, a mitra, e depois recebia a unção; e não somente isto, mas como, à medida que se lhe punha cada peça do vestuário, que se realizava cada ato, que se celebrava cada cerimônia, podia ver-se como tudo estava baseado sobre a autoridade da Palavra. Não havia em tudo nada vago, nada arbitrário, nada imaginativo. Tudo era divinamente estável. As necessidades da congregação eram inteiramente providas e providas de tal maneira que podia dizer-se, "...assim o Senhor ordenou se fizesse".
Na unção só de Arão, antes do derramamento de sangue, temos uma figura de Cristo, que, antes de se oferecer a Si mesmo sobre a cruz, estava inteiramente só. Não podia haver união entre Ele e o Seu povo, salvo sobre o fundamento da morte e ressurreição. Esta verdade tão importante j á foi mencionada e tratada, até certo ponto, em conexão com o assunto do sacrifício; porém aumenta o seu poder e interesse vê-la tão intimamente ligada com a questão do sacerdócio. Sem derramamento de sangue não há remissão — o sacrifício não estava completo. Assim, também, sem derramamento de sangue Arão e seus filhos não podiam ser ungidos juntos. Que o leitor tome nota deste fato. Certifique-se dele, porque é digno da sua mais profunda atenção.
Guardemo-nos sempre de passar ligeiramente qualquer circunstância na economia Levítica. Cada coisa tem a sua voz específica e próprio significado; e Aquele que delineou e desenvolveu esta ordem pode explicar ao coração e entendimento o que essa ordem significa.
"Tomou Moisés também do azeite da unção e do sangue que estava sobre o altar e o espargiu sobre Arão e sobre as suas vestes, sobre os seus filhos e sobre as vestes de seus filhos com ele. E santificou a Arão e as suas vestes e seus filhos, e as vestes de seus filhos com ele" (Lv8:30).
Porque não foram os filhos de Arão ungidos com ele na ocasião citada no versículo 12? Simplesmente porque o sangue não havia sido derramado. Quando "o sangue" e "o azeite" puderam ser ligados, então Arão e seus filhos puderam ser "ungidos" e "santificados" juntos; mas não antes. "E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade" (Jo 17:19). O leitor que pudesse passar ao de leve uma circunstância tão notável, ou dizer que ela nada significa, tem ainda que aprender a avaliar devidamente as figuras do Velho Testamento — "as sombras dos bens futuros". E, por outro lado, aquele que admite que significa alguma coisa, mas que, não obstante, recusa inquirir e compreender o que é esse alguma coisa, está causando sério prejuízo à sua própria alma e manifestando pouco interesse pelos preciosos oráculos de Deus.
"E Moisés disse a Arão e a seus filhos: Cozei a carne diante da porta da tenda da congregação e ali a comei com o pão que está no cesto da consagração, como tenho ordenado, dizendo: Arão e seus filhos a comerão. Mas o que sobejar da carne e do pão queimareis com fogo. Também da porta da tenda da congregação não saireis por sete dias, até ao dia em que se cumprirem os dias da vossa consagração; porquanto por sete dias o Senhor vos consagrará. Como se fez neste dia, assim o Senhor ordenou se fizesse, para fazer expiação por vós. Ficareis, pois, à porta da tenda da congregação dia e noite, por sete dias, e fareis a guarda do Senhor, para que não morrais: porque assim me foi ordenado" (versículos 31 a 35). Estes versículos oferecem um belo símbolo de Cristo e o Seu povo alimentando-se juntos dos resultados da expiação efetuada. Arão e seus filhos, havendo sido ungidos em conjunto, em virtude do derramamento de sangue, são apresentados aqui à nossa vista fechados no recinto do tabernáculo por "sete dias". Uma figura notável da atual posição de Cristo e Seus membros durante esta dispensação, encerrados com Deus e aguardando a manifestação da glória. Bem-aventurada posição! Bem-aventurada parte! Bem-aventurada esperança! Estar-se associado com Cristo, encerrado com Deus, esperando o dia da glória, e, esperando a glória, nutrir-se das riquezas da graça divina no poder da santidade, são bênçãos da mais preciosa natureza, privilégios da mais elevada ordem. Oh, se fôssemos capazes de os compreender bem, se tivéssemos corações para os gozar e possuíssemos um sentimento profundo da sua magnitude! Que os nossos corações estejam separados de tudo que pertence a este presente século mau, de forma a podermos alimentar-nos do conteúdo do "cesto das consagrações", que é nosso próprio alimento como sacerdotes no santuário de Deus.
A Glória do Reino Milenar
"E aconteceu, ao dia oitavo que Moisés chamou Arão, e a seus filhos, e aos anciãos de Israel e disse a Arão: Toma um bezerro, para expiação do pecado, e um carneiro; para holocausto, sem mancha, e traze-os perante o Senhor. Depois, falarás aos filhos de Israel, dizendo: Tomai um bode para expiação do pecado, e um bezerro e um cordeiro de um ano, sem mancha, para holocausto também um boi e um carneiro, para sacrifício pacífico, por sacrificar perante o Senhor, e oferta de manjares, amassada com azeite; porquanto HOJE O SENHOR VOS APARECERÁ" (Lv 9:1 -4).
Havendo terminado os "sete dias" durante os quais Arão e seus filhos estavam retidos no recinto do tabernáculo, toda a congregação é introduzida e a glória de Jeová manifesta-se. Isto completa toda a cena. As sombras dos bens vindouros passam aqui diante de nós por sua ordem divina. O "oitavo dia" é uma figura dessa manhã milenial que está, prestes a raiar sobre a terra, quando a congregação de Israel verá sair o Verdadeiro Sacerdote do santuário, onde está agora, oculto para os olhos dos homens, acompanhado de um grupo de sacerdotes, companheiros da Sua reclusão, e participantes felizes da Sua glória manifestada. Numa palavra, como sombra ou figura, nada podia ser mais completo. Em primeiro lugar Arão e seus filhos lavados com água — uma figura de Cristo e o Seu povo, considerados no decreto eterno de Deus, santificados juntamente em propósito (Lv8:6). Depois, temos o modo e a ordem em que este propósito deveria proceder. Arão, em solidão é vestido e ungido — uma figura de Cristo santificado e enviado ao mundo e ungido pelo Espírito Santo (versículos 7 a 12; compare-se Lc 3:2-22; com Jo 10:36; 12:24). Em seguida temos a apresentação e aceitação do sacrifício, em virtude do qual Arão e seus filhos eram ungidos e santificados em conjunto (versículos 14 a 29), uma figura da cruz em sua aplicação àqueles que agora constituem a casa sacerdotal de Cristo, que estão unidos com Ele, ungidos com Ele, escondidos com Ele e esperando por Ele" ao oitavo dia", quando Ele Se manifestar com eles em todo o resplendor daquela glória que Lhe pertence no propósito eterno de Deus (Jo 14:19; At 2:33; 19:1 - 7; C13:l -4). Finalmente, temos Israel conduzido ao pleno gozo dos resultados da expiação efetuada. São reunidos perante o Senhor. "Depois Arão levantou as mãos ao povo e o abençoou; e desceu, havendo feito a expiação do pecado, e o holocausto, e a oferta pacífica" (veja-se Lv 9:1 a 22).
Agora, pode perguntar-se, que resta ainda f azer? Simplesmente que a pedra do topo seja posta com aclamações de vitória e hinos de louvor. "Então, entraram Moisés e Arão na tenda da congregação; depois, saíram e abençoaram o povo; e a glória do Senhor apareceu a todo o povo. Porque o fogo saiu de diante do Senhor e consumiu o holocausto e a gordura sobre o altar; o que vendo todo o povo; JUBILOU e CAIU SOBRE AS SUAS FACES" (versículos 23 e 24).
Este era o grito de vitória — a atitude de adoração. Tudo era completo. O sacrifício, o sacerdote com suas vestes e mitra, a família sacerdotal associada com o seu Chefe, a bênção sacerdotal, o aparecimento do Rei e Sacerdote — em suma, nada faltava e portanto a glória divina apareceu e toda a congregação se prostrou em adoração.
E, em tudo, uma cena magnífica — uma sombra maravilhosa e bela dos bens que hão-de vir. E, recorde-se, tudo que aqui é simbolizado será, dentro de pouco tempo, plenamente realizado. O nosso grande Sumo Sacerdote penetrou nos céus no pleno valor e poder da expiação realizada. Está ali oculto, agora, e, com Ele, todos os membros da Sua família sacerdotal; mas quando tiverem passado os "sete dias" e os raios do "oitavo dia" brilharam sobre a terra, então todo o remanescente de Israel — um povo arrependido e expectante —aclamará com um grito de vitória a presença visível do Sacerdote Real; e, em íntima associação com Ele, será vista uma multidão de adoradores ocupando a mais elevada posição. Estas são "as boas coisas que hão - de vir" — coisas por que, certamente, vale a pena esperar—coisas dignas de Deus, coisas em que há - de ser eternamente glorificado e o Seu povo eternamente abençoado.
CAPÍTULOS 8 e 9 do Livro de Levítico da Coleção Pentateuco
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